Em meio a nova rodada de protestos, o Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (22) a Medida Provisória 540/2011, que reúne oito assuntos diversos de seu propósito original, razão pela qual esse tipo de instrumento legislativo tem recebido cada vez mais apelidos (entre eles “colcha de retalhos”, “guarda-chuva”, “jaboti” e “ornitorrinco” – único mamífero ovíparo existente, o animal semi-aquático possui bico de pato, nadadeiras, pelos e cauda). Entre outras disposições, a medida institui o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (Reintegra), com o objetivo de restituir valores referentes a custos tributários residuais existentes nas respectivas cadeias de produção. A MP 540 compõe o Programa Brasil Maior, conjunto de ações de estímulo à economia lançado pelo governo em agosto.
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Como foi alterada na Câmara, onde passou a conter 52 artigos (reduzidos para 49 pelo relator no Senado), a matéria passou a tramitar como Projeto de Lei de Conversão 29/2011, onde recebeu relatoria do senador José Pimentel (PT-CE), e agora segue para sanção presidencial. Mas o líder do DEM na Casa, Demóstenes Torres (GO), já avisou que seu partido “certamente” contestará a proposição no Supremo Tribunal Federal, que tem acolhido ações oposicionistas nesse sentido (confira o texto aprovado pelos senadores).
O parlamentar goiano reclamou do fato de o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), ter prometido a rápida tramitação, naquela casa, da proposta de emenda à Constituição que muda o rito de tramitação das medidas provisórias – o texto proíbe, entre outros pontos, que a mesma MP reúna assuntos diversos. Aprovada por unanimidade pelos senadores em 16 de agosto, a medida foi imediatamente encaminhada à Câmara e, após reuniões seguidas entre Maia e senadores de vários partidos, sequer foi pautada para votação.
“Honrar as calças”
Dirigindo-se ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), autor da PEC das MPs (confira a íntegra da PEC 11\2011), Demóstenes desferiu palavras duras contra Marco Maia. “Queríamos cobrar de vossa excelência que pressionasse, mais uma vez, o presidente da Câmara, para ver se ele cria vergonha na cara e honra o compromisso dele, honra as calças que ele veste, para colocar em votação a proposta de que vossa excelência é o primeiro signatário, e que foi relatada aqui pelo senador Aécio Neves [PSDB-MG]”, fustigou Demóstenes, anunciando voto contrário à MP, a ação no STF, e lembrando da palavra empenhada pelo petista em acelerar a votação da PEC. “O deputado federal Marco Maia, presidente da Câmara, não honra seus compromissos.”
Demóstenes mencionou a própria ementa da MP para demonstrar o excesso de assuntos desconexos na matéria – o texto introdutório, além da menção inicial ao Reintegra, ainda “dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados à indústria automotiva; altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona”, e menciona nove leis, uma medida provisória e um decreto de lei alterados pela MP aprovada hoje (terça, 22).
Os ataques a Marco Maia e ao “agachamento” do Congresso, por ter suas prerrogativas legislativas substituídas pela emissão de MPs, prosseguiram com um dos mais antigos representantes do PMDB. “Uma pessoa como essa não pode presidir a Câmara dos Deputados, nem o Senado pode ficar omisso”, fustigou Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), antes de apontar a suposta inconstitucionalidade da matéria e chamar de “sem-vergonhice” o atual rito de medidas provisórias.
A medida
Além de instituir o Reintegra, o texto também prevê a diminuição do prazo para aproveitamento do crédito do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na compra de máquinas e equipamentos, bem como a redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para produção de veículos com conteúdo nacional.
Também fica autorizado o uso de verbas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para obras de infraestrutura, como rodovias e aeroportos. Mantida pelos senadores, a intervenção da Câmara no texto original levou à inclusão de empresas de transporte público coletivo urbano na regra para contribuição previdenciária sobre a receita bruta, com alíquota de 2%. Já para os setores intensivos de mão de obra a alíquota é de 1,5% sobre a receita bruta, enquanto que, para os setores de tecnologia da informação, o percentual é de 2,5%. O setor moveleiro pediu ao relator para ser retirado da desoneração da folha, e foi atendido pelo relator naquela Casa, Renato Molling (PP-RS).
Mas há outros pontos controversos na proposição. Por exemplo os artigos 48 e 49 da MP, que dispõem sobre “normas relativas a produtos fumígenos” (cigarros de tabaco, rolo, etc), alterando a legislação sobre o setor. O texto sugere “a não incidência da taxa [de Vigilância Sanitária] nos casos de exportação de fumígenos”, bem como inviabiliza o “uso de produtos fumígenos em área destinada exclusivamente a esse fim”. Ou seja, a MP extingue os chamados “fumódromos”, que “deixam de ser uma opção” aos fumantes em locais públicos e estabelecimentos comerciais, vedando-se o fumo em recinto coletivo fechado.
Ainda com referência aos fumígenos, a MP altera a legislação de maneira a permitir a propaganda comercial de fabricantes de cigarro (e não do produto em si) em veículos de comunicação ou mostruários públicos, “com exceção apenas da exposição dos referidos produtos nos locais de vendas, e desde que acompanhada das cláusulas de advertência”.
“Um retrocesso profundo, 180 graus na política”, reclamou com veemência Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), dando “graças a Deus” por já ter parado de fumar. “Quando se alardeia as virtudes de uma marca, se alardeia as virtudes do cigarro, exalta-se as excelências do produto.” Os oposicionistas tentaram ainda derrubar esse ponto do texto em destaque de plenário, mas os governistas impuseram a maioria e rejeitaram o dispositivo por 38 votos a 14.
Cavalos
No artigo 23, que versa sobre “contribuição sobre apostas em competições hípicas das entidades turfísticas”, o texto da MP ainda fala no desenvolvimento das atividades ligadas à equideocultura (criação de equinos). É proposta a isenção, para entidades turfísticas que exploram apostas sobre corridas de cavalos, da “contribuição interventiva mensal” sobre prêmios pagos por entidades do setor.
“Nos últimos anos, por um lado, a arrecadação tem sido ínfima, pois muitos jóqueis-clubes deixaram de recolher, por incapacidade de pagamento. Por outro lado, a atividade de criação de cavalos de corrida adquiriu independência em relação aos órgãos governamentais”, diz trecho da MP, lembrando que atualmente a principal receita de “criadores e outros profissionais do setor turfístico” são os prêmios pagos por entidades do turfe – o que, ainda segundo o artigo 23, “significa a valorização do mérito esportivo e do espírito competitivo”.
“Assim, não mais se justifica que a contribuição incida sobre o valor bruto das apostas, ou seja, sobre o valor dos prêmios pagos aos criadores e aos profissionais, assim como aos apostadores”, conclui a medida provisória, em vigor desde seu envio ao Congresso, em 3 de agosto deste ano.