Fábio Góis
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é incansável na defesa de uma quantia mensal paga em dinheiro pelo Estado a todos os brasileiros, incondicionalmente, de maneira que cada cidadão participe da riqueza produzida no Brasil. Trata-se da lei, de sua autoria, que cria a renda básica de cidadania, que virou até livro distribuído pelo parlamentar aos quatro cantos do país e do mundo. Para Suplicy, sua proposta de renda básica de cidadania vai na mesma linha da ideia de incluir a felicidade como direito na Constituição.
Materializada na Lei 10.835/2004, sancionada pelo presidente Lula em 8 de janeiro de 2004 (confira a íntegra), a iniciativa define a concessão de um benefício monetário a todo cidadão brasileiro, de maneira igualitária e inalienável, sem distinção de religião, raça, condição social ou qualquer outro tipo de característica ou escolha pessoal. “O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias”, diz o segundo parágrafo do artigo 1º.
Para Suplicy, a lei é um dos vários caminhos a auxiliar o povo na busca pela felicidade. Da mesma maneira que, uma vez na Constituição Federal, a chamada “PEC da Felicidade” alcançaria o bem comum e reforçaria os direitos já definidos na Carta Magna. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) encampou a ideia, e tenta reunir as 27 assinaturas necessárias para apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que dará a seguinte redação ao artigo 6º da Carta:
“Art. 6º. São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
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Além de Cristovam, apoiado por parlamentares como Suplicy e os deputados Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) e Ricardo Berzoini (PT-SP), um número crescente de entidades, artistas, intelectuais e outras personalidades já começou a se articular em favor da proposta. Baseados na experiência de outros países, tais instituições e pessoas querem incluir o direito à busca pela felicidade na Constituição, de maneira a reforçar as obrigações do Estado em questões como saúde, educação, alimentação e moradia.
“Quando os arquitetos da nossa república escreveram as palavras magníficas da Constituição e da declaração da independência, eles estavam assinando uma nota promissória de que todo americano se tornaria herdeiro. Essa nota era a promessa de que todos os homens, sim, negros assim como brancos, teriam garantidos os direitos alienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade”, recitou Suplicy em entrevista ao Congresso em Foco na última segunda-feira (14), ao ler o histórico discurso feito pelo líder negro Martin Luther King em 1963.
Na entrevista, concedida em seu gabinete em Brasília, Suplicy estava acompanhado da desembargadora paranaense Suzana de Camargo Gomes (Tribunal Regional Federal da 3ª Região – SP), indicada em lista tríplice encaminhada ao presidente Lula para integrar o corpo de ministros do Superior Tribunal de Justiça.
“Acho o + Feliz extremamente louvável, até porque não basta que sejam assegurados direitos que são fundamentais, indispensáveis à própria sobrevivência. O ser humano também é espírito, tem anseios. Esta é uma questão que pode ser concretizada à medida que os serviços públicos em geral sejam prestados com carinho, dignificando e privilegiando o ser humano, e permeados de valores morais”, disse a magistrada, convidada por Suplicy para acompanhar a entrevista.
Confira os principais trechos da entrevista com o senador petista.
Congresso em Foco – O senhor acha que uma mudança teórica em um artigo da Constituição pode ser transposta para a prática neste caso?
Eduardo Suplicy – Eu acho que sim. É algo muito relevante. É conhecido internacionalmente que a própria Constituição dos Estados Unidos tem inserida entre seus objetivos a busca pela felicidade. Eu, que fiz mestrado e meu doutoramento nos Estados Unidos, morei lá por cerca de cinco anos durante minha formação de economista, de fato muitas vezes ouvi isso lá. Então, para mim, isso soa algo normal. Para dar um exemplo de como, por vezes, se cita a busca pela felicidade, em um dos mais bonitos discursos da história da humanidade, em minha compreensão. Em 28 de agosto de 1963, por ocasião dos 100 anos da abolição da escravatura, diante do memorial de Abraham Lincoln, Martin Luther King Júnior disse: “Eu estou feliz de me juntar hoje a vocês naquela que ficará na história como a maior demonstração em favor da liberdade na nossa nação. Há cem anos, um grande americano, que foi Abraham Lincoln, em cuja sombra simbólica estamos hoje, assinou a proclamação da emancipação. Esse oportuno decreto tornou-se uma fonte de luz para milhões de escravos negros que foram queimados nas chamas da causticante injustiça. Quando os arquitetos da nossa república escreveram as palavras magníficas da Constituição e da declaração da independência, eles estavam assinando uma nota promissória de que todo americano se tornaria herdeiro. Essa nota era a promessa de que todos os homens, sim, negros assim como brancos, teriam garantidos os direitos alienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade”. Aqui está registrado um dos mais belos discursos que eu conheço.
Em sua opinião, o que o governo pode fazer para que a busca pela felicidade, uma vez incluída no artigo 6º da Constituição, seja aplicada na vida social dos brasileiros?
Prover as boas oportunidades de educação para todo o povo brasileiro, para meninas e meninos, para todos os jovens, para todos os adultos que não tiveram as boas oportunidades quando eram crianças; prover um bom sistema de assistência à saúde para todo o povo; diante da desigualdade tão grande, realizar a reforma agrária, ainda mais depressa para que possa haver melhor distribuição de riqueza no país; estimular as formas cooperativas de produção; expandir as oportunidades de microcrédito; e instituir a renda básica de cidadania como direito inalienável de todos participarem da riqueza da nação de uma maneira incondicional. Não importa a origem, a raça, o sexo, a idade, a condição civil ou socioeconômica, conforme inclusive já está estabelecido na Lei 10.835 de 2004, que foi aprovada por todos os partidos e sancionada pelo presidente Lula. Ela diz, em seu parágrafo primeiro, que será instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, como faz o Bolsa Família, até que um dia será incondicional para todos.
Críticos da PEC da Felicidade argumentam que, caso ela seja aprovada, a matéria dará margem a demandas como a união civil para pessoas do mesmo sexo e o direito ao aborto induzido. Como o senhor responde a essas críticas?
O que, sobretudo, se pretende com a busca da felicidade é que possamos melhor contribuir, todos, para atingir os objetivos fundamentais da nação brasileira, tais como os delineados no artigo terceiro da Constituição. Com respeito a esses temas polêmicos, todos poderão ser objeto de debate e discussão, como prevê a democracia e como constitui um dos objetivos e princípios fundamentais em nosso país – que tenhamos um processo democrático para a decisões sobre os mais diversos temas. Sejam quais forem os temas, como o direito à união civil, que limitações podemos ter no que diz respeito à questão do aborto, a descriminalização, ou não, do uso da maconha, das drogas. Se a maconha pode ou não – como agora, na Califórnia – ser prescrita para fins medicinais, e assim por diante. Se vamos ter modificações em nosso sistema eleitoral. Ainda há pouco, também na Califórnia, foi aprovado por referendo popular um sistema de eleição pelo qual haverá uma prévia em que pessoas de todos os partidos podem se escrever, e daí os mais votados disputarão – podendo, eventualmente, ser do mesmo partido. É um sistema interessante, vai ser uma experiência muito interessante para ser observada.
O povo brasileiro é reconhecido mundialmente por sua felicidade inata, apesar das adversidades que enfrenta. Mas há quem diga que essa felicidade é forjada, vendida por um tipo de mídia que lucra com isso, de alguma forma. Nesse sentido, a PEC pode transformar essa alegria, digamos, carnavalesca em algo mais real?
Acho que sim. O conceito de felicidade significa, sobretudo, que as pessoas consigam estar bem consigo próprias, que possam poder lutar para superar suas angústias, suas limitações, os problemas com que se defrontam. Que possam realizar o bem para suas comunidades, suas famílias. Em um sentido amplo, a felicidade tem um conceito de que todos estão à nossa volta exatamente para que possamos construir um país em que as coisas não sejam boas simplesmente para cada um, mas para todos. Até para que o país possa viver de maneira pacífica, sem os altos índices de criminalidade, por exemplo.
O movimento + Feliz teve origem em um grupo de profissionais, artistas e personalidades, além de instituições e entidades de classe, que pertencem a uma certa elite brasileira. O senhor acredita que ele pode ser bem recebido pela grande massa?
Eu tenho certeza que sim, até porque artistas e compositores são intérpretes do sentimento popular e, certamente, ao fazer essa proposta, estão interpretando algo que cala fundo em meio ao povo brasileiro.
A política brasileira tem um vasto histórico de casos de corrupção e desmandos administrativos. O povo brasileiro é menos feliz com esse tipo de política?
Sem dúvida. O povo seria muito mais feliz se as políticas sociais fossem executadas de maneira responsável, se os direitos constitucionais como saúde e educação fossem cumpridos.
Como o cidadão Eduardo Suplicy define felicidade?
Felicidade para mim é, sobretudo, poder me sentir bem comigo próprio, com a minha consciência, me sentir bem no que diz respeito às pessoas sobre as quais tenho responsabilidades, aquelas que são muito próximas de mim – minha família, meus pais, meus irmãos, meus filhos e netos. Se as coisas não estiverem bem com eles, eu não me sinto feliz. Quando as coisas são boas para eles, eu me sinto feliz. Eu vou dar um exemplo. Ontem [domingo, 13 de junho], por exemplo, recebi meus filhos e meus cinco netos na minha residência em São Paulo para comemorar o aniversário do meu caçula, o João [músico]. Fiz uma pequena comemoração, e me senti feliz de poder estar ali com os meus. Eu também posso dar exemplo de estar feliz quando eu realizo um trabalho que é reconhecido pela população, me sinto feliz no trabalho como senador e representante do povo de São Paulo.
Essa alegria tem aumentado em épocas de Copa do Mundo?
A cada dia escolho um tema para falar que me parece muito relevante para aqueles a quem eu represento. Vou dar outro exemplo. Hoje [segunda, 14 de julho] eu me dei conta de que amanhã é a estreia da seleção brasileira no campeonato mundial na África do Sul. Eu tenho percebido a beleza das manifestações do povo nos estádios da África do Sul, e este espetáculo da Copa do Mundo está batendo recorde em audiência mundial nos meios de comunicação. O futebol é um esporte nacional que é uma verdadeira paixão, mas ele tem uma qualidade excepcional que é de congraçar pessoas em nosso país, de todas as origens sociais, de raças; no futebol, as pessoas acabam se unindo. O futebol é um esporte, por excelência, com condições de promover a paz e um melhor entendimento entre os povos, inclusive, por exemplo, entre palestinos e judeus. Por exemplo: fui à Coreia do Sul em janeiro deste ano, e propus que eles promovessem um jogo entre o Brasil e uma seleção mista com jogadores da Coreia do Sul e da Coreia do Norte, nas capitais Seul e Pyongyang, e, além disso, instituir uma renda básica de cidadania para toda a Coreia. E você sabe o quanto eu tenho propugnado que no Brasil se institua uma renda básica de cidadania para promover um melhor entendimento e a aplicação dos princípios de justiça no Brasil. Quando eu batalho por isso, me sinto feliz.
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