Soraia Costa
A luta pela igualdade de direitos e condições é o princípio básico para todos os partidos de esquerda brasileiros. Apesar dos objetivos semelhantes, os meios para se fazer a tão sonhada "revolução social" são bem diferentes. Essas divergências levaram à ramificação da esquerda, que hoje conta com dez legendas no Brasil: PT, Psol, PSTU, PCO, PCB, PCdoB, PV, PDT, PSB e PPS.
Para levantar os objetivos e ideais de cada uma delas, o Congresso em Foco conversou com estudiosos, políticos e representantes dos partidos. Entre eles, uma cientista política, um historiador, dois sociólogos, um metalúrgico, um deputado federal, um administrador de empresas e três jornalistas.
Entre os representantes dos partidos de esquerda ouvidos, há um consenso: todos descartam, no atual contexto, o recurso à luta armada para promover a revolução social e defendem que as mudanças ocorram pela via democrática.
Mas os entrevistados divergem quando questionados sobre a possibilidade de união entre as esquerdas. "Acho difícil ter uma união entre todas as esquerdas, mas não é impossível. Depende de quem é o inimigo e qual a causa a ser defendida. A diversidade de partidos é uma questão de não concordar com algumas idéias e querer a individualidade", explica o historiador e arquiteto Frank Svensson, 72 anos, professor da Universidade de Brasília e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) desde 1959.
Já para a cientista política Mara Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e que realiza pesquisas sobre comportamento eleitoral, partidos políticos e eleições, a coalizão não passa de uma utopia. "A união entre os partidos de esquerda não é possível", diz ela. "Nas eleições de 2002 ficou claro que cada partido estava de um lado, apoiando um candidato diferente. Durante o governo Lula, houve dificuldades para fazer alianças com a esquerda, por isso o PT foi levado a buscar o PMDB", defende ela.
O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), fundador do Partido Verde, vai ainda mais longe e diz que "a dicotomia entre direita e esquerda está ultrapassada e não se aplica mais à realidade atual". Para o deputado, a fronteira agora é a ética e não necessariamente a ideologia. "A disputa daqui para frente será entre patrimonialistas e republicanos. Não quero dizer com isso que a oposição entre direita e esquerda acabou, apenas que há um elemento novo", diz.
PublicidadeQuem é do bem?
Ao ser questionado sobre o porquê da existência de tantas ramificações no campo da esquerda, Gabeira defendeu que se houvesse diálogo seria possível alcançar a união de todos, mas que há dificuldade na hora de fazer a diferenciação entre os grupos "do bem". "A grande dificuldade para se chegar ao entendimento são as diferenças entre as práticas e as promessas de alguns grupos. Isso dificulta a diferenciação", argumentou.
Apolinário Rebelo, presidente do PCdoB no Distrito Federal, vê a união entre as esquerdas como uma necessidade. "O problema é que há partidos que querem estar mais à esquerda que a própria esquerda", diz.
Para ele, a existência de uma terceira via apenas dificulta mais a transição para o comunismo e a superação do capitalismo. "Na realidade de hoje, é preciso juntar a esquerda com a centro-esquerda. Ninguém constrói uma casa pelo telhado. Tem que ter uma base bem construída antes", defende.
Um pouco de história
Na política, as diferenças entre direita e esquerda surgiram na Revolução Francesa, no século XVIII. Durante as assembléias legislativas francesas, os jacobinos, representantes do proletariado e da pequena e média burguesia, sentavam-se à esquerda e os representantes da alta burguesia, à direita.
As diferenças ganharam sabor universal com o conflito ideológico entre capitalistas e socialistas, principalmente no período da guerra fria (1945-1989). Mas após a queda da antiga União Soviética, no final do século passado, comunistas e socialistas passaram a rever seus modelos de sociedade e isso acabou gerando um estreitamento entre as visões esquerdistas e direitistas.
Em 25 de março de 1922, foi criado o Partido Comunista do Brasil, que na época adotava a sigla PCB. Com inspirações comunistas baseadas na ideologia de Karl Marx e Friedrich Engels, o partido viveu durante anos na clandestinidade e teve vários de seus membros perseguidos e mortos. Em 1960, uma ação popular resultou na divisão da legenda. O Partido Comunista do Brasil passou a adotar a sigla PCdoB e o Partido Comunista Brasileiro ficou com a sigla PCB.
As divergências entre os dois grupos começaram quando o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética Nikita Khrushchev, que ficou no poder entre 1953 e 1964, passou a adotar medidas reformistas para a mudança do Estado soviético. Os fundadores do PCdoB não concordaram e optaram pela cisão.
Apesar de a origem ser a mesma, até hoje os dois partidos reivindicam o título de legenda mais antiga do país sem chegar a um acordo. O símbolo adotado pelos comunistas tanto do PCB quanto do PCdoB é o mesmo: uma foice e um martelo vermelhos e cruzados, que simbolizam a aliança entre camponeses e operários.
Durante a ditadura militar, as distinções entre os dois grupos se acentuaram. O PCdoB adotou a luta armada. O PCB, na época conhecido como Partidão, defendia o combate pacífico ao regime autoritário, por meio da mobilização popular e da aliança com setores democráticos das classes dominantes representados em outros partidos.
As divergências com os fundadores do PCdoB, no entanto, não foram as únicas a atingir o PCB. Em 1989, o partido passa por nova crise e sofre outra ruptura. Após o fim da União Soviética os comunistas começam a questionar por que as tentativas de implantação do comunismo fracassaram.
Dentro desse contexto, o partido se divide em dois grupos. Um deles, liderado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, queria fazer uma análise marxista sobre a crise do Leste europeu, mas sem abandonar o conceito de luta de classes.
O outro grupo, liderado pelo deputado federal Roberto Freire (PPS), que na época era senador pelo PCB, queria romper com os conceitos de revolução social para se juntar à "nova esquerda", encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e que pregava a social democracia. Dessa divisão surge o Partido Popular Socialista (PPS) fundado por Freire.
As outras esquerdas
O PV também é fruto de um debate ideológico internacional. No caso, o que levou ex-marxistas a encamparem uma nova linha de atuação política, na qual junta-se à luta pelos direitos dos trabalhadores a defesa de causas ambientais e do desenvolvimento sustentável. Esses militantes de esquerda admitem a presença de capitalistas, agricultores e outros segmentos no esforço para construir um novo modelo de desenvolvimento, sem os vícios destrutivos do capitalismo e do socialismo.
Já o PDT, o PSB e o PT se apresentam como uma resposta originalmente brasileira para as necessidades de transformação social do país. O primeiro, como herdeiro da tradição de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. O último, como resultado das lutas sindicais da década de 1980 e da aliança dos líderes que elas projetaram com profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos e médios empresários, trabalhadores rurais sem-terra e outros setores interessados em enfrentar as desigualdades sociais do país.
Tanto o PT, em maior grau, quanto o PDT, em menor, abrigaram em suas fileiras marxistas e ex-marxistas. Hoje, em ambos os partidos, a influência marxista em seu ideário e nas suas práticas está próxima de zero.
Quem pretende resgatar o pensamento marxista são o PSTU, o PCO (os dois de origem trotskista) e o Psol. "O que ruiu na União Soviética foi a sociedade estatal e não a coletiva. Nos textos de Marx se faz uma associação dos meios de produção, das riquezas, mas se mantém a liberdade", diz o sociólogo Ricardo Antunes, do Psol. "O complexo é descobrir como se fazer a transição entre o capitalismo e o comunismo no Brasil de hoje".
O sonho da revolução
Em comum, os partidos de esquerda defendem uma transformação profunda da sociedade, com o fim das diferenças de oportunidades entre ricos e pobres. A maneira como essa revolução social deve ser feita é o grande ponto de divergência entre as correntes de esquerda.
Os partidos com inspiração marxista como o PCB e o PCdoB defendem o fim do capitalismo e a tomada do poder pelas massas. O Psol, o PSTU e o PCO também compartilham dessas idéias, embora o Psol tenha um perfil mais plural enquanto as outras duas legendas são fiéis ao legado trotskista. Elas priorizam a luta contra a burocracia estatal para que as decisões sejam tomadas em conjunto pela sociedade.
"As idéias de Marx foram feitas pensando no século XIX e houve uma grande mudança nos meios de produção, principalmente com a chegada da informática. Embora a essência do que disse Marx não mude, não temos referência para trabalho, lazer e cultura, por isso há tantas correntes", explica o historiador e arquiteto Frank Svensson.
Outros partidos como o PDT, o PPS, o PSB e o PT buscam uma espécie de meio-termo entre capitalismo e comunismo. "Não queremos tirar nada de ninguém. Só não desejamos que haja tantos miseráveis", diz o presidente do PDT, Carlos Lupi. "A nossa visão é de que é necessário ter uma sociedade mais justa", completa ele.
Na opinião do primeiro-secretário do PPS, o professor de administração Francisco Almeida, as diferenças entre direita e esquerda estão "caducando" e já não fazem tanto sentido no cenário atual, embora ainda seja possível perceber onde está o foco da luta dos partidos.
"A principal diferença é a defesa da liberdade, na direita, e a defesa pela igualdade de direitos, na esquerda. O liberal tem preocupação com a liberdade única e exclusivamente, mas esquece que, sem que haja oportunidades iguais para todos, a liberdade é cerceada. Por outro lado quem luta pela igualdade de direitos, esquece que não adianta ter igualdade em um mundo opressor", destaca. Para Almeida, os dois lados ainda são estreitos em seus posicionamentos, pois se baseiam na luta de classes.