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O relatório de Aloysio Nunes foi apresentado em 18 de novembro na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, com parecer favorável. No entanto, o tucano sugere emenda ao texto original, de maneira a manter sob segredo os valores movimentados via renúncia fiscal, bem como o patrimônio financeiro dos contemplados. O “alcance da divulgação pretendida” pelo projeto, diz o relator, deve ser restrito “à mera publicidade dos nomes ou razões sociais dos beneficiários”.
Citando o artigo 5º da Constituição, que define como “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, o senador alega que esse preceito constitucional “protege tanto pessoas físicas como jurídicas” – ou seja, também se aplica às empresas. Para Aloysio, essa passagem da Carta Magna não admite “interpretação hesitante” nem nas hipóteses de interesse da coletividade – caso do dinheiro privado livre de tributação devido à renúncia fiscal.
“Nem mesmo o Fisco, por mais nobres que se mostrem suas intenções e por mais justa que soe sua motivação, pode extrapolar seu direito de investigar o patrimônio do contribuinte e divulgar informações a esse respeito”, diz o senador, para quem a matéria é omissa quanto aos limites da Constituição. “Numa leitura fria, o que o projeto diz é que poderão ser divulgadas informações relativas aos beneficiários de renúncias de receita. A questão que se coloca é saber que informações serão essas, qual o alcance da divulgação. A depender de sua profundidade, essa publicidade poderá, sim, ser abusiva e inconstitucional.”
Para Aloysio, não há problemas em que sejam divulgados os beneficiários de “favores fiscais”, sejam pessoa física ou jurídica, por parte da administração fazendária. “Se, no entanto, se ceder à tentação de promover-se uma publicidade sensacionalista, difundindo-se detalhes do patrimônio das empresas e cidadãos envolvidos, configurar-se-á nitidamente uma violação do disposto no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal. Infelizmente, a redação […] da forma como está, permite tanto uma como outra aplicação”, justifica o senador tucano.
Luz desinfetante
Na versão original do projeto, Randolfe faz menção ao juiz norte-americano Louis Brandeis (“A luz do sol é o melhor desinfetante”), morto em 1941, para ilustrar a necessidade de transparência, “notadamente no que se refere ao dinheiro público”. Na argumentação do projeto, o senador defende a premissa, ensejada na citação de Brandeis, de que a sociedade deve ter à disposição, de maneira facilitada, números e demais registros sobre contas públicas.
Como lembra Randolfe, o artigo 198 do Código Tributário Nacional proíbe “a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. Com cópia da legislação promulgada há 50 anos anexada ao projeto, o parlamentar aponta características da atualidade para defender sua aprovação.
“Privar o cidadão brasileiro, em geral, e o contribuinte, em particular, do acesso – mediante instrumento legal – a essas informações contribui para cercear sua capacidade de fiscalizar o governo e de questionar eventuais ‘benevolências’ indevidas em nome de pessoas físicas e jurídicas. Ademais, é imperativo frisar que o controle social é o mais eficaz e legítimo instrumento para frear ou impedir eventuais condutas indesejáveis pelos governantes, notadamente nos tempos atuais de informação instantânea e de redes de computadores interligados mundialmente”, observa o senador.
Bilhões “renunciados”
A despeito da vigência, desde novembro de 2011, da Lei de Acesso à Informação, a busca por registros públicos pode esbarrar em casos como o da Lei 5.172. Essa situação provoca impasses como a que foi descrita em reportagem publicada em junho de 2014 pela revista CartaCapital (“Horário eleitoral ‘gratuito’ é pago e sem transparência”).
No texto, o repórter Piero Locatelli tentou obter, com base na legislação de transparência, informações sobre quanto cada emissora de rádio e TV “lucra” ao ceder espaço em sua programação durante pleitos eleitorais, no chamado “horário político obrigatório”. A reportagem informa que, nos últimos 12 anos, os veículos de comunicação deixaram de pagar pelo menos R$ 3,57 bilhões em impostos, a título de renúncia fiscal pela exibição da propaganda eleitoral. Mas, devido ao artigo 198 do Código Tributário Nacional, a Receita Federal lhe negou a informação detalhada sobre o valor do benefício para cada emissora.
“A reportagem argumentou que não desejava toda a informação fiscal das emissoras, mas somente o valor referente às isenções do horário eleitoral. […] Desta forma, as informações particulares estariam guardadas. Diante do recurso, a Controladoria Geral da União [CGU], responsável pelas apelações sobre a lei [de Acesso à Informação], questionou à Receita: ‘Como a informação do valor específico da renúncia fiscal dada a cada emissora pode expor a sua situação financeira e econômica?’”, relata a CartaCapital.
“Em resposta, o órgão afirmou que ‘o sigilo fiscal protege todo e qualquer item que esteja inserido no conjunto das informações que componham a situação financeira e econômica do contribuinte. (…) Toda e qualquer informação, mesmo que isoladamente, e num menor grau, acaba por expor uma realidade financeira ou econômica’. A CGU concordou com o argumento da Receita e estes gastos não devem ser revelados”, completa a revista.
Em outra reportagem, esta veiculada em 16 de outubro de 2013 pela Agência Senado (“Renúncia fiscal equivale a um quinto das receitas”), informa-se que, em 2014, o Brasil abriu mão de 20,66% das receitas tributárias, nos termos do projeto de lei orçamentária do ano anterior. O percentual significou R$ 249,8 bilhões, “mais do que a soma de investimentos em saúde (R$ 100,3 bilhões), educação (R$ 92,4 bilhões) e Brasil sem Miséria (R$ 32,6 bilhões)”. O texto revelou ainda que, em 11 anos, a estimativa de renúncia fiscal cresceu dez vezes: de R$ 24 bilhões, em 2003, para R$ 249,8 bilhões, em 2014.