Congresso em Foco – Que tipo de herança é o fator previdenciário, criado em 1999?
Paulo Paim – Eu considero o fator previdenciário a lei mais perversa, no Brasil, do período pós-ditadura. Por quê? Ela traz um prejuízo direto só para os trabalhadores mais pobres, porque só pega o celetista. Não pega quem trabalha no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário – bem como não pega ministros e parlamentares. Para esses, o cálculo vem da seguinte forma: de 1994 para cá, pega-se as 80 maiores contribuições e paga [o valor sem a incidência do fator]. Já para o trabalhador celetista que ganha de um a cinco ou seis salários – porque ninguém chega a ganhar dez – , faz-se o mesmo cálculo e aplica-se o fator, que é o redutor. Leva-se em conta expectativa de vida, idade, tempo de contribuição – o que corta, no caso das mulheres, pela metade o salário delas, depois de o cálculo feito. Aliás, faz-se o cálculo igual para todo mundo. Só que, para o trabalhador celetista… O servidor público ganha 100, mas o celetista ganha cinquenta, na mesma função, mesma atividade, mesmo período, mesmo cálculo.
Uma matemática injusta…
É um redutor hediondo, no meu entendimento, um verdadeiro massacre contra o trabalhador. Um confisco imoral que pega os mais pobre. Por isso, já aprovei no Senado, em 2008, o projeto que acaba com esse fator e faz com que o cálculo desse benefício seja igual para todos – e não pegue somente o trabalhador da área urbana, o chamado celetista. Quem ganha o salário mínimo na área urbana ou no campo, esse o fator previdenciário não pega, porque o mínimo não pode ser reduzido. Mas, se pegasse, seria metade do mínimo.
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A própria fórmula do fator é de difícil compreensão para uma grande parte dos trabalhadores. Tecnocratas podem tê-la elaborado dessa maneira propositalmente, para dificultar o entendimento do trabalhador comum?
Com certeza absoluta. Foi pra ninguém entender o que estava acontecendo. Por isso, resumo tudo em um redutor que vai até 50% a menos do salário do trabalhador. Nessa fórmula do fator, faz-se um cálculo em que ninguém entendeu nada, e ainda se dizia que era para evitar as aposentadorias precoces. Em primeiro lugar, não evitou coisa nenhuma – o cara, vendo que não tem mais condição [de trabalhar], se aposenta mesmo, sob qualquer cálculo, e acaba tendo esse grande prejuízo em seus vencimentos. Quando o governo anterior fez essa enjambração, sabia muito bem o que estava fazendo. Eles perderam em uma votação, e queriam, naquela reforma [previdenciária iniciada em 1998], colocar no cálculo idade e tempo de contribuição. E nós derrubamos a idade, e então o governo inventou essa fórmula maldita, que prejudicou ainda mais o trabalhador. Mais do que [se o cálculo fosse] a própria idade. O trabalhador quer se aposentar e receber de acordo com que ele pagou.
PublicidadeOu seja, enquanto o trabalhador almeja vida longa e as devidas garantias previdenciárias ao se aposentar, a fórmula estabelece que a redução de benefícios será maior quanto maior for a expectativa de vida…
Eu diria que isso é um princípio que visa a fazer com que o trabalhador se aposente na hora de ir para o caixão. O trabalhador não sabe se vai morrer com 80, 70 ou com 60 anos. Mas, como a expectativa de vida aumentou, e com isso o contribuinte tem de trabalhar mais para ganhar um pouquinho mais, ele vai trabalhando, trabalhando, trabalhando… Qual é a maldade aí? Que a pessoa pague e não se aposente. E o dinheiro da Previdência acaba sendo usado para outros fins, como historicamente se faz nesse país. Quem está pagando a conta da dita crise – que aqui nunca chegou –, favorecendo o grande capital, é o dinheiro da Previdência.
Um dos problemas para avanços previdenciários é justamente a questão legislativa. Atualmente, como a presidenta Dilma Rousseff dispõe de uma base aliada confortável, pode negociar com tranquilidade e, assim, impedir a aprovação do fim do fator no Congresso. Como o senhor está reagindo a isso?
Infelizmente, a Câmara está assustada com a força do Palácio do Planalto. Está faltando coragem para votar, e acredito que isso é possível nós votarmos o fim do fator – ou, ao menos, construirmos uma alternativa mediante uma grande mobilização popular. Quem bom que as centrais soltaram uma mobilização nessa semana, fazendo uma dura crítica ao Executivo por terem pressionado os deputados para não votar a questão do fator. E eles querem votar o fim do fator. Os deputados, sentindo o amparo das ruas, da população… Se o rufar dos tambores nas ruas não for ouvido aqui dentro do Congresso, no Executivo ou no Judiciário, nada acontece. Só a partir da mobilização e da pressão que as centrais, as confederações, a Cobap [Confederação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil] poderão fazer é que os deputados terão coragem de votar. Até o momento, estão assustados.
O governo tem nas mãos o argumento das restrições orçamentárias, a falta de contrapartida para gastos extras…
A própria prática do governo depõe contra isso. Se a Previdência urbana tivesse algum tipo de déficit o governo não estaria dando de presente, para os empresários do setor da construção civil, a desoneração da folha – que, em um primeiro momento foi de R$ 7 bilhões, depois mais R$ 8 bilhões e, agora, mais R$ 3,5 bilhões. Ninguém tira dinheiro de onde não tem. Se eu abro mão de receitas, é porque eu sei que tudo está muito bem. Quer dizer: dinheiro para aposentado, não tem; dinheiro para abrir mão de receitas para o capital o governo tem. É o que o governo tem feito…
Por falar nisso, a Câmara aprovou ontem (quarta, 6) um pacote de projetos de lei que criam milhares de cargos e promove aumento do teto do funcionalismo…
O governo tem dinheiro para todas as áreas, só não tem para aposentados. Há uma certa discriminação em relação à pessoa idosa. Só esses [trabalhadores] não têm direito sequer a reajuste, e ainda tem um fator previdenciário que corta pela metade o seu salário. É uma injustiça enorme, por isso minha indignação e minha rebeldia, embora sendo da base do governo. Sou do princípio de que injustiça tem de ser combatida, e essa é uma grande injustiça, que não tem argumento nenhum. Como vão dizer que não tem dinheiro, se todo dia estão abrindo mão – ou para prefeituras, ou para empresários, para pagar menos sobre a folha [de pagamento]. Mais da metade do empresariado brasileiro já não paga nada para a Previdência, e o governo abriu mão da contribuição de 20%. O governo está abrindo mão da receita da Previdência, porque sabe que o regime geral da previdência urbana é muito superavitário. Então, se dá o direito de abrir mão, mas não quer assegurar para o trabalhador o princípio mínimo de cálculo da integralidade, sem dar um centavo de reajuste. Você abriria mão do teu salário?
O senhor não teme que o governo retalie contra a sua “rebeldia”?
Havíamos feito um acordo, com presidente Lula, em cima da fórmula 85/95, que é bem melhor que o fator – para o empresário e para o trabalhador. Se o presidente Lula concordou… Só não foi votado à época porque teve uma central que discordou. O Lula disse: “Ou vocês fazem o acordo de vocês, ou eu não aceito”. Se ele concordou e os deputados querem – e eu tenho certeza de que eles querem – e o Senado quer, por que não é votado? Estou respaldado, inclusive, na posição do ex-presidente da República.
Mas o senhor não teme, ou não quer evitar, tornar-se uma persona non grata no PT? Uma espécie de Pedro Simon, que é integrante do PMDB, mas com posições quase sempre divergentes em relação à orientação partidária, e por isso sempre desdenhado pelo partido?
Eu defendo princípios e causas, e não coisas. Tem gente que defende coisas, e aí eu não me enquadro. Eu sou do tempo de que o homem público tem de ser coerente. Defendi o fim do fator quando era oposição, e nós batíamos no fim do fator na era do governo anterior. Estou sendo coerente com o PT de raiz, como eu chamo. O PT de raiz sempre foi contra o fator, e eu tenho de certeza de que a base do PT toda é contra o fator. Então, estou fiel ao meu partido e às causas que sempre defendemos. E quero mais: uma política de reajustes para os aposentados. E eu propus que essa política seja de acordo com o crescimento da massa salarial do país, para não vincular ao PIB [Produto Interno Bruto], que já está ligada ao mínimo. Eu tenho lado nessa história, e meu lado é o movimento social – e isso está acima de disputas internas, ou de quem está na base do governo.
Nesse sentido, diante das mudanças programáticas do PT, o senhor enveredaria pelo caminho trilhado pelo Psol, que é uma dissidência de extrema esquerda petista? Não teme que o obriguem a isso?
Não. O PT, na sua base, que é o que importa, está me apoiando e muito nessa luta. Por todas as cidades em que passei, os petistas me perguntam: “E aí, Paim, vamos ou não vamos acabar com esse fator? E eu visitei centenas de cidades nessa campanha eleitoral [de outubro]. Eu ainda digo o seguinte: o governo é uma composição ampla, não é só o PT. Tem mais de dez partidos que compõem a base do governo. O movimento social, que é a base do partido, é contra o fator previdenciário. Então, estou coerente com meu partido de raiz e com o movimento social, que é quem coordena meu mandato.
Tem falado sobre isso com a presidenta Dilma?
Quando foi para votar o salário mínimo [deste ano], em uma política que ajudei a construir – inflação mais PIB –, falei com a presidenta. Estávamos eu, ela e o Gilberto Carvalho [secretário geral da Presidência]. Disse para ela: eu votarei, mas vou abrir o debate para garantir reajuste para os aposentados, e também para o fim do fator. Ela respondeu que era todo direito meu e disse para ver no que daria essa caminhada. Então, a presidenta sabia que eu ia fazer essa longa caminhada.
O senhor fala com ela de uma lado, e a equipe econômica fala de outro…
Com certeza, principalmente a equipe econômica. O próprio Ministério da Previdência sabe que estou com a razão, tenho dialogado muito com eles. Fui em uma palestra com um ministro Garibaldi Alves, que é um muito bom na fala, muito carismático, anima muito a plateia. Ele disse: “Paim, eu sei lá das tuas razões, também acho que este fator previdenciário é maldito. Mas manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Veio a ordem lá de cima, foi isso o que ele quis dizer. Respeito muito o ministro Garibaldi, como respeito os demais. Mas, para mim, o que o Ministério da Fazenda faz é um terrorismo descabido em relação à Previdência, e demonstra que não tem compromisso com os aposentados e pensionistas.
Mesmo que os senhores aprovem o fim do fator, a presidenta pode vetar o projeto.
Se quiser vetar, que vete. É direito dela, é democrático isso. Nosso papel é derrubar o veto. Não temos que ficar apenas criticando: o Executivo entendeu assim, o Congresso vai se posicionar. Se não for assim, qual a razão de ser do Congresso?
Há rumores de que o governo só aceita votar o fim do fator em 2014, ano eleitoral, e então a presidenta teria uma carta na manga ao sancionar uma lei tão popular – embora em circunstâncias questionáveis. Isso procede?
Eu te confesso que não tenho essa informação. E eu seria leviano de dizer isso sem ter essa informação. Seria um gol de placa, e a presidenta faturaria um monte.
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