Marcelo Furtado* |
Em 12 de Novembro de 2004 (1), o governo brasileiro enviou nota à embaixada da Alemanha na qual aceitava a proposta feita pelo governo alemão de substituição do Acordo de Cooperação Nuclear por um novo, nas áreas das energias renováveis e da conservação de eletricidade. Estabelecido durante a ditadura militar (1975), o acordo Brasil-Alemanha, como ficou conhecido, chegou a representar cerca de um terço da nossa dívida externa no início dos anos 80. O único resultado concreto desse acordo, a usina nuclear Angra 2, gera menos de 2 % de toda a eletricidade atualmente produzida no país, apesar de ter consumido cerca de 14 bilhões de dólares para ser concluída. Em 5 de novembro último, o governo alemão enviou ao Itamaraty um comunicado oficial (2) propondo “com insistência” a substituição do Acordo Nuclear Brasil–Alemanha, de 1975, por um novo na área de energia, com especial ênfase nas energias renováveis e na conservação de energia. Segundo a nota oficial, o governo alemão afirmava que o acordo nuclear vigente estaria “obsoleto” e solicitava que uma nova negociação fosse iniciada imediatamente. Apesar do grande número de notas na imprensa alemã repercutindo a notícia, na imprensa brasileira o silêncio foi quase total. Entre as poucas referências na mídia, houve uma matéria desmentindo o envio da nota alemã ao governo brasileiro. O Greenpeace consultou fontes governamentais no dia 9 de novembro, que alegaram total desconhecimento da proposta alemã. Segundo estas fontes, até mesmo quadros do Itamaraty estariam negando a existência de tal comunicado. No dia 10 de novembro fomos informados de que o Ministério de Relações Exteriores teria reconhecido a existência da solicitação do governo alemão e estaria respondendo à consulta oportunamente. Ficava no ar a grande questão: o que é oportuno para o Brasil? Porque tanto silêncio sobre uma proposta tão razoável? No dia 12 saiu a resposta ao governo alemão. Com a resposta positiva por parte do Brasil está aberta uma grande oportunidade para o país. Com este novo acordo poderemos promover políticas energéticas sustentáveis e até exportar tecnologias para geração de energias limpas. O novo acordo na área de energia proposto pela Alemanha deverá promover as competências de cada país como, por exemplo, a eficiência energética e o uso e desenvolvimento de tecnologias que garantam uma redução das emissões de carbono na atmosfera, como previsto no Protocolo de Kyoto, que entrará em vigor nos próximos 90 dias (3). Este novo acordo poderá contribuir para o fortalecimento de iniciativas nacionais de fomento às energias renováveis (PROINFA), de eficiência energética (PROCEL), (4) assim como poderá ser uma oportunidade para o Brasil exportar sua tecnologia de produção de biocombustíveis à base de biomassa como babaçu, mamona, cana-de-açúcar, entre outros. A nota alemã foi simplesmente uma forma diplomática de solicitar o cancelamento do acordo nuclear com o Brasil e de indicar que este acordo, feito há trinta anos, é o legado de uma política ultrapassada. Ao mesmo tempo, o governo alemão indica seu forte compromisso pela manutenção de uma relação política e comercial na área de energia com o país. Tanto a Alemanha quanto o Brasil têm publicamente verbalizado seu interesse por um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, portanto, este é um momento crítico para muita diplomacia entre esses países. Este deverá ser o principal tema da reunião, em Brasília, do presidente Lula com o ministro das Relações Exteriores da Alemanha Joschka Fischer no dia 18 de novembro próximo. Coincidência ou não, o governo brasileiro teria que se manifestar sobre a proposta alemã até o dia 18 de novembro, quando venceria o prazo para o cancelamento do acordo nuclear. Caso não houvesse uma manifestação positiva por parte do Brasil, o acordo poderia ser considerado automaticamente renovado. O rompimento do acordo nuclear com a Alemanha indica o fim da aventura nuclear brasileira? Não é o que parece. As recentes declarações do ministro Eduardo Campos, de Ciência e Tecnologia, promovendo novas usinas e a retomada de projetos nucleares militares corroboram as declarações do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Jorge Armado Félix, veiculadas pela Folha de São Paulo em 14 de novembro, em que afirma categoricamente que a aprovação da construção da usina nuclear de Angra 3 “está para sair”. Tais declarações indicam que o Brasil poderá estar caminhando na contramão do desenvolvimento sustentável e que o governo Lula está disposto a hipotecar nosso futuro ambiental e econômico. A tecnologia nuclear é financeiramente inviável e não existe solução para o seu lixo radioativo, apresentando um grande risco à população e ao meio ambiente. Segundo pesquisa Iser/Greenpeace de maio deste ano (5), mais de 80% dos brasileiros são contra a construção de usinas nucleares no Brasil, acreditando que o país pode se desenvolver usando fontes de energia mais limpas, baratas e seguras. A maioria da população brasileira espera que este governo deixe a aventura nuclear da época da ditadura militar no passado. * Marcelo Furtado é coordenador de campanhas do Greenpeace Brasil, (11) 3035-1165 ou mfurtado@dialb.greenpeace.org Notas: (1) Texto original da nota do Itamaraty para a Embaixada da Alemanha está disponível em: www.greenpeace.org.br (2) Texto original da nota oficial enviada ao Governo Brasileiro em alemão e uma tradução (não oficial) estão disponíveis em: http://www.greenpeace.org.br/. (3) Protocolo de Kyoto é parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática http://unfccc.int (4) Proinfa é o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica www.mme.gov.br/Proinfa. O PROCEL é o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica www.eletrobras.com/procel ambos administrados pelo Ministério de Minas e Energia. (5) Pesquisa realizada pelo Iser (Instituto de Estudos da Religião), em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Recife e Belém, com 2.300 entrevistados, nos meses de maio e junho deste ano. Os textos para esta seção devem ser enviados, com no máximo 4.000 caracteres e a identificação do autor (profissão e formação acadêmica), para congressoemfoco@congressoemfoco.com.br |