Soraia Costa
O professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador das relações entre a mídia e política Venício de Lima publicou recentemente um livro no qual se dedica a investigar como foi a cobertura dos veículos de comunicação durante a crise política do mensalão. Na publicação, intitulada Mídia: crise política e poder no Brasil, o pesquisador cita diversos exemplos para embasar sua teoria de que a mídia está trabalhando com a "presunção da culpa". Ou seja: antes mesmo de obter provas concretas contra determinada pessoa, faz insinuações de que a pessoa é culpada.
O professor diz que ainda não fez uma análise específica sobre a crise do dossiê, mas suspeita que o tratamento da imprensa agora é semelhante ao escândalo anterior, investigado pela CPI dos Correios, que, no seu entender, não foi capaz de comprovar a existência do mensalão. "O que está acontecendo agora não é novidade. Desde que começou a cobertura desse escândalo dos sanguessugas, a grande mídia optou por se afastar do julgamento jurídico, no qual a pessoa é inocente até que se prove o contrário. A mídia resolveu punir os acusados como se fossem culpados", acredita Venício.
O professor conta que chegou a ler um editorial em agosto no qual o jornal dizia que "o julgamento político e ético não podia ser confundido com o veredito da Justiça": "Isso é emblemático. No caso dos dossiês, os jornais não se dão ao trabalho de esclarecer quais os crimes que estão sendo cometidos. Não está claro na cobertura quais são esses crimes e quem está sendo acusado. Mas, independentemente disso, os acusados já foram condenados pela imprensa", exemplifica o pesquisador.
"Não tem tipificação de crime, mas tem julgamento das pessoas suspeitas do eventual crime. A acusação está na construção da narrativa e em ressaltar certos aspectos", esclarece Venício.
O pesquisador defende que haja observação permanente da mídia e que a sociedade cobre de acordo com os critérios estabelecidos pela própria imprensa como ideais. "Sabemos que a objetividade não existe, mas é preciso ouvir os dois lados, ser equilibrado e buscar o máximo de dados. Além disso, a opinião da empresa deve aparecer nos editoriais", pondera.
Caso Santo André
Para explicar como seria, em sua opinião, uma cobertura jornalística a ser seguida, Venício cita o exemplo das matérias publicadas sobre a morte do médico-legista Carlos Delmonte Printes, responsável pela perícia no corpo do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel.
"Carlos Printes apareceu morto em sua casa, deixou cartas e havia todos os indícios de que teria cometido suicídio. No entanto, a imprensa quase como um todo procurou induzir à suspeita de que ele teria sido assassinado. A idéia era vincular os responsáveis pela morte do legista aos assassinos de Celso Daniel. A Folha de S. Paulo foi a única a mencionar que, apesar da morte suspeita, tudo apontava para o suicídio. Quando saiu o laudo conclusivo, em março deste ano, dizendo que de fato Carlos Printes tinha se matado, apenas três jornais deram a notícia. Ou seja, a maior parte da mídia passou meses levantando uma suspeita que não se confirmou e depois não se deu ao trabalho sequer de mostrar o desfecho do caso", afirma.
O pesquisador explica que a dúvida entre o que realmente aconteceu e a versão oficial apresentada é legítima. "Desde que se mostre que tudo indica para outro caminho, como fez a Folha de S. Paulo, que nesse caso foi o único jornal a mostrar os dois lados".
Opinião pública x imprensa
Outro ponto levantado pelo pesquisador é o "descolamento" entre a opinião pública e o posicionamento da imprensa. Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, na última terça-feira (26), Venício afirma que "de forma implícita ou explícita, editoriais, colunas e os ‘enquadramentos’ predominantes na cobertura da grande mídia não deixam dúvida sobre sua posição política", mas que, no entanto, "a maioria da população brasileira, a se levar em conta o que hoje indicam as pesquisas, insiste em contrariar os ‘formadores de opinião’, pelo menos no que se refere à avaliação do atual governo e à reeleição do presidente Lula" (leia íntegra do artigo).
"Já há muito tempo tenho escrito sobre o descolamento dos editoriais, da opinião e do enquadramento da mídia e a opinião da maioria da população com relação a Lula. Mas acho que isso vai além da mídia e envolve problemas de governo, de país e de quem está dentro do poder", diz Venício. "Muitos especialistas teimam em aceitar que a opinião da maioria é a que está sendo feita. Isso chega a ser antidemocrático. Querem convencer o povo de que a opinião de uma minoria é a certa", completa.
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