Ex-líder do crime na comunidade da Rocinha, a segunda maior favela do mundo, o traficante Nem da Rocinha culpou a classe política pelo recrudescimento da criminalidade e da violência em todo o país. E a razão, segundo Nem, é meramente eleitoral e demonstra como se porta a maioria dos mandatários brasileiros. Em entrevista exclusiva à versão brasileira do El País., o criminoso diz que a legalização das drogas é o melhor modo de combate ao narcotráfico.
“Além de investir em educação, se você quer acabar com o tráfico você precisa legalizar as drogas. Quer tirar todo o poder do traficante? É só legalizar”, defende o traficante, mudando o alvo.
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“Você acha que os políticos não sabem como resolver o problema da violência? O problema é que eles sabem que não serão reeleitos se fizerem isso. Sabem que isso exige um investimento em educação e políticas sociais que não têm retorno na urna, no curto prazo, mas que é algo para o médio prazo, para daqui a dez ou 15 anos. A preocupação maior é o mandato, não é resolver nada”, reclama Antônio Bonfim Lopes, 41 anos, que herdou o poder do narcotráfico na Rocinha, em 2004, com a morte do chefão anterior (Luciano Barbosa da Silva, o Lulu).
Na esteira da intervenção federal decretada por Michel Temer na segurança pública do Rio de Janeiro, Nem diz que políticos recorrem ao discurso batido de enfrentamento à criminalidade, “de botar polícia na rua e endurecer penas”, mas jamais resolvem o problema. “Está mais que provado que nada disso dá resultado. Nada disso funcionou até agora”, acrescenta o traficante, condenado a mais de 90 anos de prisão, em fala alinhada ao que diz a oposição sobre o uso eleitoreiro, por parte do governo, das Forças Armadas em ano eleitoral.
A respeito do presidente, aliás, Nem parece ter opinião formada, como destaca a entrevista. “Golpista né? Rasgaram a Constituição. ‘Tem que manter isso aí’ [fala de Temer, gravada por Joesley Batista, sobre a compra do silêncio de deputado preso Eduardo Cunha]… É uma piada. O cara [Temer] deveria estar preso. Imagina quanto dinheiro não rolou pra comprar o apoio dos deputados e senadores que apoiaram o impeachment…”, disparou.
O traficante demonstra estar em dia com as notícias. No mesmo ponto em que fala de Temer, Nem também faz críticas aos que apoiavam a Operação Lava Jato e, atualmente, com o avanço das investigações sobre diversos partidos e autoridades, agora criticam a operação: “Quando iam só atrás do PT todo mundo gostava. Agora que chegou aos outros partidos um monte de gente começa a falar ‘pera lá!”, reclamou.
Nem da Rocinha também falou sobre o presidenciável Jair Bolsonaro, deputado que disputará as eleições pelo PSL e, representante da extrema direita e um dos defensores da ditadura militar. Para o traficante, Bolsonaro não vencerá o pleito, embora lidere algumas pesquisas de intenção de voto em cenários sem Lula – o candidato de Nem caso ele, que diz não votar a mais de dez anos, pudesse votar.
“Eu não acho que o brasileiro vai fazer igual o pessoal fez nos Estados Unidos, e eleger um cara como o Trump. […] Ele fez muito por quem mais precisava, pelos mais pobres. Eu pude acompanhar na Rocinha. Gente que trabalhava pra mim vinha pedir pra sair do tráfico e ir trabalhar nas obras do PAC [Processo de Aceleração do Crescimento]”, complementa.
Preso desde 2011, Nem concedeu entrevista ao site do El País em um presídio de segurança máxima erguido no meio da selva amazônica. “Em um duro regime disciplinar que inclui 22 horas por dia dentro de uma cela individual sem TV e apenas duas horas de banho de sol, ele explica que matar o tempo – ‘e os mosquitos’ – é fundamental. A reportagem do EL PAÍS visitou o ex-traficante no início de março na penitenciária onde ele cumpre penas que somam mais de 96 anos por tráfico de drogas, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro”, relata Gil Alessi, repórter do veículo de imprensa espanhol.
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