A semana encurtada pelo feriado de Corpus Christi, nesta quinta-feira (2), ficou marcada pelo destaque que dois ministros do governo Michel Temer ganharam no noticiário. Negativa, mantém alta a temperatura na gestão peemedebista a repercussão das declarações do chefe da Justiça, Torquato Jardim, sobre a cumplicidade de autoridades do Rio de Janeiro com o crime organizado, e do pedido de extrapolação de teto salarial da ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que desejava passar a receber R$ 61 mil – depois da grita geral, Luislinda desfez a solicitação. Em comum, os dois casos têm o silêncio absoluto de Temer, enquanto são amplamente discutidos e noticiados em escala nacional.
Leia também
<< Após pedir salário de R$ 61 mil e citar “trabalho escravo” como justificativa, ministra recua
Ao Congresso em Foco, a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto informou que Temer não comentaria o novo mal estar originado na Esplanada dos Ministérios – crise que até então era decorrência da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente, por organização criminosa e obstrução de Justiça, barrada na Câmara a exemplo da primeira acusação (corrupção passiva). Para interlocutores do peemedebista, a ordem é justamente manter distanciamento da situação, mesmo que ela esteja diretamente vinculada à cúpula do Planalto – a indicação de Luislinda, por exemplo, partiu do ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Antônio Imbassahy, deputado federal do PSDB da Bahia.
A crise gerada por Luislinda, aliás, tem relação direta com a participação do PSDB na base governista, em um cenário de racha partidário cada vez mais aprofundado. Na avaliação das autoridades palacianas, uma eventual exoneração da ministra poderia até provocar o rompimento definitivo da aliança com o governo, como defendem lideranças como o presidente interino do partido, senador Tasso Jereissati (CE), e o líder da legenda na Câmara, Ricardo Trípoli (SP). Encabeçados por Tasso, que substitui Aécio Neves (MG) no comando do partido, os tucanos da ala de senadores e deputados “cabeça preta” (mais novos) trabalham pelo rompimento à medida que se aproximam as eleições de 2018.
<< Marconi diz a Tasso que vai disputar comando do PSDB; senador cogita permanecer no posto
Mas a manutenção da ministra está longe de manter a situação com os tucanos pacificada. Partidos da base – especialmente do chamado “centrão”, grupo que reúne mais de 200 deputados federais – manifestam insatisfação com o fato de o PSDB, cuja metade votou a favor das investigações contra Temer, ainda gozar de tanto prestígio no governo, à frente de quatro ministérios.
O silêncio do governo sobre o pedido de Luislinda destoa da intensidade do debate na opinião pública. Em um das frentes de discussão, entidades do movimento negro divulgaram nota (íntegra abaixo) para dizer que a ministra, uma das primeiras juízes negras do Brasil, não as representa. No comunicado, os grupos fazem menção ao fato de que Luislinda não se posicionou sobre a polêmica portaria por meio da qual o governo redefine o conceito de trabalho escravo e dificulta a divulgação da lista de empregadores que o praticam, abalando a fiscalização do crime.
“A ministra é voz de um governo de privilégios e privilegiados que quer acabar com os direitos trabalhistas, com o combate ao trabalho escravo e as políticas de inclusão racial. Além de silenciar-se frente ao racismo religioso e às violências sofridas pelos povos de terreiros e comunidades quilombolas em todo o país”, diz trecho da nota.
Extrapauta
Hoje (sexta, 3), Temer e Torquato Jardim se encontraram no Palácio do Jaburu, em compromisso fora da agenda oficial. A conversa, sobre a qual a Presidência da República nada divulgou, foi mais uma demonstração de que as declarações do ministro da Justiça, a quem a Polícia Federal está subordinada, não terão consequências como demissão do posto. Para observadores da cena política, motivos há para um eventual desligamento: o ministro não só apontou, em entrevista, a ligação de autoridades do Rio e comandantes da Polícia Militar com o crime organizado, mas também disse que nem o governador do estado, Luiz Fernando Pezão, nem seu secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, têm controle sobre seus comandados.
Em um dos trechos da entrevista, o ministro chegou a dizer que o comando de batalhões da Polícia Militar do Rio de Janeiro seria definido por “acerto com deputado estadual e o crime organizado”. Torquato diz ainda que, “em algum lugar, voltamos a Tropa de Elite 1 e 2, onde alguma coisa está sendo autorizada informalmente” – referência aos filmes de José Padilha que desvendam as estranhas do crime organizado e suas ramificações com o poder político no estado.
Mas, mesmo com o aceno de Temer, o estrago já foi feito. Do exterior, onde está em viagem oficial às custas do contribuinte, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disparou contra Torquato. Ultimamente insatisfeito com a parceria com Temer no âmbito da base aliada, Maia classificou como “graves acusações” o conteúdo da entrevista de Torquato ao jornalista Josias de Souza, veiculada no portal UOL. “Recebi com perplexidade as declarações feitas pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, sobre a segurança pública do Rio de Janeiro. Espero que o ministro apresente provas sobre as graves acusações, que o governo federal também se pronuncie oficialmente e, principalmente, o Rio espera ações do governo e do ministro da Justiça”, reclamou o deputado.
Em outra frente, Pezão deu vazão à indignação das autoridades fluminenses e acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro da Justiça. Na interpelação judicial, o Governo do Rio de Janeiro argumenta que Torquato Jardim precisa comprovar seus relatos para não responder pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, além de prevaricação. O governo pede ainda que o ministro seja obrigado a descrever os fatos ilícitos a que fez referência, liste os nomes dos agentes públicos que os teriam praticado e apresente documentos que atestem a veracidade das informações.
Ônus ao acusado
No Congresso, a reação às declarações de Torquato também se multiplicaram, com cobranças veementes de esclarecimentos por parte dos oposicionistas. De ontem para hoje (1º), deputados e senadores de vários partidos comentaram o assunto e cobraram mais explicações do ministro. Na próxima semana, o chefe da Justiça deverá ir ao encontro dos parlamentares para debater o assunto. A expectativa é que audiências públicas sejam realizadas com Torquato em comissões temáticas na Câmara e no Senado, ou por meio de reuniões conjuntas.
Diante da reação das autoridades fluminenses e de parlamentares diversos, principalmente do Rio, Torquato as desafiou a provar que esteja errado. “Lamento a repercussão e extensão que teve [a entrevista ao UOL]. Fiz uma crítica institucional pessoal. Mas, se estou errado, que me provem”, provocou.
Para o ministro, a “própria história da instituição” aponta a ligação do comando da PM com o crime organizado. “Em algum momento, neste ano, de uma única vez, foram presos 93 policiais de um batalhão em São Gonçalo. Alguns dias mais tarde, mais alguns. E qual foi a consequência disso? A polícia tem que revelar, tem que contar. [Tem] a questão de vazamento de informações”, acrescentou.
Leia a nota de repúdio a Luislinda Valois:
As entidades do movimento negro brasileiro repudiam as declarações da ministra Luislinda Valois, que assim como fez o ministro do STF Gilmar Mendes, ao fazer referência a tragédia da escravidão que submeteu milhares de negros a uma condição perversa e desumana – um crime contra a humanidade, declarado pela ONU – apropriou-se de forma oportuna desse fato histórico trágico para obter benefícios próprios relativos ao seu salário.
Não obstante não nos furtamos em observar que esse ano o Juiz Sérgio Moro percebeu o salário superior ao teto constitucional durante vários meses e a justificativa para tal descalabro são as generosas cestas de auxílios e adicionais eventuais comumente utilizados no expediente do sistema de justiça para burlar o teto constitucional e assim beneficiar milhares de juízes Brasil afora. O que também representa uma violência para a sociedade brasileira como um todo.
Voltando a Ministra Luislinda, entendemos que reivindicar privilégios e participar de um governo que quer acabar com os direitos trabalhistas, com o combate ao trabalho escravo e as políticas de inclusão racial, além de silenciar frente ao racismo religioso e as demais violências sofridas pelos povos de terreiros e comunidades quilombolas em todo o país é um contra-senso.
A ministra é voz de um governo de privilégios e privilegiados que quer acabar com os direitos trabalhistas, com o combate ao trabalho escravo e as políticas de inclusão racial. Além de silenciar-se frente ao racismo religioso e às violências sofridas pelos povos de terreiros e comunidades quilombolas em todo o país.
Além de afrontar a dignidade da população negra, a posição da ministra é um atestado cabal da falta de compromisso com o combate ao racismo e com verdadeira cidadania de negros e negras. Não resta dúvida que estamos vivendo um momento em que a violência contra as mulheres, negros, grupos LGBT, quilombolas e índios está se naturalizando e a posição equivocada da ministra é um retrato desses ataques.
A nomeação dessa senhora é reveladora do desapreço que o governo Temer tem pela comunidade negra e o gravíssimo problema do racismo no Brasil.
Também é sintomático o fato de o Presidente Temer olhar para o Brasil e não conseguir enxergar os milhares de homens e mulheres negras com altíssimo nível de comprometimento político com os anseios e demandas da população negra para ocupar qualquer cargo na Esplanada dos Ministérios, ou estaria ele ciente de que a maioria de nós jamais compactuaria com um governo ilegítimo que se instituiu através de opressões, desmandos e violências?
A ministra não representa o povo negro, não representa as mulheres negras e nem aqueles que lutam pelo fim do racismo.Estamos por nossa própria conta! O povo negro não vai se calar frente ao racismo!
Assina a nota:
Convergência Negra – Articulação Nacional do Movimento Negro Brasileiro
Entidades que subscrevem a nota:
Agentes de Pastoral Negros – APNs
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN
Círculo Palmarino
Coletivo de Entidades Negras – CEN
Coordenação Nacional de Entidades Negras – Conen
Enegrecer – Coletivo Nacional de Juventude Negra
Movimento Consciência Negra de Butia – RS
Movimento Negro Unificado – MNU
Rádio Exu – Comunicação Comunitária de Matriz Africana
Rede Amazônica de Tradições de Matriz Africana – Reata
Quilombação
Setorial de Combate ao Racismo da CUT (Central Única dos Trabalhadores)
Soweto
Unegro – União de Negras e Negros Pela Igualdade
<< Maia quer que ministro prove cumplicidade de autoridades do Rio com o crime organizado
<< Disputa entre PMDB e DEM leva Maia a advertir Temer: “Que não vire relação entre inimigos”