A Primeira Turma deveria ter encerrado essa fase do processo em 18 de abril. Durante o julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso, relator-revisor do processo, abriu um precedente com o entendimento de que cabe à Mesa Diretora da Câmara declarar a perda de mandato do deputado, e não uma votação de plenário. Barroso foi acompanhado pelos outros quatro colegas de colegiado – a ministra-relatora, Rosa Weber; o presidente da turma, Marco Aurélio Mello; e os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Para eles, a dimensão da pena estipulada por si só é suficiente para a perda automática do mandato.
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A defesa de Feijó só poderá interpor recurso depois da publicação do acórdão do julgamento – espécie de relatório com o detalhamento de cada fase do processo e a consequente sentença. Vale como contestação da decisão do colegiado, por exemplo, a apresentação de um embargo de declaração, por meio do qual os advogados do deputado terão pedido esclarecimentos sobre pontos específicos da decisão. Qualquer que seja o instrumento recursal, a análise será novamente feita pelos cinco ministros da Primeira Turma, o que diminui as possibilidades de mudança do resultado.
A decisão unânime pela perda automática do mandato foi fundamentada no artigo 55, inciso III, da Constituição Federal – o dispositivo prevê punição ao parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltar a um terço das sessões plenárias ordinárias, à exceção dos casos em que estiver de licença de suas atividades ou em missão autorizada pelo Poder Legislativo. Acompanhando o relator-revisor, os ministros avaliaram que, no caso em questão, a Mesa determinaria a interrupção do mandato de Feijó.
Luís Roberto Barroso argumentou que, como regra geral, nos casos em que a condenação judicial exija mais de 120 dias de reclusão em regime fechado, a declaração automática da perda de mandato é uma decorrência lógica, uma vez que não será facultado ao deputado o direito de exercer suas funções legislativas in loco. O magistrado destacou que, nas hipóteses de condenação em regime aberto ou semiaberto, caberia autorização para o trabalho externo ao presídio, algo vedado ao regime fechado.
“A Constituição diz, com clareza, que quem faltar mais de 120 dias ou um terço das sessões legislativas perde o mandato por declaração da Mesa e não por deliberação do plenário. Ora bem; quem está condenado à prisão em regime inicial fechado, no qual precise permanecer por mais de 120 dias, a perda tem que ser automática”, ponderou Barroso.
PublicidadeSanguessugas
O caso envolvendo Paulo Feijó é um desmembramento da Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, que descobriu um esquema criminoso espalhado por diversos estados que consistia em desvio de recursos públicos por meio da aquisição superfaturada, por prefeituras, de veículos como ambulâncias e demais equipamentos médicos. Segundo as investigações, licitações eram direcionadas para favorecer o grupo Planam, com sede em Mato Grosso – as investigações estimaram que o montante desviado foi de cerca de R$ 110 milhões, com movimentações financeiras iniciadas em 2001.
A acusação contra o deputado argumentou que caberia ao parlamentar fluminense apresentar emendas ao Orçamento Geral da União destinadas a municípios das regiões Norte e Nordeste do Rio de Janeiro, com o objetivo de beneficiar empresas do grupo. A equipe do parlamentar nega que ele tenha cometido irregularidades.
A defesa de Paulo Feijó sustentou na tribuna, durante o julgamento, que o deputado destinava emendas à área de saúde de forma rotineira. Segundo os advogados, os encontros do parlamentar com representantes da Planan – quando, segundo o Ministério Público, o pagamento de propina teria sido oferecido –, as emendas parlamentares já haviam sido formalizadas na Câmara. A defesa argumentou ainda que não ficou comprovado o recebimento de dinheiro pelo parlamentar, e que um assessor citado como intermediário das negociatas foi inocentado em primeira instância.
Transações suspeitas
No julgamento que resultou na condenação, referindo-se ao crime de corrupção passiva, a ministra-relator Rosa Weber destacou ter havido a comprovação de recebimento de vantagens ilícitas por meio de depósitos em contas correntes de terceiros (um assessor parlamentar e sua esposa). Para a magistrada, um livro-caixa da Planam apreendido na Operação Sanguessuga reunia registros de pagamento ao acusado, com especificação de datas e valores de repasses atrelados a Paulo Feijó. Com apoio unânime dos pares neste ponto do relatório, ministra ponderou ainda que, em acordo de colaboração premiada, os donos da empresa – os irmãos Luiz e Darci Vedoin – admitiram ter com o parlamentar um acordo para pagamento de comissão de 10% sobre o valor da emenda apresentada. Para comprovar a acusação, pontuou ainda Rosa Weber, os empresários apresentaram recibos de 20 operações de crédito para interlocutores do deputado.
Sobre o crime de lavagem, Rosa Weber entendeu que as provas amealhadas nos autos demonstram que os valores recebidos por terceiros foram usados no pagamento de diversas despesas do deputado, como aluguel de imóveis, compra de veículos e quitação de impostos. Dessa forma, ainda segundo a ministra, Paulo Feijó dissimulou valores da propina recebida, por meio de terceiros e em benefício próprio, de maneira a legalizar dinheiro “impuro”, fruto de corrupção, transmutando-o em bens e serviços ao seu patrimônio formal.
“Após o recebimento dissimulado da propina houve uma conversão do produto do crime por via de nova dissimulação, em ativos de aparência lícita em benefício do acusado, por dissimulação sucessiva, que visou afastar o dinheiro de sua origem ilícita”, escreveu Rosa Weber.
Voto vencido, o ministro Marco Aurélio Mello optou pela absolvição do réu quanto ao crime de lavagem de dinheiro. Contestando apenas este ponto do processo, o ministro alegou não ter sido imputado um crime anterior, segundo exigências legais, para que o tipo penal da lavagem esteja configurado. Para o magistrado, o recebimento dissimulado de dinheiro ilícito é típico do crime de corrupção, fazendo com que o delito não possa ser apontado como o fato anterior exigido pela lei. Ainda segundo Marco Aurélio, tal delito também não pode ser considerado como fato anterior, uma vez que foi reconhecida a prescrição do crime de fraude em licitação.
Combustível
Esta não é a primeira complicação de Paulo Feijó nos últimos anos. Como o Congresso em Foco revelou em abril de 2015, de setembro de 2011 a fevereiro de 2015 o deputado gastou R$ 168,4 mil para abastecer veículos utilizados por ele e assessores em um posto em Campos de Goytacazes (RJ). O parlamentar foi integralmente ressarcido pela Câmara após apresentar notas fiscais. Seria apenas mais um caso de uso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), o chamado cotão, benefício ao qual todo congressista tem direito para cobrir despesas atreladas ao mandato, não fosse um detalhe: o posto Líder Ltda, usado todas as vezes pelo parlamentar, é de propriedade de seu genro, Leandro Souza Barroso.
Norma interna da Câmara proíbe deputados de pedirem ressarcimento de despesas feitas em empresas de propriedade de parentes em até terceiro grau, como filhos, pais, cônjuges, irmãos, sobrinhos, avós, sogros, noras e genros. Depois de virar alvo de um abaixo-assinado com mais de 2.142 assinaturas, que pediam a devolução dos recursos, sob pena de representação no Conselho de Ética e no Tribunal de Contas da União (TCU), Feijó admitiu o “lapso” e se comprometeu a ressarcir a Câmara pelas despesas feitas indevidamente.
Em entrevista ao site, Paulo Feijó admitiu que abasteceu no posto do genro, que, segundo ele, tem participação acionária de 5%. O deputado afirmou que é cliente do posto há 30 anos. “É um posto de minha confiança. Mas de sete anos pra cá, o filho do dono casou com a minha filha e eu estava achando que o posto era só do pai do meu genro. Só depois de alertado, vi que meu genro tem 5% de participação neste posto”, declarou na ocasião.