Realizar a discussão em torno da reforma política da forma rebaixada e tacanha como a maioria do Congresso brasileiro tem feito, é relegar o Poder Legislativo às profundezas da sua atual mediocridade por mais longos anos. E querer arrastar consigo essa demanda desesperada por cidadania que o nosso povo tem apresentado de formas tão variadas em tão diversas ocasiões.
As manifestações de junho e julho, extensamente analisadas por estudiosos, políticos e curiosos, sinalizaram, entre outros temas, a angústia da sociedade com a corrupção. Não com essa corrupção apontada e alimentada seletivamente pela grande mídia privada. Mas pela corrupção sistêmica do Estado brasileiro já assinalada por inúmeros estudos e pesquisas, aquela que liga umbilicalmente a política com os interesses privados, seja como meio ou como fim.
Uma coisa, todavia, é consensual. A angústia da cidadania brasileira com a estrutura política. E aqui o problema central. As pessoas, cotidianamente em pesquisas de opinião, segmentadas ou gerais, ou na expressão visual dos atos recentes, não fazem qualquer referência aos penduricalhos que o Congresso tem chamado de “minirreforma” ou “reforma possível” entre suas demandas.
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Milhares de pessoas que vão às ruas sem saber o porquê. Milhões de pessoas que ocupam seu tempo com coisas diferentes, mais ou menos legítimas, não querem saber de suplência de senador, redução do tempo de propaganda eleitoral, prazo para troca de nomes nas chapas.
Todos esses temas são de interesse corporativo. Alguns, obviamente, precisam ser revistos e fazem parte de um arcabouço falido. Mas são os acessórios. É antidemocrática a forma de eleição dos suplentes de senador, assim como a própria existência de uma Câmara alta, pra sermos mais objetivos. Mas não se pode acreditar que esse seja o grande problema da vida política nacional. Nem se pode usar o argumento das possibilidades/correlação de forças para justificar essa agenda minimalista que o Congresso tenta passar.
As pessoas estão desacreditadas do nosso sistema político. Poderíamos alegar como tentativa de consolo que a cidadania “de urna” é a realidade de quase todo o mundo. Vamos nos ater a esse tipo de rebaixamento argumentativo? Devemos buscar uma cidadania diurna, cotidiana. Envolver as pessoas passa por criar instrumentos para arejar os espaços institucionais. Para transformar em realidade os desejos legítimos e justos por mais direitos sociais.
PublicidadeMilhões de brasileiros não veem na política um caminho para isso. Muito trabalho midiático para desvalorizar e desqualificar a política e qualquer solução coletiva para as angústias compartilhadas, isso é fato. Mas uma estrutura hierarquizada e profundamente excludente ainda se faz presente. Assegurar a participação de jovens, mulheres, negros, pobres nesses espaços não é só garantir a representação da diversidade demográfica, étnica, sexual e geracional brasileira. É também garantir a possibilidade de que as inquietudes do nosso povo possam ser vocalizadas. Não apenas as inquietudes dos bastidores do poder protagonizadas pelos senadores brancos de cabelos da mesma cor e deputados lobistas, de todos os lobbies possíveis e imaginários.
Acabar com o financiamento privado de campanhas eleitorais, criar instrumentos para permitir a renovação política e geracional, tanto nos espaços institucionais eletivos quanto nos partidos políticos, são algumas das necessidades prementes em torno dessa discussão.
O Congresso brasileiro, representação fidedigna, em sua composição majoritária, da defesa do status quo, pode, legalmente, fazer uma reforma política profunda. Agora ou depois. Como bem podia ter feito antes, é claro. Politicamente, no entanto, precisa ter a capacidade de entender que as instituições que se tornam defasadas são substituídas ou subjugadas. O Parlamento faz bem à democracia, mas não nesse papel quase cotidiano de rebaixar a níveis subterrâneos as poucas discussões importantes que, às vezes, tomam conta da sociedade.
Nesse papel anódino, ele é quase dispensável.
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