Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia cobrou do Senado esclarecimentos, com prazo de dez dias para tanto, sobre a tramitação de projeto de lei da Câmara (PLC 79/2016; naquela Casa, PL 3453/2015) que modifica a Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Apresentada em 28 de outubro de 2015 pelo deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), a proposição autoriza à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) “alterar a modalidade de licenciamento de serviço de telecomunicações de concessão para autorização”, na prática dando mais poderes à autarquia. A advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foram notificados sobre o pedido de informações.
A oposição ao governo Michel Temer no Congresso acusa a base aliada de favorecer os interesses das teles. Principalmente a Oi, que recentemente passou por recuperação judicial e não foi poupada da determinação de ressarcir consumidores lesados e da aplicação da multa de R$ 20,2 bilhões a serem pagos à União. O projeto aprovado autoriza o repasse de cerca de R$ 100 bilhões às operadoras de telefonia. Os oposicionistas também acusam a base de Temer de acelerar indevidamente a tramitação da matéria, que foi distribuída ao Serviço de Protocolo Legislativo do Senado há menos de um mês, em 30 de novembro.
Por meio de uma rede social, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) festejou o despacho de Cármen Lúcia. Vanessa é coautora de um requerimento para votação da matéria em plenário, junto com os colegas oposicionistas José Pimentel (PT-CE) e Paulo Rocha (PT-AM), mas a Mesa Diretora negou o recurso no último dia 19 – por ter sido aprovada em caráter terminativo na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, em 6 de dezembro, e diante da posição da Mesa, a matéria saiu do colegiado direto para a sanção presidencial.
Para Vanessa, a determinação da ministra reforça a intenção dos oposicionistas para suspender a tramitação do PLC 79. Ela lembra que Cármen Lúcia, em seu despacho, quer saber as razões da rápida aprovação do texto naquele colegiado temático, “sem nenhuma votação em plenário”. “Com a decisão, o Senado Federal tem dez dias para se posicionar a respeito da matéria, que não poderá seguir imediatamente para a sanção do presidente Michel Temer (PMDB)”, explicou Vanessa.Reação
Inconformados com a recusa da Mesa Diretora, que alegou falta de assinaturas (mínimo de nove) para que a matéria fosse votada em plenário, alguns senadores da oposição se encontraram com a própria Cármen Lúcia para pedir-lhe urgência, com deferimento de liminar, no julgamento de uma ação em que pretendem interromper a tramitação do projeto. Vanessa Grazziotin lembrou que ao menos três comissões temáticas deveriam ter analisado a proposição, que só passou pela Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional. A senadora disse ainda que o projeto de lei só não foi encaminhado ao plenário para votação do conjunto da Casa porque seus patrocinadores “tiveram receio do debate para favorecer interesse de alguma empresa”.
Entre as principais mudanças na Lei Geral de Telecomunicações está a que permite a adaptação da modalidade de outorga dos serviços de telefonia fixa de concessão para autorização, provocada por solicitação das concessionárias, individualmente. O texto aprovado no Senado garante que a Anatel decida sobre cada requerimento, que deve demonstra o cumprimento de requisitos específicos como a garantia da execução do serviço em áreas sem concorrência e a manutenção dos contratos já firmados.
Diversas entidades reclamaram da celeridade da tramitação do projeto no Senado e do tempo exíguo de discussões sobre as novas regras para o setor de telecomunicações. Reportagem da Agência Brasil lembra que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a Associação Brasileira de Procons e outras 18 entidades da sociedade civil divulgaram uma nota de repúdio contra o ato da Mesa Diretora do Senado rejeitando os recursos parlamentares para análise do projeto em plenário. As organizações dizem que a matéria, além de não ter sido democraticamente debatida pelos senadores, foi alvo de manobras regimentais que violaram direitos envolvidos no assunto.
Histórico
Em junho, a Oi anunciou o mais valioso pedido de recuperação judicial da história do Brasil: R$ 65 bilhões. Coincidência ou não, o noticiário começou a dar conta, poucos dias depois do anúncio, de que alterações nas normas do setor de telecomunicações estariam a caminho – a justificativa para os defensores da minirreforma regulatória era de que o governo pretendia, com as mudanças, estimular o crescimento econômico. Era um dos primeiros passos de Temer na seara da economia, ainda como presidente interino.
Segundo a LGT ainda em vigência, em 2025, quando contratos de concessão firmados entre as teles e a União chegam ao fim, essas empresas têm que devolver parte de seu patrimônio físico à União – torres de transmissão, antenas, cabos ópticos e milhares de imóveis, entre outras estruturas, que as corporações administram desde a privatização do setor. Tudo isso pertence à União e envolve cifras bilionárias.
O projeto encaminhado à sanção presidencial, na prática, transfere esse patrimônio às empresas de telefonia, com o compromisso de que elas invistam em projetos diversos valor semelhante – para membros da oposição, trata-se de uma inovação que o governo promove para socorrer a Oi e evitar sua falência. Mas, ao final, empresas como Claro, Vivo, Algar e Sercomtel também se beneficiam das mudanças.