Em julgamento iniciado ontem e concluído hoje (quinta, 19), o Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por unanimidade, o recurso (RE 587970) por meio do qual se discutiu na corte a possibilidade de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a estrangeiro residente no Brasil. O recurso havia sido ajuizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra decisão da 1ª Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região que condenou a autarquia federal a conceder o benefício assistencial a uma estrangeira de origem italiana. Com valor de um salário mínimo, o BPC está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
A decisão tem repercussão geral, servindo como parâmetro para sentenças correlatas em todo o Brasil. O relatório vencedor do ministro Marco Aurélio Mello foi seguido foi proferido ontem (quarta, 19).
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ÍNTEGRA VOTO MINISTRO MARCO AURÉLIO
“Pode-se dizer que, ao reconhecer o direito de estrangeiro residente no País de receber o benefício, o Judiciário confronta a dignidade da postulante com a dos cidadãos brasileiros, natos ou naturalizados, também carentes de prestações públicas. É o conhecido argumento da reserva do possível. A crítica é improcedente”, anota Marco Aurélio, na justificativa de seu voto.
“Considere-se que somente o estrangeiro em situação regular no país, residente, idoso, portador de necessidades especiais, hipossuficiente em si mesmo e presente a família, pode se dizer beneficiário da assistência em exame. Nessa linha de ideias, os estrangeiros em situação diversa não alcançam a assistência, tendo em vista o não atendimento às leis brasileiras, fato que, por si só, demonstra a ausência de noção de coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do Estado”, acrescenta o ministro.
Com o acesso ao voto garantido às partes, as sustentações orais foram realizadas na sessão desta quinta-feira (20).
PublicidadeOcupando a tribuna do plenário, o procurador federal Cláudio Peret, que falou em nome do INSS, argumentou não há previsão normativa no Brasil para que o benefício seja concedido nos termos em questão. Peret alegou a necessidade de tratado de reciprocidade com o país de origem, como esteio legal da política social, e fez menção ao impacto da medida sobre os fluxos migratórios ao país, de pessoas em busca de melhores condições de vida. Dados com estimativas de impacto foram presentados pelo procurador: R$ 160 milhões anuais, em caso de decisão do STF desfavorável ao INSS.
“Descabe o argumento de pertinência do princípio da reciprocidade, ou seja, arguir que o benefício somente poderia ser concedido a estrangeiro originário de País com o qual o Brasil firmou acordo internacional e que preveja a cobertura da assistência social a brasileiro que esteja em seu território. Apesar de a reciprocidade permear a Carta, não é regra absoluta quanto ao tratamento dos não nacionais”, rebateu o ministro, no voto.
Admitidos na causa como amici curie, o representante do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Alexandre Schumacher Triches, e o defensor público-geral federal, Carlos Eduardo Barbosa Paz, representaram as entidades Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (Casp), Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami) e Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH). A Defensoria Pública defendeu que a exigência da reciprocidade com a Itália, no caso, inviabilizaria a concessão do benefício. Eles também apresentaram dados e demonstraram a diminuta proporção de pedidos de acesso ao benefício por parte de estrangeiros – segundo o levantamento, só 0,6% das solicitações dirigidas à Defensoria da União no Distrito Federal. Alexandre Triches defendeu ainda que a legislação sobre o BPC deve beneficiar estrangeiros.
Alinhado ao posicionamento de Marco Aurélio, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pronunciou-se pelo desprovimento do recurso. Janot argumentou que o conceito de estrangeiro residente no país, definido no artigo 5º da Constituição Federal, têm de ser compreendido com base em exame sistemático a levar em conta, principalmente, a dignidade da pessoa humana – prevista como fundamento da República. O procurador-geral também mencionou o fato de que a legislação brasileira proíbe a chamada interpretação restritiva, ou seja, que limite a concessão do benefício apenas ao cidadão brasileiro.