Eduardo Militão
O Senado contratou a Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes Ltda para terceirizar a produção da TV Senado, garantindo à prestadora de serviços, em encargos sociais e lucros, o equivalente a 214% do total do salário-base dos funcionários contratados. A empresa é uma das denunciadas pelo Ministério Público Federal por improbidade administrativa, sob a acusação de participar de um esquema de fraudes licitatórias no Legislativo.
A diferença entre a soma dos salários dos 337 terceirizados, incluídos os devidos encargos, e o valor que o Senado admite ter pago, entre 2006 e 2007, indica que a empresa teve um lucro de, pelo menos, R$ 9 milhões em apenas um ano. A Ipanema admite que seus custos com encargos não passam de 74%, o que aponta para uma margem de lucro de 140%.
O primeiro aditivo ao Contrato 18/2006 foi assinado pelo primeiro-secretário, senador Efraim Morais (DEM-PB), e pelo diretor-geral da Casa, Agaciel Maia. O documento mostra que, entre abril de 2006 e abril de 2007, seriam pagos R$ 27,4 milhões pelos serviços de 337 profissionais da Ipanema.
Leia também
A redução dos valores contratuais pagos é uma das metas da equipe que prepara um novo edital de licitação para as prestadoras de serviço do Senado. “Hoje o valor que pagamos é um absurdo. Mas as empresas vão ter uma surpresa. Elas vão levar um susto. Vamos analisar as planilhas, os custos dos encargos e ter o controle da situação”, promete um dos integrantes do grupo.
“Com certeza, tem um lucro muito elevado aí”, avalia o especialista em economia do trabalho do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese) Carlindo Oliveira.
O gerente comercial da Ipanema, que se identificou para a reportagem apenas como Paulo, disse que os custos de 74% da Ipanema com mão-de-obra são plenamente justificáveis. “Pagamos tíquete-alimentação de R$ 20 por dia, temos que dar uniforme, que são ternos. São realidades que o Dieese não sabe que tem”, explicou Paulo, remetendo a um colega a responsabilidade para dar declarações sobre o assunto.
Poucos dias depois de o Contrato 18/06 com a Ipanema ser fechado, em 13 de abril de 2006, o aditivo foi assinado por Efraim, Agaciel e um representante da empresa. A modificação aumentava o número de funcionários e o valor global dos serviços.
O documento mostra o salário-base de cada um dos trabalhadores e quanto o Senado pagaria à Ipanema por aquele funcionário, incluídos os encargos e o lucro da prestadora. A soma dos salários-base de 337 empregados durante um ano alcança R$ 8,7 milhões. Mas os valores que a Casa deve pagar à empresa chegam a R$ 27,4 milhões – 214% a mais.
O advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, pondera que, durante os 12 meses, não foram gastos todos os R$ 27,4 milhões previstos, mas apenas R$ 20,2 milhões (leia mais). Independentemente dos valores absolutos, o acréscimo proporcional de 214% se manteria, seguindo-se a previsão contratual de despesas. Nesse caso, utilizando-se a taxa de 74%, as despesas ficariam em R$ 11,2 milhões. Ou seja, a diferença entre o valor pago e o custo admitido pela Ipanema é de R$ 9 milhões.
GASTO DO SENADO COM TERCEIRIZADOS
|
R$ por ano* |
Valor dos salários-base de 337 funcionários |
6,4 milhões |
Valor pago pelo Senado (+214%) |
20,2 milhões** |
Valor a ser pago, se admitidos encargos menores (+74%) |
11,2 milhões |
*Em valores arredondados. **Informação da Advocacia-geral do Senado. O contrato fala em R$ 27,4 milhões
Fonte: Congresso em Foco, com base no primeiro aditivo ao contrato 18/2006 e em informações da Advocacia-geral do Senado e da Ipanema
Para a advogada trabalhista Ísis da Silva Lima, que representa terceirizados em ações contra a Ipanema e o Senado, a Casa está perdendo dinheiro. Citando os itens das planilhas, ela contabiliza o prejuízo para o Legislativo e para os trabalhadores.
Um assistente de estúdio ganha R$ 1.423,97 da Ipanema, segundo o aditivo ao contrato. Mas, para bancar o exercício da função para a qual é exigido apenas o ensino fundamental, o Senado paga à Ipanema R$ 4.963,86. “Não fica mais barato terceirizar. Isso é o salário de um analista judiciário do Tribunal Superior do Trabalho”, compara Ísis.
Com 74% de encargos, esse profissional e seus encargos trabalhistas sairiam por apenas R$ 2.477,71.
Contratos secretos
A reportagem pediu cópia das íntegras dos aditivos feitos em 2007 e 2008 à assessoria do Senado, mas não as recebeu. Foi informada de que o documento estava na página da Casa na internet, onde, na verdade, encontra-se apenas o extrato do texto.
O extrato informa que está previsto ao Senado pagar, até março de 2009, R$ 2,41 milhões à Ipanema por mês (R$ 29 milhões anuais). No aditivo assinado ainda em 2006, o valor era de R$ 2,14 milhões mensais.
Os contratos da Ipanema são apontados pelo Ministério Público Federal como fruto de uma fraude perpetrada pela empresa e outras concorrentes, todas investigadas na operação Mão-de-obra. Por isso, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), determinou a publicação de edital para nova licitação em até 60 dias. A intenção é fazer a disputa ainda este ano, pelo regime de pregão. A licitação anterior foi uma concorrência.
O chefe de gabinete de Garibaldi, Florian Madruga, responsável por coordenar os trabalhos, diz que a íntegra dos contratos será publicada na internet, ao contrário do que acontece hoje. “O contrato é um documento público. O ato da administração não é secreto, não é questão de segurança nacional. Por que vai ser fechado?”, raciocina. “Tudo vai ser feito da forma mais transparente para que o cidadão tome conhecimento do que o Senado está fazendo.”
Ações trabalhistas
A advogada Ísis da Silva Lima pretende ajuizar 15 ações trabalhistas contra a Ipanema e o Senado nos próximos dois meses. A primeira ação sai nesta semana e pede o ressarcimento de cerca de R$ 20 mil a um ex-terceirizado que trabalhou com acúmulo de função.
As outras se referem a uma redução de salário dos trabalhadores. Explica-se: o contrato entre o Senado e a Ipanema foi assinado em 24 de março de 2006, por Efraim Morais, Agaciel Maia e José Carvalho de Araújo, diretor comercial da prestadora de serviços.
Dias depois, em 13 de abril de 2006, os três fizeram um aditivo, por meio do qual aumentam o número de funcionários requisitados de 313 para 337, elevam o valor do contrato e reduzem o salário-base de alguns terceirizados.
Para Ísis, o ato foi ilegal. “Várias pessoas criaram uma expectativa de salário frustrada. Observamos várias afrontas aos princípios constitucionais”, afirmou ela à reportagem.
As ações trabalhistas vão pedir a condenação da Ipanema a ressarcir os funcionários em valores de até R$ 16 mil. Se, por acaso, a empresa não pagar a eventual condenação ou vier a fechar as portas, a responsabilidade ficará com o Senado.
LEIA TAMBÉM
Senado promete encerrar terceirização
Reportagem publicada em 15/agosto/2008
Deixe um comentário