Com objetivo de facilitar a mudança de nome por transexuais, uma projeto de lei do Senado pretende legislar sobre o assunto permitindo que qualquer pessoa possa requerer a adequação dos registros de seu nome ou sexo quando estes não coincidam com sua identidade de gênero. A proposta é de autoria da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) e tem como relator o senador Jader Barbalho (PMDB-PA). O relatório do senador é pela aprovação do texto, cuja apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa está prevista para esta semana.
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Atualmente, para se ter direito à retificação de nome e sexo, já identificados no documento desde o nascimento, é preciso passar por um longo processo jurídico. O projeto estabelece que, para ser concedida autorização para a mudança, será necessário que o nome ou o sexo consignados no registro civil do requerente estejam em discordância com a sua própria identidade de gênero e, que tal condição seja atestada por laudo técnico fornecido por profissional de qualquer das áreas médica, psicológica ou psiquiátrica.
Não será exigida a cirurgia de redesignação sexual para a concessão da adequação documental, mas é ressalvado que, se a pessoa já tiver realizado essa cirurgia, ela fica dispensada de apresentar os referidos laudos técnicos. É aí que começam os problemas (leia mais abaixo). Recentemente, a advogada pernambucana Robeyoncé Lima, por exemplo, conseguiu alterar o nome e o gênero nos documentos oficiais de identificação após uma batalha judicial que durou oito meses.
PublicidadeMas é um primeiro passo, avaliam militantes da causa LGBT. Para o diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, a proposta facilitará a vida de milhares de pessoas em todo o país.
“Hoje as pessoas precisam entrar na justiça para conseguir fazer a mudança de nome e de sexo. Essa lei vem legislar sobre o assunto. É importante a iniciativa. Hoje, a Justiça demora muito tempo para conceder essa autorização e é interessante que se tenha uma lei que legisle sobre essa questão. Especificamente sobre o registro civil. O que nos precisamos é de respeito a diversidade”, ponderou Toni ao Congresso em Foco.
Fator laudo
Para Lua Stabile, 25, que possui em andamento na Justiça de Brasília um processo de retificação de nome e gênero desde maio deste ano, a proposta avança em relação ao modelo atual, que precisa de um juiz para autorizar a mudança após longa batalha na Justiça. Mas ela faz a ressalva de que a questão da alteração por meio de laudo psiquiátrico ou psicológico ainda é algo que precisa ser revisto.
“O fato de a gente ter que apresentar um laudo também é uma questão problemática, porque a gente não está lidando com pessoas doentes. A gente não precisa apresentar nenhum documento de pessoas falando quem nós somos. Nós mesmos deveríamos dizer quem somos”, criticou Lua, dizendo acreditar que existem outros meios de se atestar o gênero, como declarações de amigos e familiares, além de investigação facilitada sobre como a pessoa se apresenta socialmente nas redes sociais e no trabalho.
“No meu processo eu tive que apresentar o laudo. Mas eu preciso ficar indo a um psiquiatra somente para pedir um laudo. Eu não estou doente”, ponderou.
Lua, que é integrante da União libertária de Travestis e Mulheres Transexuais (Ultra) em Brasília, disse que a entidade luta justamente pela “despatologização” das identidades trans, estigmatizadas por questões como a própria necessidade de apresentação de laudo médico como comprovação de sua condição de gênero. “Pessoas trans não são doentes e não precisam de laudo dizendo quem elas são.”
De acordo com ela, em maio de 2018 haverá a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID) na Assembleia Geral de Saúde da ONU, com a participação de diversos países. Na ocasião, será levada a votação uma proposta da retirada da classificação de transexualidade como doença de transtorno mental.
“Se a proposta da Organização Mundial de Saúde for aprovada, a transexualidade vai deixar essa necessidade de ter que ter um laudo médico. A transexualidade ainda é considerada uma doença e está na classificação do CID. A gente tá criando uma campanha que luta pela despatologização das pessoas trans”, ressaltou.
Direito à livre personalidade
Na proposta, a senadora Marta Suplicy justifica sua proposição argumentando que o transexualismo é uma realidade social que exige a tomada de posição do Parlamento brasileiro, tendo em vista a total ausência de disciplina legal específica quanto à matéria. O projeto adota o princípio de que toda pessoa tem direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, de acordo com sua própria identidade de gênero, não importando seu sexo biológico, anatômico, morfológico, hormonal ou outro qualquer.
Esse direito abrange a opção de ter a identidade, o nome e o sexo com o qual a pessoa se reconheça assinalados no registro civil e nos documentos de identidade, título de eleitor passaporte ou qualquer outro. Pelas regras, somente por iniciativa pessoal do próprio interessado poderá ser feita a adequação documental da menção do seu nome e sexo, ficando vedada nova alteração pelo prazo de cinco anos. Além disso, estabelece a competência da Vara de Registros Públicos para tratar de toda matéria disposta no projeto, assegurado o segredo de Justiça.
Caso aprovada na CCJ, a proposta poderá seguir para a Câmara, a menos que seja apresentado recurso para votação pelo plenário do Senado. O relator, senador Jader Barbalho, defende a aprovação por meio de um substitutivo, que não muda o conteúdo, mas evita a criação de uma lei autônoma, enquadrando a regulamentação proposta na legislação existente compatível com o tema: a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) e o próprio Código Civil.
Antes de ser encaminhada à CCJ, a matéria foi apreciada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), na legislatura anterior (2011-2014). Na CDH, sob a relatoria do então senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o texto também recebeu parecer favorável, com o substitutivo.
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