O ator Pedro Cardoso, eternizado no personagem Agostinho Carrara, de “A Grande Família” (TV Globo), deixou o programa Sem Censura, que era exibido ao vivo na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) nesta quinta-feira (23), em protesto contra a postura do presidente da EBC, Laerte Rimoli, e em apoio à greve de funcionários do grupo. Na intervenção, o artista abordou também a questão do racismo, prática atribuída a Rimoli em postagens feitas pelo dirigente nas redes sociais (leia mais abaixo).
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“O que eu soube quando cheguei aqui é que o presidente desta empresa – que é uma empresa que pertence ao povo brasileiro – fez comentários extremamente inapropriados a respeito do que teria dito uma colega minha, que tem a presença do sangue africano visível na pele, porque o sangue africano está presente em todos nós e, em alguns de nós, está presente também na pele”, declarou o ator, que está no Brasil para lançar O livro dos títulos, de sua autoria (veja vídeo abaixo).
A colega em questão é a atriz negra Taís Araújo, que fez declarações sobre o racismo e foi ridicularizada por Laerte Rimoli nas redes sociais. Às vésperas do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, Taís foi uma das convidadas para palestra realizada no teatro TEDX, em São Paulo, no dia 6 de novembro, com o objetivo de debater o preconceito de raça e os problemas sociais dele decorrentes e enfrentados pelo povo negro. Com o mote “Mulheres que Inspiram”, o evento serviu para que personalidades dialogassem com o público sobre o assunto, e a atriz relatou a dificuldade que enfrenta com seus dois filhos negros.
“A cor do meu filho faz com que as pessoas mudem de calçada”, revelou a atriz.
Laerte Rimoli foi às redes ridicularizar o comentário de Taís, casada com outro ator negro e referência no combate ao racismo no Brasil, Lázaro Ramos. No último domingo (19), compartilhou postagens como a que exibe um homem ao lado de um avião, ambos em queda livre. “Passageiro pula de avião ao constatar que Taís Araújo estava a bordo”, diz a legenda do meme (foto/ilustração e texto que costumam viralizar na internet).
Veja no vídeo:
Em outros registros, Rimoli posta imagens no Facebook com humor duvidoso. Entre elas a que exibe uma criança branca correndo em imagem que se sobrepõe à foto de Taís com seu filho, acompanhada do seguinte texto: “Quando você percebe que é o filho de Taís Araújo na calçada”.
Em apoio à atriz e em protesto contra Rimoli, artistas, jornalistas e até parlamentares passaram a se manifestar, e não só nas redes. No protesto de Pedro Cardoso, fica clara também a revolta do ator com o contexto político e o fato de o jornalista ter aceitado compor o governo Michel Temer, repleto de investigados na Operação Lava Jato, a exemplo do próprio Temer, e acusado de patrocinar políticas excludentes e retrógradas, de desrespeito às minorias.
“Eu, diante deste governo que está governando o Brasil, eu tenho muita convicção de que as pessoas que estão fazendo esta greve provavelmente estão cobertas de razão”, acrescentou o ator, que não foi interrompido em sua fala e recebeu os cumprimentos da apresentadora Katy Navarro, uma das substitutas de Leda Nagle no comando do programa.
Outro lado
Por meio de nota (veja abaixo), a EBC diz que o fato de o ator ter podido falar ao vivo “é a prova viva” de que a empresa de veículo é “plural” e “democrática”. No entanto, segundo relatos de jornalistas da própria empresa, são muitas as restrições impostas pela cúpula da EBC ao noticiário, principalmente no que diz respeito ao conteúdo sobre Temer, denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça.
Profissionais da EBC fazem greve desde 14 de novembro nas praças de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Entre as reivindicações, a revisão de decisões como congelamento de salários e extinção de benefícios como cesta-alimentação, segundo o Sindicato de Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.
Apuração do portal UOL diz que diversos programas da empresa passaram a ser gravados com antecedência, antes da veiculação, de maneira a evitar protestos e declarações contra Temer ao vivo – como o “Fora Temer” que ganhou as transmissões ao vivo em todas as emissoras, inclusive TV Brasil, da EBC. É justamente a greve que tem imposto a exibição dos programas ao vivo, como o Sem Censura.
Leia o que disse Pedro Cardoso ao vivo:
“Peço desculpas, mas não vou responder a essa pergunta e nem a nenhuma outra. Porque, quando eu cheguei aqui, hoje, encontrei uma empresa que está em greve. E eu não participo de programas de empresas que estão em greve. Eu vim sentar aqui porque, além da greve – que não me cabe julgar, não conheço a negociação, não estou a par, também não me cabe emitir opinião a respeito de quem está fazendo a greve ou de quem está, aqui, trabalhando; cabe a mim o maior respeito a todos vocês, aos que estão parados, aos que estão trabalhando e aos que estão aqui –, mas eu, diante deste governo que está governando o Brasil, eu tenho muita convicção de que as pessoas que estão fazendo esta greve provavelmente estão cobertas de razão. Então, não vou falar do assunto que vim aqui falar e de nenhum outro. E o que eu soube, também, quando cheguei aqui, é que o presidente desta empresa – que é uma empresa que pertence ao povo brasileiro – fez comentários extremamente inapropriados a respeito do que teria dito uma colega minha, que tem a presença do sangue africano visível na pele, porque o sangue africano está presente em todos nós e, em alguns de nós, está presente também na pele. Mas em todos nós ele está. Então, se esta empresa, que é a casa do povo brasileiro, tem na presidência uma pessoa que fala contra isso, eu não posso falar do assunto que eu vim falar aqui. Tenho imenso respeito por todos vocês que estão aqui, peço desculpas, porque eu vou me levantar em respeito aos grevistas.”
Leia a nota da EBC:
O ator Pedro Cardoso expressou-se livremente no programa Sem Censura nesta tarde. Esta postura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) é o resultado da diretriz jornalística e profissional implementada pela atual direção.
Nossa programação é a prova viva – e ao vivo – de que esta empresa de comunicação pública é plural, é democrática, acolhe a diversidade de opinião e respeita a lei, inclusive o direito de greve.
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