Em mais uma longa sessão deliberativa – a exemplo da que levou, ontem (terça, 6), à aprovação do novo Código Florestal Brasileiro –, o Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (7), por 70 votos a 1 (e sem abstenções), o Projeto de Lei Complementar 121/2007, que regulamenta a chamada “Emenda 29” e estabelece, entre outras disposições, os valores mínimos a serem destinados ao setor de saúde pública por parte de União, estados e municípios. O voto contrário foi da senadora Marinor Brito (Psol-PA). A matéria já havia sido aprovada na Câmara e agora segue para a sanção da Presidência da República.
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Depois da votação do texto-base, os senadores passaram à apreciação dos destaques para votação em separado, apresentados como sugestão ao texto principal. Com a rejeição de requerimento que fixava em 10% das receitas o percentual mínimo de investimento por parte da União, número fixado em projeto de autoria do ex-senador Tião Viana (PT-AC), atual governador do Acre, o que prevaleceu foi a votação do substitutivo aprovado pela Câmara (PLC 121/20007), que não define aumento de taxa mínima para a União (permanecem os 7% atuais) e mantém os números impostos a estados (12%) e municípios (15%) para investimento na saúde.
Sem percentual fixado para a União, o governo garante uma maior fração orçamentária para investimentos em outros setores. Mas, para efeitos de previsão de gastos na saúde, o projeto mantém a regra atual para cálculos dos recursos destinados ao setor, que é o valor empenhado no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos anteriores – diminuindo-se, assim, o total de recursos do governo federal que teria de ficar comprometido com a saúde.
“Dinheiro não nasce em árvore”, declarou Humberto Costa (PE) a certa altura das discussões, seguindo orientação do Planalto contra as medidas onerosas para a União em tramitação no Congresso. A votação de hoje (quarta, 7), aliás, foi garantida graças ao acordo feito entre base e oposição para votar primeiro a Emenda 29 e, em sessão prevista para amanhã, a proposta de emenda à Constituição que prorroga até 2015 a Desvinculação das Receitas da União (DRU), instrumento constitucional que garante o livre uso de 20% do orçamento por parte do governo. Mas o que provocou as discussões mais veementes foi a criação de outro tributo.
Quadro comparativo da regulamentação da Emenda 29 (alterações ao texto original)
Sem novo imposto
Apresentada como destaque ao texto principal, boa parte das discussões girou em torno da criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), mecanismo proposto pelo governo como forma de substituir as alegadas perdas de receita decorrentes da extinção, em 2008, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A oposição conseguiu aprovar destaque que proíbe a criação desse novo imposto para financiar a saúde. A equipe econômica do governo estima em R$ 40 bilhões anuais o déficit de receita antes garantida pela CPMF.
No calor das discussões, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), relator do projeto de lei, percebeu que as orientações governistas não estavam propriamente sob sua responsabilidade. No emaranhado de ditames regimentais, com base e oposição em discordância sobre qual o procedimento a ser seguido em relação à CSS, quem dava as cartas era o PMDB, numa espécie de demonstração de poder no Congresso – as intervenções acatadas eram invariavelmente ditadas pelos líderes do partido e do governo no Senado, respectivamente Renan Calheiros (AL) e Romero Jucá (RR), bem como pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
“Neste momento, eu sou líder de mim mesmo”, reclamava Humberto Costa, ex-ministro da Saúde, orientando voto favorável à aprovação do substitutivo, como queria o governo, e em meio à predominância de peemedebistas durante a votação. “Recomendamos o voto sim, estamos votando favoravelmente à regulamentação da Emenda 29”, emendou Jucá, depois de rejeitado o requerimento da oposição que queria destacar do texto, para votação à parte, o dispositivo que fixa para 10% o percentual mínimo de investimentos na saúde por parte da União.
Comissão do nada
Antes da votação, o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), refutou a tese de que, se a oposição não tivesse conseguido derrubar a CPMF, tributo originalmente criado para custear o setor da saúde, o governo não precisaria brigar contra a fixação da taxa mínima de 10% para a saúde.
“Sem CPMF o governo arrecada muito mais, e isso já está provado pelos números. Nós vamos ter uma receita de R$ 1,5 trilhão até o final do ano, o que é um recorde histórico absoluto. Esse argumento é pobre, o governo não pode afrontar a inteligência das pessoas argumentando falta de recursos, uma vez que tem uma arrecadação monumental”, fustigou o tucano, lembrando que o Canadá, por exemplo, reserva 50% de suas receitas para a saúde. “É preciso destinar pelo menos 10% para a saúde.”
Ele contestou ainda a tese de que a oposição estaria prejudicando o país ao não aceitar a criação de um grupo de trabalho com o objetivo de aprofundar a discussão no Congresso, com vistas a prescindir de um novo imposto para a saúde. “A criação da comissão é para não criar nada. É para embaralhar, enrolar, encenar. Chega de comissão que não resulta em coisa alguma. Já é histórico: quando não quer se resolver uma situação, cria-se uma comissão. A reforma política é um exemplo. Criaram duas para resolver menos ainda – uma na Câmara e outra no Senado”, acrescentando que a oposição aceitaria a criação de um outro tipo de comissão – a da CPI da Corrupção.
Mas se a oposição esperneava, senadores da base alinhavam o discurso e, da tribuna, davam o recado de apoio condicionado ao governo Dilma Rouseff. “Não estou aqui apenas para fazer um discurso de quem conhece a realidade. Mas de alguém que fez na prática, quando governador do Estado do Amazonas, o que preceitua e mais do que o que preceitua a Emenda 29, numa demonstração de que recursos públicos e destinação de recursos públicos são uma questão de prioridade política, de decisão política”, observou Eduardo Braga (PMDB-AM).
Valorização de caixa
Aprovado o substitutivo, o plenário passou a votar dois textos apresentados para a votação em separado. O primeiro dispositivo foi apresentado pela oposição (destaque) para excluir da Emenda 29 toda e qualquer menção à criação da CSS – desde a menção textual (sigla) até a base de cálculo que garantiria a cobrança do tributo extra. Graças ao acordo negociado entre governo e oposição, o destaque foi aprovado, depois de devidamente aberto o caminho para a votação apenas do substitutivo.
A outra votação em separado, de autoria do governo (emenda de plenário), garantiu no texto da regulamentação o uso das verbas do Fundeb (Fundo de Valorização dos Profissionais de Educação) em ações referentes à saúde pública, como é feito atualmente. Assim, governadores e prefeitos mantém a prerrogativa de empregar os recursos garantidos por meio do Fundeb (em tese concernentes exclusivamente à melhoria do ensino público) em empreendimentos de recuperação da estrutura física escolar, por exemplo. A utilização do fundo garantirá a estados e municípios, segundo estimativas oficiais, a destinação de R$ 7 bilhões ao ano para o setor.