Celso Lungaretti*
Quando 1968 começou, ninguém esperava que viesse a ser um ano transcendental.
Havia a intervenção estadunidense no Vietnã, uma lengalenga que já durava três anos e meio, sem receber grande destaque na imprensa mundial. Acreditava-se que a superioridade bélica dos EUA evitaria indefinidamente a tomada do Vietnã do Sul pelos vietcongs e a reunificação do país.
Então, como os norte-americanos não se dispunham a levar a guerra para o território do Vietnã do Norte, a perspectiva era de que o conflito continuasse uma tediosa seqüência de escaramuças, até o impasse militar levar os contendores à mesa de negociações.
Aí, em 30 de janeiro de 1968, os vietcongs lançaram sua inacreditável Ofensiva do Tet, atacando de uma só vez 36 cidades do Vietnã do Sul, inclusive a capital Saigon. Pior: chegaram a ocupar temporariamente a própria embaixada norte-americana.
Pagando o pesado preço de 33 mil baixas, os vietcongs conseguiram uma notável vitória política.
No mundo inteiro, a intromissão dos EUA nos assuntos internos de uma remota nação asiática era malvista, mas aceita resignadamente como uma reiteração da “lei do mais forte”. Quando os vietcongs demonstraram que Golias poderia, sim, ser derrotado, deram uma poderosa injeção de ânimo nos acomodados.
A partir daí, os melhores seres humanos, em todos os continentes, iriam se mobilizar cada vez mais intensamente para que a justiça prevalecesse. A queima de bandeiras estadunidenses nas manifestações de protesto no exterior viria somar-se à queima das convocações militares por parte de jovens norte-americanos que se recusavam a participar de uma guerra impopular.
Corações e mentes acabariam sendo mais decisivos do que as armas. E foi no início de 1968, sem que ninguém esperasse, que essa guinada memorável começou.
Da mesma forma, foi no início do ano letivo de 1968, sem que ninguém esperasse, que a polícia da ditadura atacou barbaramente um restaurante para estudantes carentes no Rio de Janeiro, acabando por matar a tiro um secundarista de apenas 16 anos, Edson Souto.
O movimento estudantil brasileiro, que tinha sido praticamente extinto pela repressão em 1964, já tentara renascer nas chamadas setembradas de 1967, mas a violência dos usurpadores do poder novamente havia prevalecido. Em março de 1968, no entanto, os estudantes voltaram às ruas para ficar, marcando fortemente sua presença ao longo de todo o ano.
Quatro décadas depois, 2008 também começa sem que ninguém, em sã consciência, tenha motivos para sonhar com a volta do idealismo à política e à sociedade.
No entanto, a intervenção militar no Iraque começa a ser tão desastrosa para os EUA, externa e internamente, quanto o foi a do Vietnã.
No entanto, a onda de ocupações de reitorias no semestre passado é um indício de que o movimento estudantil brasileiro começa a renascer – tanto quanto as setembradas de 40 anos atrás.
E há uma lição que a História várias vezes nos ensinou: a humanidade não agüenta viver indefinidamente sem esperança, solidariedade e compaixão.
O mundo se tornou um lugar muito ruim para se viver sob o neoliberalismo. Algo tem de mudar – e essa mudança poderá acontecer em 2008.
Lembrando o Caetano dos bons tempos: por que não?
Lembrando o Vandré dos bons tempos: quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
*Celso Lungaretti, 56 anos, é jornalista em São Paulo, com longa atuação em redações e na área de comunicação corporativa, e escritor. Escreveu Náufrago da utopia (Geração Editorial, 2005). Mais dele em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.
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