O tema da liberdade de expressão é o mais caro para a cidadania; que não se tenha dúvida quanto a isso. Sem liberdade de expressão, não há debate público, parlamento, oposição, melhores políticas públicas; nem sequer propostas inovadoras para enfrentar a carregada pauta política atual. Além disso, a liberdade de expressão é que garante o ambiente democrático, a transparência das informações e a consequente possibilidade de monitoramento do poder público pela sociedade.
Falta o entendimento deste ponto pela Justiça – e seus operadores – que continua a afrontar o Artigo 5º em suas sentenças, no que já se apelidou de “censura judiciária” contra jornalistas que incomodam grupos poderosos. Como afirmou certa vez o sempre lúcido ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, “não se pode alegar o abuso para coibir o uso”.
Hoje, a pauta da liberdade de expressão se volta para a proibição de publicação de biografias não autorizadas, e que tem colocado em lados opostos pessoas públicas em geral e escritores e jornalistas.
O tema ganhou mais destaque a partir de 2007, quando o cantor Roberto Carlos conseguiu na Justiça a proibição da venda e distribuição de sua biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo. Desde então a polêmica só faz crescer, e agora vários artistas de peso se reuniram em um grupo, o “Procure Saber”. O grupo quer que o STF julgue improcedente a ADI 4815, da Associação Nacional dos Editores de Livros, que contesta os artigos 20 e 21 da Lei 10.406, de 2002. Esses artigos estabelecem que a “exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais” e que “a vida privada da pessoa natural é inviolável”.
Nada mais falso que o dilema de fundo nesta polêmica, pois estamos falando de pessoas – artistas, celebridades e principalmente políticos – que acima de tudo são personagens públicos. E que ganharam e ganham a vida tendo como base essa mesma publicidade. De qualquer forma, em recente evento pelos 25 anos da Constituição, Patrícia Blanco, diretora do Instituto Palavra Aberta, nos lembra que a nossa própria Constituição Cidadã garante o direito à liberdade de expressão em seu Artigo 5º, inciso IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ou o disposto no segundo parágrafo do Artigo 220: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Nada na legislação infraconstitucional pode valer mais que os preceitos da própria Carta Magna.
É chegada a hora da sociedade brasileira – sociedade civil, poder público, empresários – se decidir entre a visão romântica, utópica, do Estado-pai, provedor de todas as demandas de cidadãos infantilizados, e a visão realista, hobbesiana, do homem imperfeito, falho, responsável pelos seus atos e, por isso mesmo, autônomo, consciente e independente. Será que vamos escolher o alinhamento com China, Rússia, Cuba, Sudão, Zimbábue, Síria e Arábia Saudita, que restringem a liberdade de expressão? Ou vamos seguir as maiores democracias do mundo, como Estados Unidos, Reino Unidos, França e Espanha? Estes países vetam qualquer dispositivo legal de cerceamento prévio de liberdade de expressão, deixando a quem se sentir ofendido o amparo da legislação penal contra calúnia e difamação.
Afinal de contas, “é proibido proibir”, um lema tão caro à luta da cidadania nos anos 60 e 70, continua mais atual do que nunca e precisamos ficar sempre atentos.
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