A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou, mais uma vez, nesta quarta-feira (29), a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC 10/2022), que permite a comercialização do plasma humano para o desenvolvimento de novas tecnologias e produção de medicamentos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A PEC seria votada CCJ na semana passada, mas teve sua apreciação adiada, o que voltou a se repetir nesta quarta. Após aprovado no colegiado, o projeto será encaminhado para votação no plenário da Casa.
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A PEC 10/2022 foi apresentada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), com a argumentação de que, no Brasil, há um alto desperdício de plasma humano, baseando-se nos dados solicitados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público (MP) ao Ministério da Saúde. Os dados demonstraram que desde 2017 foram perdidos 597.975 litros de plasma no país, o equivalente ao material coletado em 2.718.067 doações de sangue.
“Outro ponto importante é que, com a pandemia, a coleta de plasma apresentou queda em nível mundial, inclusive nos Estados Unidos da América e em alguns países da Europa que são os maiores coletores do mundo. Diante desse contexto, propomos um aprimoramento no texto da Constituição Federal, no intuito de possibilitar a atualização da legislação brasileira no que diz respeito à coleta e ao processamento de plasma sanguíneo”, afirmou Nelsinho Trad.
O texto da PEC está sob a relatoria da senadora Daniella Ribeiro (PSB-PB), que apresentou um substitutivo que permite a comercialização do plasma humano. A comercialização de órgãos é proibida pela Constituição Federal, assim como é a venda de qualquer órgão humano.
PublicidadeEm seu texto substitutivo, a senadora defende que a comercialização do plasma, usando a argumentação de que Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), criada em 2005, não consegue produzir medicamentos hemoderivados em quantidade suficiente para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Devemos lembrar, ainda, que grandes investimentos foram feitos no País, tanto para a fabricação de derivados do plasma – por meio da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), criada em 2005 –, quanto para viabilizar o desenvolvimento de tecnologia recombinante, destinando recursos para pesquisa por instituições científicas brasileiras. Todavia, até hoje não se conseguiu produzir hemoderivados na quantidade de que os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) necessitam”, escreveu Daniella Ribeiro.
Ainda no relatório, a senadora afirma que se o setor privado participar, o Brasil poderá atrair investimentos externos e se tornar um exportador de medicamentos advindos da exploração do plasma.
“Por esses motivos, o País tem muito a contribuir produzindo medicamentos derivados do plasma, de maneira que possamos atrair mais investimentos nesse setor e ter a possibilidade de exportar medicamentos aos países vizinhos. Para isso, precisamos, também, que seja permitida especificamente a comercialização desses produtos, o que ainda é vedado pela Constituição Federal, de forma genérica, pelo § 4o do art. 199”, registrou a relatora.
O senador Humberto Costa (PT-PE) declarou-se contra o projeto. Para ele, esta é uma prática “atentatória à dignidade humana e um retrocesso inaceitável para o país”.
“Como consequência imediata, teremos um esvaziamento da nossa Hemorrede, cuja própria sustentabilidade ficará ameaçada, porque resta evidente que as pessoas preferem a doação remunerada ou mediante compensação somente do plasma, por meio da plasmaférese, à doação convencional do sangue total, pelo qual garantimos efetivamente a vida humana. Ou seja, esvaziarmos, assim, os estoques dos bancos de sangue”, disse o senador.
O Ministério da Saúde já se opôs à comercialização do plasma humano. Segundo o governo, a venda do componente sanguíneo não resultaria em acesso aos medicamentos à população de baixa renda, podendo provocar um grande desfalque no banco de sangue e ainda prejudicar o desenvolvimento da Hemobrás.
“A PEC aprofunda tudo que a gente não quer no momento atual: um modelo baseado na extração de recursos naturais. Com a aprovação dessa proposta, correremos o risco de extrair o sangue da população brasileira para ser comercializado fora do Brasil. Isso é inaceitável, porque o que eu vi aqui em Pernambuco, na Hemobrás, é que nós temos capacidade tecnológica para gerar conhecimento e tecnologia, baseados em uma ação solidária de doação de sangue”, reforça o secretário Carlos Gadelha.
De acordo com a PEC, as empresas privadas poderão ter maior concentração do estoque de sangue disponibilizado para oferta comercial. Dessa forma, o risco é que os procedimentos sejam destinados apenas para aqueles que puderem pagar por transplantes de sangue e medicamentos à base de plasma. Além disso, a desestruturação da cadeia de suprimentos na rede pública pode impactar na capacidade de oferta de sangue para regiões mais remotas e até em grandes centros – inclusive, o sangue coletado no Brasil poderá ser enviado para outros países, desabastecendo o mercado nacional”, afirmou o o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos, Carlos Gadelha.
A Hemobrás se posicionou contra a PEC do plasma, apresentando em seu site 10 argumentos contra a comercialização do material, leia:
- Comercialização do plasma – impacto na doação de sangue
- Retirada de item sobre remuneração do doador
- Destino da coleta privada do plasma – necessário fortalecimento da hemorrede
- Desperdício de plasma excedente pelos bancos privados
- Rota do plasma brasileiro
- Produção e aumento do preço dos medicamentos
- Da capacidade e ampliação da Hemobrás
- Distanciamento do abastecimento prioritário
- Desafio do abastecimento
- Construções para uma nova Política de Sangue
A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia também publicou uma nota se opondo à PEC, assim como o Conselho Nacional de Saúde (CNS).
NOTA DA HEMOBRÁS:
A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, Hemobrás, declara-se contrária à Proposta de Emenda à Constituição – PEC 10/2022, entendendo que a doação de sangue altruísta e voluntária é uma cláusula pétrea que não deve ser alterada, não havendo, assim, espaço para doação remunerada.
Os critérios de triagem de doadores, longe da vinculação comercial, foi uma escolha acertada da Constituinte de 1988 que contribuiu para a segurança transfusional do país.
A justificativa dos defensores da PEC é o não aproveitamento industrial do plasma no período que vai de 2016 a 2020. Essa situação não existe atualmente, pois o beneficiamento tem ocorrido regularmente e os hemoderivados já estão sendo utilizados pelos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
O projeto de pagamento para obtenção de plasma poderá afetar o equilíbrio do sistema transfusional acarretando, por consequência, indisponibilidade de sangue aos hospitais.
A consolidação da indústria nacional de hemoderivados depende do maior fortalecimento da hemorrede e não da reorientação de uma política exitosa que vem sendo implantada nos últimos quarenta anos.
O plasma é componente sanguíneo não uma mercadoria.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também reforçou, nesta terça-feira (29) o seu posicionamento contra a aprovação da PEC 10/2022, informalmente chamada de PEC do Plasma.
A Frente pela Vida, assim como várias outras instituições ligadas à saúde brasileira, também se manifestou contra a comercialização do sangue, segue a nota publicada:
NOTA DA FRENTE PELA VIDA:
Ao autorizar a comercialização de sangue humano, está-se abrindo uma janela para a comercialização de tecidos humanos, o que foi proibido na Constituição Cidadã, aprovada em 1988. Em um tempo passado e sombrio, a crise econômica, desemprego e fome, fazia com que pessoas em absoluto estado de pobreza, vendessem o sangue para aplacar a miséria econômica, reforçando uma outra miséria, a humana.
A Frente pela Vida é contrária à PEC 10/2022, por significar um retrocesso monumental à política atual, para tratar plasma humano e dos hemoderivados como mercadoria.
Para garantir o controle, processamento e distribuição destes produtos pelo estado, em agosto de 2004, foi criada a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás).
A atividade da Hemobrás está inserida na Política Nacional que tem por objetivo garantir autossuficiência do país em relação ao sangue e hemoderivados, e tem suas atividades alinhadas às ações do Poder Público para a atenção hemoterápica e hematológica.
A Frente pela Vida propõe aumento do investimento estatal na Hemobrás, elevando ao máximo sua capacidade de processamento, e ao mesmo tempo, fortalecer a Coordenação Geral de Sangue e de Hemoderivados (CGSH), órgão do Ministério da Saúde encarregado de execução da política de atenção hemoterápica e hematológica conforme a Lei 10.205/2001, chamada, também, de “Lei do Sangue”.
Apoiamos a Carta Aberta do Conass e Conasems, contra a PEC 10/2022 – “Aos Senadores da República Federativa do Brasil Urgente: Em defesa e apoio a Hemobrás e a Política Nacional de Sangue e Hemoderivados”.
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