O ano de 2021 começou quente no Congresso Nacional, com as candidaturas para a eleição da presidência da Câmara e do Senado na ordem do dia, acompanhadas por múltiplas análises sobre as estratégias políticas e impacto no próximo ciclo eleitoral, em 2022. Mas me parece que há mais a acompanhar na própria política e que estamos estafados do último ano – não sem razão.
As mulheres e os negros fizeram uma aposta alta (e necessária) no ano passado em relação à eleição de novos quadros para as casas legislativas municipais e prefeituras. E, embora os resultados não sejam quantitativamente os mais animadores, houve o que ser celebrado: a votação expressiva de candidatas negras em diversas capitais. Contudo, há um saldo político do debate feito ao longo das eleições que precisa ser resgatado. E é disso que trataremos.
Assim como a pandemia do coronavírus não acabou, pelo contrário, segue se alastrando desenfreadamente, com novas cepas em circulação, leitos lotados e absoluta falta de planejamento, acompanhamos também o primeiro ano para novos e antigos vereadores, que tem por perfil médio serem homens, brancos, com até 50 de idade e que são servidores públicos.
O cenário de tensão que acompanhamos tem por tom o amarelo saturado do filme “Faça a coisa certa”, do diretor estadunidense Spike Lee: dias quentes, já insuflados por múltiplas agressões e pela constante sensação de um ar pesado. A impressão é que no próximo “breaking news” desabaremos diante da tragédia permanentemente anunciada. Mas a realidade é que ainda estamos de algum modo de pé, pressionando através da nossa existência por um amanhã diferente.
O ponto é que o amanhã chegou. Estamos nele, com o saldo do intenso e exaustivo debate das últimas eleições. E já que resistimos até aqui, o que esperamos desse novo ano na política local? O que queremos dos novos empossados nas prefeituras e câmaras municipais?
Em 2021 os prefeitos e prefeitas em primeiro mandato concentram mais da metade das prefeituras (61%). Por outro lado, a composição das Câmaras Municipais não foi tão alterada. Ainda assim, mesmo diante de uma mudança pouco expressiva no número de novas vereadoras (de 13,2% para 16%) e de vereadores negros (de 42% para 44%), sem dúvida a centralidade do debate acerca da diversidade na política seguiu escancarando que não se trata apenas de representação, mas de programa de enfrentamento às desigualdades e violências estruturais.
PublicidadeA pandemia do coronavírus, desde a primeira vítima noticiada da covid-19 no Brasil – uma mulher negra e empregada doméstica, vem apresentando em números quem são os mais afetados, desproporcionalmente, pela pandemia em todas as esferas da vida: saúde, acesso à renda, acesso à moradia, alimentação, segurança, cultura etc. Assim, há que se registrar que não faltam evidências sobre quais programas políticos se fazem urgentes e, de modo mais perene, indispensáveis, se quisermos voltar a viver (não apenas a sobreviver)
Assim, meio em farrapos, encontramos uma das principais tarefas de 2021, para além de sobreviver: reinserir a pressão política na ordem do dia!
Há muito o que ser feito e parte dessas ações se materializam através dos municípios, na política local. Serão as prefeituras os entes responsáveis por aplicar as vacinas (quando chegarem), enquanto caberá às casas legislativas a fiscalização sobre a gestão das unidades de atenção básica de saúde. As unidades de atenção básica de saúde também são a porta de acesso ao SUS e é por meio delas que os testes (quando não estão vencidos) são realizados.
É de competência do Executivo Municipal também o suporte às crianças e famílias durante a primeira infância, bem como caberá ao Legislativo acompanhar se e como essas ações estão sendo implementadas, diante das indispensáveis medidas de biossegurança para proteção de toda comunidade escolar.
Acompanhar a política municipal no ano “um” é a oportunidade de exercer o “mandato” que é rotineiramente cerceado aos cidadãos: a fiscalização, o usufruto, a responsabilidade e a cobrança pelo avanço de políticas públicas de ampliação de direitos.
E por onde começar? Primeiro, conhecendo quem são os vereadores e vereadoras eleitos e empossados, suas principais pautas e seus contatos institucionais. Esses mandatários devem estar a serviço da coletividade, e por todos os seus atos, iniciativas legislativas, morosidade ou ausência de fiscalização das ações do Executivo, devem ser cobrados.
E no Executivo? Conhecendo a composição das secretarias e atuação dos secretários e secretárias. As secretarias são os braços gestores do Executivo. É a partir delas que as ações das principais pastas municipais se materializaram. Contudo, já adianto que por todo Brasil a composição das secretarias segue o espelho do político médio nacional, com uma pequena variação na idade do homem branco que ocupa o cargo e quando mulher, ora veja, falamos de mulheres brancas, vide o caso exemplar da cidade de Recife.
Vivemos um momento histórico que nos empurra ao limite, e no qual a negação da política como espaço para os cidadãos em ano pós eleitoral é uma das estratégias de esgotamento e crença no tal do amanhã, de que podemos ver e cobrar por mudanças. Mas assim como em “Faça a coisa certa”, o célebre filme do Spike Lee acima citado, a saturação se dá quando a violência cotidiana nos esgota, gerando mais mortes e silenciamentos. Se o público é de todos, que façamos a coisa certa e que o público seja “redistribuído” para a maioria.
Acompanhar as políticas municipais, cobrar, denunciar se possível, estar atento às microagressões que a falta de acesso à saúde, escola, segurança e alimentação provocam, nos recoloca na obrigação de fazer deste ano mais político que 2020.
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