Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, na noite desta quarta-feira (4), o pedido de habeas corpus (HC) preventivo do ex-presidente Lula. O voto de minerva foi da ministra Cármen Lúcia, quando o julgamento estava empatado após mais de dez horas de duração. O pedido da defesa visava garantir que o petista pudesse recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra sua condenação em segunda instância da Justiça, na ação penal do triplex do Guarujá, a 12 anos de prisão em regime inicialmente fechado.
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No final do julgamento, o ministro Marco Aurélio Mello levantou a questão de ordem para que a execução da pena aguardasse a publicação dos chamados embargos sobre a decisão de hoje, recursos que antecedem a publicação do acórdão processual (declaração de trânsito em julgado). Diante da questão, Cármen Lúcia submeteu a sugestão ao plenário, mas apenas Marco Aurélio e o colega Ricardo Lewandowski votaram pela prisão só depois da publicação do acórdão.
Os demais nove magistrados optaram pelo fim dos efeitos da liminar que, proclamada em 22 de março pela própria Corte, deram salvo conduto a Lula até hoje. Agora, caberá ao juiz federal Sérgio Moro, que condenou Lula em primeira instância, emitir a ordem de prisão após mais uma etapa de burocracias na Justiça Federal em Porto Alegre, onde o petista foi condenado e teve a pena aumentada (leia mais abaixo).
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A presidente da Corte iniciou seu voto quando já passava da meia-noite, afirmando que mantém, desde 2009, seu entendimento sobre a possibilidade do início da execução da pena após segunda instância. “Neste caso, mais que efetividade do direito penal, há que se dar ênfase ao princípio da igualdade”, afirmou a ministra citando o voto de Barroso, que mencionou a possibilidade de incontáveis recursos contra o início do cumprimento da pena. Cármen Lúcia disse ainda que o entendimento da presunção de inocência não pode levar à impunidade.
Apesar da decisão, a prisão de Lula não deve ser imediata. A defesa já anunciou que apresentará mais um recurso contra a condenação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que elevou a pena de Lula de nove para 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro. O prazo para que esse recurso seja entregue ao TRF-4 é na próxima terça-feira (10), depois do que serão analisados os chamados “embargos dos embargos”. A assessoria do Tribunal informou que a ação só transitará em julgado (ou seja, quando esgotam-se todas as possibilidades de recursos) após a análise de mais essa apelação.
O último voto proferido antes do desempate foi o do decano da Corte, ministro Celso de Mello. Ele acompanhou o entendimento dos ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Foram contra a concessão do habeas corpus, além de Cármen Lúcia, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. A divergência foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes, para que o petista tenha direito a recorrer em liberdade até a última apelação no STF.
O ministro Dias Toffoli sugeriu que Lula pudesse recorrer em liberdade até o julgamento da ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram para que Lula pudesse recorrer até o fim do processo no próprio STF, que é a última instância da Justiça.
Os votos
Primeiro a proferir o seu voto, o relator do habeas corpus do ex-presidente no Supremo, ministro Edson Fachin, reafirmou seu entendimento sobre a execução da pena em segunda instância e negou o pedido da defesa do petista. Em seu voto, Fachin questionou sobre a suposta ilegalidade de uma eventual prisão de Lula. “A pergunta que em meu ver emerge é se haveria neste caso um ato coator abuso de autoridade ou abuso de poder?”.
O ministro reiterou não haver “ilegalidade” ou “abusividade” no processo contra Lula. “Mesmo sob as perspectivas dos direitos fundamentais, não verifico alteração no panorama jurídico que considere ou autorize considerar o ato coator como revelador de ilegalidade ou abuso de poder. A alegação de que a fase executiva decorreria de precedentes sem força obrigatória no Supremo Tribunal Federal parece-me não conduzir a resultado diverso”, disse.
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O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto do relator, destacando que não se pode presumir que decisões de primeiro e segundo grau são erradas, “sob pena de subverter o ordenamento jurídico”.
“Em quase 30 anos, 23 anos o Supremo Tribunal Federal, inclusive atualmente há dois anos, teve um posicionamento [favorável à prisão]. E durante sete anos, outro posicionamento [contrário à prisão]. Essa questão não quer dizer que um posicionamento seja melhor ou pior do que o outro. Esses posicionamentos, ao meu ver, não podem levar a uma conclusão de ilegalidade praticada por um Tribunal Superior [no caso, o STJ] que se baseou nesse posicionamento majoritário tradicional [do STF]”, avaliou.
Desmoralização do sistema penal
Também votou contra o habeas corpus do ex-presidente Lula o ministro Luís Roberto Barroso. Ele justificou que “um sistema penal desmoralizado não serve a ninguém”, seja à sociedade, ao poder Judiciário ou à advocacia.
“Não é, no entanto, o legado político do presidente que está aqui em discussão. O que vai se decidir é se aplica a ele ou não a jurisprudência que este Tribunal fixou, e que, em tese, deve se aplicar a todas as pessoas. Portanto, acho que esse julgamento é um teste importante para o sentimento republicano, para a democracia brasileira e para o amadurecimento institucional, que é a capacidade de se assegurar que todas as pessoas sejam tratadas com respeito, consideração e igualdade”, apontou.
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Um dos votos mais esperados do dia foi o da ministra Rosa Weber, que se posicionou contrariamente ao pedido da defesa de Lula. “Até que ponto uma corte constitucional está vinculada aos próprios precedentes?”, questionou ela. “Ainda quando tal vinculação é reconhecida, nunca o é de modo inexorável. Diante das mutações jurídicas ou de alterações fáticas significativas […] não há muita dificuldade em se reconhecer pode se afastar ou rever suas decisões”, disse a ministra, que afirmou estar votando coletivamente e não conforme sua posição pessoal.
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Outro a acompanhar integralmente o voto do relator foi o ministro Luiz Fux. “Ilegalidade, não houve. Injustiça, nós não podemos chancelar essa pecha porque a decisão foi exatamente nos estritos termos da jurisprudência do STF”, afirmou. “O respeito à sua própria jurisprudência é dever do Judiciário. Portanto, uma instituição que não se respeita não pode usufruir do respeito dos destinatários de suas decisões, que é a sociedade, e o povo brasileiro”, acrescentou o magistrado.
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Prisões indevidas e ataques à mídia
Já entre os votos favoráveis ao ex-presidente Lula, causou polêmica uma declaração dada pelo ministro Gilmar Mendes. Ao antecipar o seu voto, o magistrado afirmou que prisões automáticas de réus pobres em segundo grau, que depois se mostraram indevidas, o fizeram repensar a decisão do habeas corpus.
“Fiz essa mudança por reflexão, por entender que aqui tem poucas pessoas capazes de me dar lição sobre o sistema penal brasileiro. Eu trabalhei em mutirão, e eram réus pobres. Pessoas que ficaram pobres e presas. Não sei se eram pretos, não sei se eram putas, (…) mas ficaram presas 12 anos, 14 anos, provisoriamente. Quem foi lá discutir isso fui eu. 24 mil pessoas foram libertadas. Por isso não aceito o discurso de que estou preocupado com este ou aquele, é injusto para comigo”, destacou.
O ministro também aproveitou para fazer críticas à atuação da imprensa.
“As prisões automáticas empoderam um estamento que já está por demais empoderado. O estamento dos delegados, dos promotores, dos juízes. Porque se essa mídia opressiva nos incomoda, estimula esse tipo de ataques, ataques de rua”, emendou. “É preciso dizer não a isso. Se as questões forem decididas na questão do par ou ímpar, […] é melhor nos demitirmos e irmos para casa. Não sei o que é apreender o sentimento social. Não sei. É o sentimento da mídia?”, questionou ele.
Hora de “reabrir o embrulho”
Seguindo o entendimento de Gilmar Mendes, o ministro Dias Toffoli votou a favor da concessão do habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula.
“Quando o tema volta ao plenário maior, ao pleno, eu entendo sempre reaberta a tese e a questão. Eu entendo que não há vinculação deste plenário sequer à súmula vinculante. Se não, nós petrificaríamos o direito. Muito menos a repercussão geral. […] Vejam, não há petrificação de jurisprudência, não há”, disse. “Eu entendo pela possibilidade de se reabrir o embrulho e enfrentarmos a questão de fundo”, acrescentou ele.
Toffoli ponderou, no entanto, que o petista deveria poder recorrer em liberdade até que o caso fosse julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Já a defesa de Lula argumenta que a Constituição só prevê a execução da pena após esgotados os recursos em todas as instâncias, incluindo o próprio STF.
O ministro Ricardo Lewandowski também votou em defesa do habeas corpus de Lula. Para ele, o Supremo falha ao colocar o direito à propriedade em um patamar superior ao do “sagrado direito à liberdade”.
“Começo dizendo que hoje é um dia paradigmático para a história desta Suprema Corte. A avaliação desse dia eu deixarei para os especialistas, para os historiadores. Mas é o dia em que essa Suprema Corte colocou o sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade”, considerou. “Digo isso em razão do fato de que no âmbito criminal uma pessoa pode ser levada à prisão antes de uma decisão condenatória transitada em julgado. E, ao meu ver, em franca frontal afronta ao que estabelece de forma muito clara, de forma muito taxativa, a nossa lei maior”, argumentou.
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Sem margem para dúvidas
Ao votar pela concessão do habeas corpus preventivo para Lula, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que a Constituição Federal não deixa margem para dúvidas. “Está em bom português, em bom vernáculo […] que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, disse. “É um passo demasiadamente largo e que revela sob a minha ótica, e vejo que não é a ótica da sempre ilustrada maioria, desprezo à Constituição Federal”, opinou.
Ele colocou ainda que “ninguém é a favor da corrupção”, mas que a sociedade chegou a um ponto de indignação que pode suscitar extremismos. “Se ela pudesse, lograria vísceras, sangue, construiria um paredão e com processo ou sem processo, fuzilaria todos aqueles acusados, simplesmente acusados”, defendeu.
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Decano na Corte, o ministro Celso de Mello foi o voto de empate no julgamento que durou dez horas. Celso votou favoravelmente ao pedido do petista sob a justificativa de que a prisão só é válida se houver risco de destruição de provas ou risco de fuga.
Para ele, pode ser abusiva ou ilegal a utilização do “clamor público” como justificativa para a prisão cautelar. “Os julgamentos do Judiciário não podem deixar-se contaminar por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública”, ressaltou.
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