Em 25 de abril, o senador Roberto Requião (PMDB-PR), irritado com a pergunta de um repórter sobre sua pensão vitalícia como ex-governador, subtraiu-lhe o instrumento de trabalho – um gravador digital. O episódio aconteceu em plenário, e se estendeu pelo corredor que o liga ao gabinete de Requião – o profissional de imprensa tentava reaver o aparelho, mesmo diante das ameaças do parlamentar. O esforço foi em vão: não satisfeito em ter se apoderado de bem alheio, Requião deletou o arquivo que continha a entrevista. Mas a sequência de indelicadezas foi perdoada pelo Senado: no último dia 18 de maio, sem alarde, a Advocacia Geral arquivou uma representação por quebra de decoro apresenta pelo Sindicato dos Jornalistas do DF contra Requião.
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O parecer de 20 páginas que absolve Requião foi assinado pelo advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, e endossado pelo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), correligionário de Requião. Na introdução da peça, Cascais aponta, entre outras coisas, incompetência do presidente do Senado em analisar o caso, quando o correto é que o caso seja protocolado no Conselho de Ética.
O argumento é meramente burocrático, uma vez que nem o próprio Sarney poderia ter determinado encaminhamento da representação àquele colegiado. Nem o Conselho de Ética nem a Corregedoria do Senado sequer estavam instalados à época, em uma situação que inviabilizaria, de acordo com a justificativa do advogado-geral, qualquer representação por quebra de decoro.
Também subscrito pelos advogados do Senado Fernando Cunha e Hugo Souto Kalil, o parecer alega a “ilegitimidade ativa” do sindicato para “deflagrar processo político-administrativo disciplinar”. Também foram vistas por Cascais irregularidades na representação, bem como “narração deficiente dos fatos” e ausência de “elementos probatórios” que a justificassem. Com base em “precedentes do Supremo Tribunal Federal”, o advogado negou por fim que a peça processual preenchesse requisitos de admissibilidade.
“O sindicato representante imputou ao senador representado (Roberto Requião) apenas os seguintes fatos: apropriação indevida de aparelho gravador utilizado pelo jornalista; ameaça de agressão física com o dizer ‘você quer apanhar?’, e chacota pública do profissional na Internet, ao chamá-lo de ‘engraçadinho’”, diz trecho do parecer, segundo o qual a subtração do celular e das ameaças não configurariam “agressão”.
Censura e advertência
Na representação, o sindicato sequer pedia abertura de processo por quebra de decoro contra Requião, mas sim que fosse aplicado ao senador advertência e censura, embora o episódio comprove postura inadequada ao Parlamento. A subtração do gravador, segundo relato do repórter ao Congresso em Foco, foi inusitada, uma vez que a entrevista transcorria naturalmente quando Requião recusou responder se abriria mão de sua aposentadoria caso o governo do Paraná adotasse restrições orçamentárias.
“Por que eu abriria mão?”, respondeu Requião, já esboçando contrariedade. “Essa pensão no Paraná existe há 40 anos. Todos os ex-governadores recebem. Recebe a mãe do Beto Richa, que é governador do Paraná; (…). E eu recebo essa pensão porque, durante o governo em que eu chamei de ladrões os que haviam roubado o erário, predado [sic] o patrimônio do estado do Paraná, e como eles não tinham sido condenados, eu passei a ser condenado em multas porque os ladrões ainda não tinham sido condenados em instância final. Estou usando essa pensão para pagar as multas que me foram injustamente impostas”, justificou Requião, para quem o salário de senador é “um bom salário [R$ 26,7 mil]”, apesar de “inferior aos dos servidores de carreira do Senado”.
O repórter então insistiu em saber se não seria o caso de abrir mão da pensão vitalícia em nome do equilíbrio das contas públicas. O que se ouve em seguida é um barulho provocado pela retirada, à força, do gravador das mãos do repórter. “Calma! Não estou mais gravando. Espera aí, deixe-me desligar”, ainda tentou ponderar o jornalista. Em vão.
“Não vai desligar mais porra nenhuma. Vou ficar com isso aqui”, diz o senador, já transtornado. A gravação (confira a íntegra, registra depois pelo próprio senador) é interrompida nesse ponto da conversa, mas o repórter diz que muito ainda foi dito ao passo em que o senador se retirava do plenário.
Emitido sem qualquer tipo de publicidade e com arquivamento determinado por Sarney em 18 de maio, o parecer só foi disponibilizado à imprensa depois de pedido feito pelo jornal O Estado de S. Paulo. A decisão sequer foi comunicada ao sindicato. “O silêncio do Senado passa um péssimo recado à sociedade. Apesar do corporativismo encarnado no presidente do Senado, havia alguma esperança de que o episódio resultasse ao menos numa censura pública, como prevê o regimento da Casa”, lamentou ao jornal paulista o presidente do sindicato, Lincoln Macário.
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