O espírito democrático da CDH contrastou com a postura de alguns servidores do Senado logo na entrada dos convidados para a audiência. Além do som injustificadamente interrompido, a recepção da Casa implicou com o quilombola Demerval dos Santos, o “Sumido”, porque ele carregava um pandeiro – instrumento que ele toca desde os oito anos de idade e, segundo ele mesmo disse à reportagem, leva para onde vai.
“Tentaram impedir a entrada do meu pandeirinho dentro de minha sacola. Até no aeroporto eu fui com meu pandeirinho, no mês passado, e não fui barrado. Aqui, eles exigiram que eu tirasse o pandeiro da sacola. Eles disseram que o pandeiro ia ficar lá [em uma das portarias]”, disse Demerval, 63 anos, “nascido e criado dentro do território quilombola de São Francisco do Paraguaçu”, na Bahia.
Demerval disse que, depois de “muito custo”, conseguiu levar seu pandeiro ao auditório da comissão. “Eu ia largar meu pandeiro lá fora, minha cultura? Eu não bagunço em nada na minha vida! Sou um homem honesto, decente. Resultou que eles liberaram, com muito custo. ‘Bote na sacola! Bote na sacola!”, relatou o quilombola, reportando que lhe disseram porteiros da Casa.
Informado pela reportagem que, ao tocar a embolada, o som da TV Senado foi interrompido, ele lamentou, mas pareceu não se importar tanto com a “ignorância” de quem o fez. “Isso se chama ignorância. Eles não reconhecem, não sabem o que é uma cultura. Isso é falta de conhecimento. Este pandeiro aqui faz parte de uma cultura. Eles não conhecem o que é [sic] os movimentos”, concluiu o quilombola.
Elite
Para Capiberibe, a atitude de servidores retrata uma postura elitista. “Criar dificuldade para entrar por causa do pandeiro é um absurdo. É uma atitude preconceituosa da Casa da elite na política brasileira”, reclamou o senador, que não se importou com qualquer manifestação durante a audiência. Com fala transmitida em nível nacional pela TV e pela Rádio Senado, ele lembrou ainda que o episódio não é novidade no Senado. Há alguns dias, disse o parlamentar, policiais legislativos queriam impedir a entrada de índios com adereços tribais.
Iniciativa de Capiberibe, a audiência pública debateu mudanças no seguro-defeso (benefício de pescadores) promovidas por meio da Medida Provisória 665/2014. Foram convidados, além de pescadores, ribeirinhos e quilombolas, a subprocuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat; o secretário-executivo do Ministério da Pesca, Clemeson José Pinheiro da Silva; um representante de Conselho Pastoral dos Pescadores, Raimundo Marcos Sousa Brandão da Silva; e uma representante de Coordenadora da Articulação Nacional das Pescadoras, Josana Serrão Pinto, entre outros (confira a lista completa).
O defeso é o período em que a pesca é temporariamente interrompida para que peixes se reproduzam em determinada época do ano, segundo o ciclo reprodutivo verificado em determinadas regiões. Nesse período, o benefício de caráter socioambiental, que é controlado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), é concedido a pescadores para que eles se mantenham até que possam voltar a pescar. Os proventos são concedidos em dinheiro para os pescadores que têm na pesca sua fonte de renda.
A direção da TV Senado informou ao Congresso em Foco que não interfere no controle de áudio de comissões, auditórios ou plenário. Nessas ocasiões, explicou a TV, o som é controlado pela secretaria dos respectivos departamentos, de acordo com um padrão adotado pela Casa. É costume desses colegiados interromper o som quando há ocorrência de discussões mais acaloradas ou manifestações não autorizadas.