João Vieira*
Os cerrados são como que a grande caixa d´água do Brasil. Com efeito, é nos cerrados que nascem os caudais – tanto os grandes (ou gigantescos) quanto os pequenos cursos d´água – que irrigam o território pátrio. Repare nas nascentes dos afluentes amazônicos de sua margem direita: desde o Madeira ao Tapajós e seus respectivos alimentadores; e também o sistema Araguaia/Tocantins – todos têm suas origens nas terras altas, ou, se quiser, nos altiplanos do sistema ecológico constituído pelos cerrados.
Na verdade, trata-se de um gigantesco ecossistema que perfaz o “Brasil-do-centro” ou “de dentro”, como às vezes se fala. E que dizer do legendário caudal da integração nacional, o rio São Francisco? É originário de montanhas e cerrados, corre nos cerrados e assim vai até desaguar no mar que nos limita. Igualmente se passa com caudais de porte médio, como o rio Jequitinhonha e o Rio Doce, que vão dos cerrados e cerradões até o Oceano Atlântico.
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Veja-se, ainda, o sistema Paraná/Paraguai, ou seja, a não menos grandiosa bacia platina: os cerrados e cerradões a alimentam. E, bem a propósito, cite-se caso das “Águas Emendadas” das proximidades de Brasília, Distrito Federal. Algo notável porque, conforme o vento, as águas se encaminham ou para a bacia amazônica (Araguaia/Tocantins), ou bacia do Prata (Rio Paraná)…
Mas o notável, ou então notório, dos sistemas hidrográficos que têm origem nas terras altas do Brasil Central são as fontes excepcionais. Isto é, as águas especiais que aparecem em níveis dispersos ou concentrados, na vastidão geo-espacial dos cerrados e sua continuidade natural: as montanhas e os pantanais.
As termais formam a maioria dessas fontes. No caso das minerais, já se acham quase todas assumidas funcional e comercialmente, embora tenhamos notícias de algumas no estado de sua surgência in natura, isto é, ainda não domesticadas (pesquisadas, classificadas e registradas) e, conseqüentemente, não assumidas para efeito de uso/exploração “por concessão”. Acreditamos que sejam poucos os casos nessa situação, porém ainda os há…
Exemplo de águas especiais bem assumidas é o “Circuito das Águas” do Sul mineiro, constante dos balneários de Caxambu, Cambuquira, São Lourenço, Lambari e também o conhecido balneário hidromineral e termal de Poços de Caldas, com a sua afamada estrutura de serviços hidroterápicos. Outro exemplo é o complexo balneário de Araxá, este particularmente significativo pelos medicinais “banhos de lama”.
E há Caldas Novas e Rio Quente de Goiás, que perfazem a maior estância balneária termal deste planeta e como tal deve ser assumida, não apenas para uso e todos os proveitos, mas sobretudo visando à sua proteção ecológica ou ambiental e a conservação utilitária. Registre-se um fato insólito e intrigante: a comunidade local não tem o hábito de usufruir desse extraordinário balneário de nicho ambiental hidrotermal único! Coisa, certamente, a ser tomada a termo para ser retificada, corrigida – porque sem o apoio ou entusiasmo rasgado da população residente, e de cada cidadão em particular, não há definitivamente conservação ecológica viável e/ou razoável!
Que se complete a menção às águas especiais do complexo ecológico dos cerrados e cerradões – a “caixa d´água do Brasil” – inscrevendo também as surgências termais e minerais mais para Oeste e ao Norte, ou seja, em terras mato-grossenses e alhures, como as fontes termais de Barra do Garças e cercanias; e também as da região de Rondonópolis/Juscimeira; assim como a fonte das Águas Quentes da Serra, na orla pantaneira, junto de Cuiabá e por isso mesmo plenamente aproveitada há décadas. Sem dizer de outras fontes ainda na sua condição “in natura”, como a surgência termal do Bambá, ou o filete sulforoso de Bom Jardim, nos Altos da Serra, este tão reconhecido quanto solitário e abandonado! E por fim, o caso das termas da estrada para Melgaço, já na Baixada Cuiabana, que massacrada e aterrada por maquinaria rodoviária, como que num protesto foi brotar no leito de um córrego ao lado!
Finalizando, cumpre ressalvar a não menção de águas termais e minerais como as de Águas de Lindóia ou Águas de São Pedro, entre outras mais do estado de São Paulo; e também as famosas Caldas da Imperatriz, dentre poucas da Serra Catarinense; ou notícias de existência de um “Rio do Calor” em nascentes amazônicas do Nortão mato-grossense. E por derradeiro, a menção aos incontáveis jorros de águas-de-mesa ou potáveis como as fontes exemplarmente protegidas de Chapada dos Guimarães, nas cercanias de Cuiabá. Sejam essas e todas as demais fontes de água limpa ou as muitíssimo especiais, reconhecidas ou protegidas pela cota de sensatez assegurada pela consciência ecológica e social, em plano individual ou comunitário. Assim seja!
* João Vieira, sociólogo e professor universitário, foi diretor do Museu Rondon, da Universidade Federal do Mato Grosso.
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