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Todos os destaques apresentados ao texto foram rejeitados. Se tivesse sofrido qualquer alteração, a medida teria de voltar para uma última análise da Câmara – o que fatalmente levaria à perda da validade, uma vez que não haveria tempo hábil para que o Congresso a convalidasse. Dessa forma, o pretendido ajuste fiscal do governo ficaria comprometido, com dezenas de bilhões de rombo para as contas públicas, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
A matéria só foi aprovada porque senadores descontentes da base aliada obtiveram do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), o compromisso de que a presidenta Dilma Rousseff vetará a questão referente à concessão de abono salarial. Segundo a medida, em vigência desde 30 de dezembro de 2014, o abono passaria a ser assegurado não mais ao trabalhador com um mês, mas com três meses de atividade comprovada. Além disso, o valor a ser pago seria proporcional ao tempo de trabalho, e não o valor fechado do salário mínimo (R$ 788).
A proposta enfrentou muita resistência dentro da base aliada. Como o Congresso em Foco adiantou no último dia 11, o senador Paulo Paim (PT-RS) garantiu que tentaria promover alterações no texto aprovado na Câmara. Muitos senadores entenderam que o texto da MP é inconstitucional por não manter equiparado o valor do abono ao do salário mínimo, como ficou demonstrado na também apertada votação dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância da matéria, aprovados por apenas cinco votos de diferença (37 a 32).
Líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO) já avisou que seu partido ajuizará ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a matéria, caso Dilma a sancione. “Eu tenho convicção absoluta de que vamos, sem dúvida nenhuma, derrubar essa medida provisória, pela truculência com que o governo quer ‘tratorar’ o Plenário desta Casa”, disse Caiado, que teve seu otimismo frustrado com a aprovação do texto.
O próprio Paulo Paim, referência no Congresso quando o assunto são direitos trabalhistas, disse que irá ao Supremo contra as medidas do ajuste. O petista se disse “desnorteado” e criticou o próprio governo. “Essa foi uma das piores noites da minha vida. O governo está sem rumo e levando o PT junto”, lamentou o senador, para quem “as ruas precisam reagir” à política econômica implementada na segunda gestão Dilma.
Um dos responsáveis pela articulação da medida, Delcídio Amaral já havia lembrado que as eventuais mudanças no abono salarial só passariam a valer a partir de 2016, de maneira que não afetariam imediatamente as contas do governo. Nos poucos mais de seis meses até o fim do ano, resignou-se o petista, uma alternativa à economia proveniente das alterações no abono pode ser encontrada.
Para evitar a demora na votação, governistas recusaram defender a medida em discursos, deixando a oposição e descontentes da base se revezar em pronunciamentos contra a proposição. Mas o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), ocupou a tribuna momentos antes da votação para defender as medidas de ajuste, que permitirão à equipe econômica, segundo ele, organizar as contas públicas, conter a inflação e, assim, propiciar a retomada de crescimento do país – nesse sentido, disse o petista, o Congresso deve dar sua contribuição, sob risco de continuar mal avaliado. “Todos falam que a popularidade da presidenta caiu muito. É verdade. Mas ninguém se pergunta qual é a popularidade que o Senado e a Câmara têm perante o povo brasileiro. É muito pior do que a da presidenta Dilma. Muito pior!”, exclamou.
Como fica
Em relação ao texto original da medida, foram alterados os períodos exigidos para a concessão do seguro-desemprego na primeira e na segunda solicitações. No texto aprovado na Câmara e confirmado hoje (terça, 26), o trabalhador deverá comprovar recebimento de ao menos 12 salários nos 18 meses anteriores à data de demissão para fazer a primeira solicitação do seguro. Já no segundo pedido, será exigida a comprovação de nove salários nos 12 meses anteriores. No terceiro, mantém-se a regra atual: comprovação de recebimento de seis salários até o dia da dispensa. Nessa questão de prazos, o governo teve de recuar: a versão original da medida fixava comprovação de 18 salários em 24 meses no primeiro pedido, e 12 em 16 no segundo.
O texto exige ainda que os trabalhadores desempregados, para ter direito ao seguro-desemprego, frequentem curso de qualificação profissional oferecido pelo programa Bolsa-formação Trabalhador, no âmbito do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). Outra possibilidade é cumprimento de curso gratuito na rede de educação profissional e tecnológica, com assiduidade definida em regulamento em ambos os casos.
A medida provisória também pretendia alterar legislação relativa ao seguro-defeso para o pescador profissional. Defeso é o período em que se proíbe a pesca para que peixes se reproduzam, deixando temporariamente pescadores sem sua fonte de renda. O benefício governamental foi criado justamente para auxiliar tais profissionais nesse intervalo de tempo. O governo pretendia elevar de um para três anos o tempo de registro na categoria para que o pescador tenha direito ao abono. Foi mantida a regra vigente antes da edição da medida.
De acordo com o Ministério do Trabalho, o texto original da MP 665 reduziria despesas com seguro-desemprego e abono salarial na ordem, respectivamente, de R$ 30,7 bilhões e R$ 12,3 bilhões. Com as alterações promovidas pelos parlamentares na medida, a equipe econômica terá de refazer os cálculos, quando descobrirá uma redução nessa economia.
Estrume e gritaria
Durante a votação, dezenas de manifestantes, a maioria ligada à Força Sindical, interromperam a sessão deliberativa por mais de uma vez, aos gritos de protesto. Três manifestantes foram retirados do local pelos policiais legislativos – duas mulheres e um homem, que usava uma camisa com frase a favor da intervenção militar (foto).
Muitos dos sindicalistas exibiram máscaras da presidenta Dilma Rousseff com chifres e, sem atender ao apelo da Presidência do Senado por silêncio e ordem, quase foram também obrigados a deixar as galerias superiores do palco das decisões legislativas. Apesar de o regimento interno proibir manifestações de visitantes em plenário, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se diz contrário às medidas de ajuste, contemporizou e determinou algumas vezes a suspensão da sessão por minutos, quando os discursos ficavam inaudíveis em meio ao barulho. Depois de alguma conversa com as lideranças do movimento, a sessão foi reiniciada.Antes da confusão na sessão deliberativa, manifestantes abriram um saco com estrume e espalharam o conteúdo na garagem de um dos acessos ao prédio do Senado. O mau cheiro foi sentido por servidores da Casa em diversos pontos, como o comitê de imprensa e as entradas subterrâneas que dão acesso ao plenário.