Há uma piada sobre o ex-presidente Lula que tem feito sucesso nos corredores do Congresso, mesmo entre integrantes do PT. Diz a piada que Lula discursava num comício para milhares de pessoas, quando aparece de repente Jesus Cristo baixando lentamente dos céus. Depois da comoção inicial da aparição, Jesus se aproxima de Lula e fala algo em seu ouvido. Lula, então, dirige-se à multidão:
“Atenção, companheirada! O companheiro Jesus Cristo aqui quer dizer umas palavras para vocês”.
Jesus pega o microfone e pergunta à multidão: “Povo brasileiro, este homem, que tem barba como eu, não foi da mesma forma capaz de multiplicar pães e peixes para dar de comer a todos, criando o Fome Zero e o Bolsa Família?”.
E o povo: “Sim!”. Jesus prosseguiu: “Assim como eu curei os enfermos, este homem não criou a Farmácia Popular e distribuiu remédio de graça para a população?”. E o povo, novamente: “Sim!”
“Assim como eu fui traído por Judas, não foi este homem traído por seus companheiros no episódio do mensalão?”, continuou Jesus. E outra vez o povo: “Sim!”. Ao que Jesus conclui: “E o que vocês estão esperando para crucificá-lo?”.
O sucesso da piada parte de uma impressão por alguns de que Lula, ao deixar seu governo, se não era Jesus, estava muito perto. Boa parte da população o enxergava como uma espécie de santo. E os demais políticos do PT, no mínimo como um mago. Um gênio infalível. Um Midas da política: se o rei da mitologia transformava em ouro tudo o que tocava, Lula transformava em votos todos os que ungia. Pegou Dilma Rousseff, que nunca tinha disputado sequer eleição de rainha da Primavera, e transformou em presidenta da República.
É possível que Lula ainda termine fazendo com que mordamos nossas línguas e concluindo todos os milagres políticos a que se propôs. Mas, até agora, o ano de 2012 tem servido para mostrar que Lula não é santo. Que, por não ser santo, não faz milagres. Que não é infalível. E que a conquista de votos por parte de um político envolve outras condições que vão além de um toque de Midas.
Por ter uma liderança incontestável dentro do PT, ninguém tem coragem de discutir, questionar ou não fazer exatamente o que Lula quer dentro do partido. E, agora, são vários aqueles que se veem enrolados, sem saber como desatar os nós provocados pelas vontades do ex-presidente nem como evitar que o partido acabe colecionando vexames em algumas das principais eleições que o país terá em outubro.
O maior deles pode ser a eleição em São Paulo. Ao tentar transformar o ex-ministro Fernando Haddad na sua Dilma de calças, Lula entregou um contêiner para o PT paulista carregar. Ninguém no partido entende por que Lula imaginava que o ex-ministro, marcado pelos rolos ocorridos em todas as provas do Enem, podia ser um bom candidato. Não pelo que o Enem pode representar em teoria como exame mais democrático para o acesso à universidade, mas pelo que vem sendo na prática – com fraudes, cancelamentos, etc. Mas, se era a vontade de Lula …
Ao desprezar, porém, suas pretensões, Lula despertou a rebeldia da senadora Marta Suplicy, que já deixou claro que não vai mover uma palha pelo contêiner que ele escolheu como candidato. Como só vai na boa, o pragmático PMDB tratou logo de deixar de lado a aposta de Lula e criar a sua. Ex-secretário de Educação de São Paulo, deputado eleito, Gabriel Chalita, a aposta peemedebista, parece bem mais consistente que a tacada de Lula. Para complicar o quadro ainda mais, José Serra e o PSDB, postos nas cordas, toparam o desafio da candidatura.
Sem o PMDB, Lula correu em busca de aliados. Julgou que o povo – ao crer na sua santidade – tudo lhe perdoaria. E foi beijar a mão logo do mais histórico adversário do PT em São Paulo, o deputado Paulo Maluf. Resultado: juntou outro contêiner ao que já tinha, e perdeu o apoio que lhe agregava votos e simpatia: Luiza Erundina como candidata a vice, e o seu PSB. Haddad agora corre desesperado em busca de um vice, e não encontra. Já há quem veja semelhança com a situação de Serra nas últimas eleições presidenciais, que acabou tendo como vice, aos 45 do segundo tempo, o desconhecido Índio da Costa, cuja trajetória lembra aquele verso de Chico Buarque: “Ele, assim como veio, partiu não se sabe pra onde”.
Em Recife, rolo igual. O PT deixou crescer sem controle a briga do prefeito João da Costa com o ex-prefeito João Paulo. Quando se deu conta, João da Costa já tinha o controle local do partido. Com o patrocínio de Lula, a direção nacional fez uma brusca intervenção no processo e impôs o senador Humberto Costa (PT) como candidato a prefeito. João da Costa não aceita a solução. O PT pernambucano não está pacificado. E, da mesma forma, o PSB, que era o parceiro buscado, pulou fora da confusão e vai ter candidato próprio. Em Fortaleza, também há problemas parecidos.
Enfim, se Lula não for capaz de dar um jeito de resolver os rolos políticos que criou, pode ser que a realidade termine mesmo como na piada acima. Será que aqueles que até então o idolatravam vão acabar por crucificá-lo?
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