Encerrado o segundo turno das eleições, no dia 30 de outubro, manifestantes favoráveis à campanha de Jair Bolsonaro (PL) logo montaram acampamentos em frente aos quartéis dos comandos militares do Exército. Inconformados com a derrota, exigem um golpe militar para anular o resultado das urnas. O principal acampamento foi montado em Brasília, em frente ao quartel-general da força terrestre. Um mês depois, o acampamento segue de pé, e ainda maior.
A atividade do acampamento em Brasília foi observada pelo Congresso em Foco ainda em sua primeira semana, momento em que a estrutura já chamava atenção: além de ocupar metade da Praça dos Cristais com suas barracas, os manifestantes armaram tendas que serviam como cozinhas, armazéns, abrigo contra o sol, refeitório, uma capela improvisada e diversas opções de comércio, incluindo materiais de caça. Todas com luz elétrica fornecida por geradores espalhados pela praça, e acesso gratuito a refeições diárias.
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Um mês depois, o acampamento dobrou de tamanho. As barracas que até então alcançavam a lagoa artificial no centro da Praça dos Cristais passaram a se espalhar ao seu redor. Caravanas de manifestantes de todo o país, em grande parte do Pará e Mato Grosso do Sul, estabelecem ilhas de barracas, muitas reforçadas com tendas para proteger contra as chuvas.
A tenda onde se realizavam preces “contra o comunismo” cresceu, e deixou de ser única: uma outra tenda foi levantada para servir de igreja evangélica. O pastor recebe os manifestantes e busca na bíblia a motivação para que permaneçam protestando em favor do golpe. “O Brasil precisa de homens e mulheres que se levantam com palavra, não de abatimento, não é de desistência, é com palavra de encorajamento, de resistência. Deus falou com o povo: ‘Eu estou contigo até o final’”, declarou aos fiéis quando chegou a reportagem.
As refeições ficaram mais fartas, e o acampamento passou a contar com uma “tenda humanitária” para receber e armazenar doações de suprimentos. Os banheiros químicos foram espalhados para atender a todas as “ilhas” de caravanas, e os manifestantes passaram a contar também com tendas de enfermagem, com atendimento privativo.
No centro do acampamento, foi montada uma tenda de estúdio de gravação. O espaço de uso restrito é rodeado por placar com a QR Code de acesso ao canal do blogueiro Oswaldo Eustáquio no Youtube. Trata-se de um dos investigados no Inquérito das Fake News, aliado próximo de Bolsonaro que chegou a fugir do país para evitar que fosse preso.
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Premissas falsas
Em todo o acampamento estão espalhados cartazes pedindo o golpe militar, acusando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de ter fraudado as eleições. Muitos deles exploram a ambiguidade das declarações oficiais dos comandantes das forças armadas e do Ministério da Defesa ao tratar tanto da fiscalização das urnas eletrônicas quanto das próprias manifestações golpistas.
Em meio à sua fiscalização do processo eleitoral, as Forças Armadas solicitaram acesso “urgentíssimo” ao código-fonte das urnas dez meses depois do prazo previsto em lei, criando no círculo bolsonarista a impressão de que o TSE tentava impedir esse acesso, quando a verdade é que o pedido tinha sido feito de forma extemporânea. Mesmo com a justiça eleitoral tendo acatado o pedido, a mensagem que ficou entre os manifestantes, novamente errada, foi de que o acesso permanecia restrito. Resultado: faixas foram espalhadas pelo acampamento exigindo a oferta do código fonte, já disponibilizado para todas as entidades fiscalizadoras do pleito.
A ambiguidade da própria inspeção sobre eleições também é explorada pelos golpistas. O relatório feito pelas Forças Armadas afirma que não foram detectadas irregularidades, mas o Ministério da Defesa manifestou em nota que não era possível afirmar que não houve fraude nas eleições. Entre os manifestantes, cartazes são levantados afirmando confiar nos generais e que “o relatório já provou que houve fraude”.
Outro discurso ambíguo das forças armadas foi a nota conjunta dos comandantes das três forças, em que consideram “condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”.
No estúdio montado no meio do acampamento, a íntegra da nota conjunta fica exposta em um painel em frente à tenda, servindo como instrumento para legitimar a manifestação.
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Parceria militar
Juristas consultados pelo Congresso em Foco ainda no início das manifestações alertaram para a ilicitude dos atos, tendo em vista a defesa de um golpe de Estado e o objetivo de impedir a posse de um presidente regularmente eleito, crimes previstos nos artigos 359-L e 359-M do código penal.
A mesma posição foi defendida pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em coletiva de imprensa. O senador ainda considerou que, diante de manifestações golpistas e ao seu ver ilícitar, cabe às instituições atuar de modo a desmobilizar os atos sem fazer uso excessivo da força e nem deixar de fazer valer sua autoridade.
No Exército, porém, a postura apresentada foi de parceria. A Praça dos Cristais fica localizada no Setor Militar Urbano, bairro de Brasília cuja jurisdição fica a cargo da força terrestre. No acampamento, soldados foram espalhados entre as fileiras de barracas, realizando patrulhas para garantir a segurança dos manifestantes. O Centro de Comunicação Social do Exército foi consultado sobre quais serão as próximas providências adotadas sobre a manifestação, não havendo resposta até o momento.
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