Em meio a crise sugiro um caminho que busque encurtar a distância entre cidadão e poder público. Coloquei essa ideia no papel resultando no projeto de lei do Senado (PLS) da gestão compartilhada, que darei entrada na Casa nos próximos dias. O fiz com base em experiências que desenvolvi no Amapá, criando grupos virtuais de acompanhamento de gastos públicos.
Diria que esse projeto faz parte da minha busca incessante em tornar o Estado brasileiro mais transparente, suscetível ao controle social.
Lembro que, em 2003, ao apresentar o projeto de lei no Senado obrigando o Estado a expor suas receitas e despesas em tempo real, poucos acreditaram que pudesse ser aprovado, mas foi. Virou a Lei Complementar 131/2009, conhecida como Lei da Transparência. Agora, com o PLS da Gestão Compartilhada, pretendo dar um passo adiante e obrigar o Estado a se abrir ao exercício do controle social.Leia também
Dê uma olhada e, por favor, fique à vontade para críticas e sugestões. Um pouco mais de informação, sobre a prática da gestão compartilhada, pode ser encontrada na página do face: De Olho na Emenda/Conjunto Embrapa.
PLS Gestão Compartilhada
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2017
PublicidadeInstitui a gestão compartilhada, destinada ao acompanhamento orçamentário, financeiro e físico da execução de obras, da prestação de serviços públicos e de aquisições de materiais e equipamentos por grupos de cidadãos organizados em aplicativos agregadores disponíveis na internet ou na telefonia celular.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Capítulo I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1° Esta Lei dispõe acerca dos procedimentos de gestão compartilhada a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir, quanto à execução orçamentária, financeira e física de obras públicas, à prestação de serviços públicos e à aquisição de materiais e equipamentos, o acesso a informações previsto nos incisos XIV e XXXIII do art. 5º da Constituição Federal e nas Leis nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.
Art. 2º Subordinam-se ao regime desta Lei:
I – os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
II – as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Parágrafo único. As instituições designadas nos itens I e II são, doravante, tratadas nesta Lei sob a designação geral de ente público.
Art. 3º A gestão compartilhada consiste no acompanhamento orçamentário, financeiro e físico dos gastos públicos, tais como a execução de obras, prestação de serviços públicos e aquisições de materiais e equipamentos, por grupos virtuais formados por meio de aplicativos congregantes de indivíduos, disponíveis na internet ou na telefonia celular.
Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, consideram-se aplicativos congregantes aqueles capazes de fazer com que indivíduos expressem ideias ou exponham documentos, sob a forma de texto ou de imagem, que sejam recebidas por todos os indivíduos inscritos em um mesmo grupo mantido no âmbito do aplicativo.
Capítulo II
DA IMPLEMENTAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO
Art. 4º A qualquer cidadão é assegurado, nos termos desta Lei, o direito de acompanhar, por meio de grupos de gestão compartilhada, a execução de obras e a prestação de serviços públicos, bem como a aquisição de materiais e de equipamentos, devendo para tanto:
I – formar grupos de gestão compartilhada, por meio de aplicativos congregantes de indivíduos, que, uma vez cadastrados junto aos entes públicos citados no art. 2º desta Lei, habilitam-se a interagir e a trocar mensagens com as autoridades responsáveis sobre todas as fases do processo de execução orçamentária, financeira e física de obras, serviços e aquisição de materiais e equipamentos, zelando pela legalidade e razoabilidade da aplicação do recurso público.
§ 1º Para realizar o cadastramento, o grupo deverá apresentar regulamento próprio, que estabeleça:
a) os administradores do grupo;
b) o objeto do acompanhamento;
c) a obrigatoriedade de as comunicações se consolidarem de forma clara e não-contraditória e ocorrerem em termos corteses e civilizados;
d) penalidades para os membros que descumprirem o regulamento, devendo constar, obrigatoriamente, pena de desligamento definitivo do grupo em casos de reincidência;
e) o que mais houver o grupo de acordar entre si.
§ 2º O cadastramento e demais procedimentos afins deverão ser realizados exclusivamente pela internet, por meio da ferramenta definida no art. 5º desta Lei.
§ 3º Para a efetivação do cadastro, cada componente individual do grupo se obriga a fornecer seu nome completo, número do título de eleitor, endereço eletrônico e/ou número de telefone.
§ 4° O regulamento próprio deverá ser aceito pelos integrantes do grupo e por cada novo membro incluso.
§ 5º No prazo de trinta dias após o término da obra, da conclusão da prestação de serviços ou da entrega dos materiais e equipamentos adquiridos, o grupo deverá inserir, no âmbito da ferramenta definida no art. 5º desta Lei, relatório de suas atividades de acompanhamento, de que constem suas conclusões quanto à consecução das metas objeto de acompanhamento e sugestões para o aprimoramento das atividades da administração pública.
§ 6º A suspensão da validação do cadastro nos termos do inciso III do art. 8º desta Lei, bem como a dissolução voluntária do grupo, acarretará a validação do cadastramento de grupo não validado anteriormente por exceder o limite previsto no § 2 do art. 5 desta Lei.
Art. 5º Os entes públicos mencionados no art. 2º desta Lei se obrigam a criar ferramenta específica, na página de apresentação de seus portais institucionais, denominada gestão compartilhada, para cadastramento dos grupos virtuais.
§ 1º O ente público validará o cadastramento do grupo no prazo máximo de três dias úteis, ou, no mesmo prazo, decidir-se, fundamentando sua decisão, pelo indeferimento do pedido.
§ 2º Cada ente público responsável deverá validar até dois grupos, para a gestão compartilhada da execução orçamentária, financeira e física do objeto especificado no regulamento próprio apresentado ao ente público.
§ 3º Havendo o cadastramento de mais de dois grupos de gestão compartilhada para o acompanhamento do mesmo objeto, a administração validará os dois grupos que evidenciarem as seguintes qualificações:
a) morador, trabalhador ou empresário da região afetada pelo objeto da gestão compartilhada;
b) usuário do serviço objeto da gestão compartilhada;
c) interessado direto, por razões profissionais, nos equipamentos e materiais cuja aquisição é objeto de gestão compartilhada;
d) profissional habilitado, portador de diploma ou outro título que evidencie, de modo cabal, seu conhecimento técnico ou especializado acerca do objeto da gestão compartilhada;
e) ter efetuado primeiro o cadastramento.
Art. 6º Cabe aos entes públicos responsáveis pela realização da obra, prestação de serviço, aquisição de materiais ou equipamentos indicar, no prazo de três dias úteis após a validação do cadastro do grupo virtual:
I – um representante da Administração Pública, a ser incluído no grupo para prestar as informações pertinentes;
II – um representante de cada empresa contratada para execução da obra, prestação do serviço, aquisição de materiais e equipamentos, a ser incluído no grupo para prestar as informações pertinentes.
Art. 7º As autoridades responsáveis, públicas ou privadas, adicionadas aos grupos de gestão compartilhada se obrigarão a, no prazo máximo de sete dias úteis, atender toda demanda de informação que seus membros julguem pertinente para inteirar-se da execução da obra, serviço, aquisição de materiais e equipamentos, salvo:
I – quando se encontrarem em local isolado, sem acesso à telefonia ou à internet, e apresentarem justificativa razoável para tal condição;
II – quando o pedido de esclarecimento não estiver relacionado ao objeto do grupo, for descabido, repetido, formulado fora dos termos do regulamento ou de forma ofensiva ao representante do ente público ou da empresa contratada.
Capítulo III
DAS PENALIDADES
Art. 8° O grupo que deixar de observar o disposto nesta Lei, trouxer informação ou questionamento que não esteja razoavelmente relacionada ao objeto de seu acompanhamento ou o fizer de modo descortês ou agressivo estará sujeito a:
I – advertência;
II – em caso de reincidência, notificação ao grupo para que aplique seu regulamento ao membro que não observe as boas práticas da atividade de gestão compartilhada;
III – em caso de recusa do grupo em aplicar seu regulamento, suspensão, fundamentada, da validação do cadastro pelo ente público referido no art. 2º desta Lei.
Art. 9º O agente público participante de grupos de gestão compartilhada que deixar de observar o disposto nesta Lei estará sujeito às seguintes sanções, além das previstas no seu respectivo estatuto:
I – advertência;
II – destituição da função de representante da Administração responsável por prestar as informações.
Art. 10. A empresa contratada para execução de obra, prestação de serviço, aquisição de materiais e equipamentos que descumprir o disposto no parágrafo único do art. 6º e nos arts. 7º e 9º desta Lei, estará sujeita à aplicação das seguintes sanções:
I – advertência;
II – substituição do representante da empresa;
III – multa de até cinco por cento do valor do contrato objeto de gestão compartilhada;
IV – rescisão unilateral do contrato com o poder público;
V – suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração pública por prazo não superior a 2 (dois) anos.
Art. 11. Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.
JUSTIFICAÇÃO
Com a entrada em vigor da Constituição de 1988, inicia-se no País uma era de intensa transformação social, cujo espírito é o da democracia e da participação. Cada vez mais, a cidadania tem-se interessado por temas que, em verdade, sempre foram seus – mas ela não sabia disso. Os novos processos políticos fizeram nascer uma geração igualmente nova, que vê de modo bastante diferente, se compararmos com o passado de até vinte ou trinta anos atrás, a atividade política e estatal.
Nos dias de hoje, a cidadania vê e sente como suas essas atividades e as finalidades que elas buscam. Finalmente, estão presentes as condições culturais, isto é, as crenças e os sentimentos conformes às práticas políticas e ao governo democrático, isto é, aquele que não apenas é exercido em nome do povo, mas também pelo próprio povo.
Juntam-se a tais condições culturais e políticas a presença de condições tecnológicas. A velocidade, a segurança, o alcance e a disseminação de meios de comunicação rápidos, baratos, de uso intuitivo e individualizados fornecem as condições técnicas ideais para que a enorme demanda de participação popular no Brasil hodierno possa não apenas ser satisfeita, mas também ser convertida em instrumento de aumento da eficiência estatal na prestação de serviços.
Se tivermos em mente que o resultado final da atividade política toma a forma das decisões sobre o emprego dos recursos públicos por meio da execução do orçamento, estaremos perante os fatores da equação que pretendemos resolver: forte e sadio interesse de participação popular, por um lado, e meios disponíveis para a satisfação do mesmo.
Esta proposição tem por objetivo fornecer as condições faltante para que se torne realidade o governo do povo, para além das já presentes condições culturais e tecnológicas: as condições jurídicas, isto é, a forma da lei.
O projeto que ora submetemos à consideração dos nobres Pares que institui normas para a Administração Pública, no sentido de fazer com que os olhos e ouvidos das autoridades responsáveis pelos processos de execução do orçamento sejam amplificados, e muito, pela participação atenta da cidadania, apoiada pela tecnologia. Assim, a autoridade responsável passa a contar com meios formidavelmente engrandecidos de fiscalização, acompanhamento e avaliação da execução de obras públicas.
E não há que se dizer que esta proposição atenta contra a exclusividade de iniciativa do Presidente da República para propor leis que criem funções, cargos ou despesas na administração pública (Constituição Federal, art. 61, § 1º, II, a), visto que tais cargos e funções já estão previstos nas leis anteriormente mencionadas, a saber, a Lei de Acesso à Informação, como um todo, e a Lei º 8.666, de 21 de junho de 1993 (ver arts. 4º e 63).
Tampouco há que se prever dificuldades práticas na operacionalização das atividades, exceto aquelas que, naturalmente, surgirão e serão solucionadas com a destilação de boas práticas.
O fato é que desejamos chamar a atenção dos nobres Senadores e das nobres Senadoras para uma proposição que, apercebendo-se da presença, antes inexistente, de condições culturais e tecnológicas, faz juntar-se a elas condições jurídicas que, ao fim e ao cabo, tornam mais real a ideia constitucional da soberania popular. A proposição, em sua unidade, tenciona simbolizar o início do surgimento de inúmeras formas, sociais e tecnológicas, que irão encurtar e mesmo extinguir o fosso entre a sociedade e o Estado, tão penosamente percebido por todos em nossos dias.
Tais razões nos dão confiança para pedir o apoio dos nobres Pares a este projeto de lei.
Sala das Sessões,
Senador JOÃO CAPIBERIBE
<< Gestão Compartilhada: tá na hora de participar!
<< Democracia direta! Agora dá – As leis de fiscalização, o “zap zap” e o Facebook
Deixe um comentário