Fábio Flora *
Carnaval é a festa do troca-troca. O rei vira plebeu e o plebeu vira rei. Luxo e lixo cabem na mesma lata. Brega é chique e chique é brega. Cara e coroa são as duas faces do mesmo vintém. Tamborins soam e suam like violinos. Macho é igual a fêmea que é igual a macho que é igual a purpurina. O santo cede o altar pro sacana. A desordem veste a farda da lei. O delírio assume a fantasia da realidade.
Esse clima de inversão dos papéis bem que podia transbordar para o ano inteiro. Porque tem sido difícil suportar a ordem imposta pelos dias sem folia.
Os bancos vivem numa eterna terça gorda – batucando recordes de lucros – e o povo paga a conta da crise com os poucos confetes que tem. Vinte e um bilhões surrupiados de uma estatal ganham muito mais espaço nas passarelas midiáticas do que 420 bilhões de impostos sonegados (só em 2015). A mesma Justiça que intima a depor quem desfila por aí com barquinho de cinco mil reais – comprado com nota fiscal no próprio nome – rejeita denúncia do Ministério Público contra passista da Seleção que teria driblado a Receita em milhões. Enquanto isso, certa primeira-dama usa mais vezes as alegorias voadoras do estado do que todos os secretários do marido juntos – só que não é destaque no bloco das manchetes; vem no chão das notinhas mesmo, quase anônima.
Diga, espelho meu, se não há na avenida país mais @#$%& que o meu.
Agora vejam esta maravilha de cenário: Momos em todo o território nacional engolem as chaves das cidades e viram a velha guarda política de cabeça para baixo. O quesito lucros-e-dividendos volta a ser tributado (o que não acontece desde a metade dos anos noventa, quando o mestre-sala FHC os isentou de taxação). Com o aumento da arrecadação, as alas da comunidade e da classe média têm os impostos reduzidos. Sobra até algum pro abadá. Não só a corrupção, como a sonegação se torna de fato alvo dos repiques dos jurados; o dindim recuperado é destinado sem adereços à saúde e à educação. Até aquela primeira-dama resolve sambear pelas ciclovias com sua bike.
Sonhar não custa nada.
Pelo menos enquanto Momozão comanda os desmandos. Ouvi dizer que os cunhas só estão esperando a quarta de cinzas para votar a criação da CPMS: a Contribuição Provisória sobre a Movimentação dos Sonhos. A proposta é pura distopia, já que prevê um mesmo percentual para quem recebe meia cuíca (e sonha com um finde em Paquetá) ou mil (e sonha com um mês em Paris). Minha opinião: a tributação deveria ser mais pesada sobre os contribuintes com maior capacidade financeira e onírica.
Olha a justiça fiscal aí, gente.
À parte um enredo tão kafkiano quanto esse, já se garantiria um dez em evolução se Dona Globeleza abrisse alas para uma discreta desordem em sua grade e transmitisse – da primeira à última escola – os desfiles na Sapucaí. Pode apostar que corações e agremiações de todas as cores explodiriam na maior felicidade.
* Cronista residente no Rio de Janeiro, Fábio Flora mantém o blog Pasmatório e perfil no Twitter.
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