O Congresso em Foco ouviu servidores de veículos oficiais de comunicação em busca de informações sobre a nova tendência da Rádio Câmara. Por temer represálias, todos pediram para que seus nomes fossem omitidos pela reportagem. Para os profissionais, parlamentares de perfil conservador não concordam que alguns tipos de música sejam veiculados na rádio institucional.
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Um profissional veterano disse ao site que “ordens explícitas” são dadas vetando a transmissão, em determinado horário, de qualquer tipo de samba ou chorinho. “Ele [Cunha] quer que a Rádio Câmara se paute pela valorização dos deputados, em detrimento da instituição. Além disso, eles [deputados da Mesa Diretora] só querem que a rádio toque música elegante. Agora é ‘soft music’”, relata o servidor, com muitos anos de experiência na comunicação da Casa.
Para o profissional, a programação da rádio “mudou completamente”. “A quantidade de música diminuiu bastante. Em qualquer rádio os blocos têm três músicas e, em seguida, propaganda. Agora, durante a atividade legislativa, é um bloco de duas músicas e uma notícia”, informa. O servidor diz ainda que “pílulas” de 30 segundos começam a ser veiculadas com certa frequência a partir das quintas-feiras e, reportando alguma atividade parlamentar, estendem-se pelo fim de semana. “Quem quer ouvir notícia de política no fim de semana?”, questiona.
Desconhecimento
Com acesso a reuniões em caráter reservado, outro profissional veterano – este, da TV Câmara, mas com função atrelada aos trabalhos da rádio – afirmou que o comando da Casa tem feito reuniões com a seguinte pauta recorrente: aumentar a exposição das excelências. Obviamente, diz, as deliberações têm o aval do presidente. “Eles estão interferindo na grade de programação, para ‘tocar’ notícia o dia inteiro. Querem que sejam feitas, preferencialmente, transmissão de comissões, sessões [plenárias] de discursos…”, diz o servidor.
PublicidadeCunha foi instado pelo Congresso em Foco a comentar a ingerência de deputados na programação musical. “Desconheço. Não me meto nisso”, limitou-se a dizer à reportagem. Como número um da cúpula institucional, basta que o peemedebista determine formalmente a não interferência de parlamentares em assuntos técnicos e editoriais da comunicação. Mas o peemedebista tomou o caminho contrário.
Depois de entregar o comando da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Câmara ao deputado Cleber Verde (PRB-MA), Cunha determinou, por exemplo, a veiculação com destaque do programa Câmara Itinerante, em que equipes da TV institucional o acompanham em visitas a assembleias legislativas de estados diversos. Geralmente em companhia de deputados aliados nessas ocasiões, Cunha chegou a ser hostilizado por mais de uma vez por populares, mas mesmo assim garantiu espaço para o projeto em transmissões não só da TV, mas também em veiculações da Rádio Câmara.
Uma servidora que atua tanto na rádio quanto na TV oficiais confirmou ao Congresso em Foco que há ingerência de deputados no conteúdo de programas e no funcionamento dos veículos. Com menção ao processo de integração que a Câmara executou, em 2012, em seus canais de comunicação (rádio, TV, internet), ela lembrou que uma pesquisa feita à época confirmou a preferência do público por música. “É o conteúdo mais ouvido da rádio”, declarou. “Mas eles [membros da Mesa] querem colocar na rádio a presença cada vez maior dos deputados. Divulgar a atividade parlamentar em detrimento da programação cultural.”
Além de Cunha, compõem a Mesa Diretora os deputados Waldir Maranhão (PP-MA), 1º vice-presidente da Câmara; Giacobo (PR-PR), 2º vice-presidente; Beto Mansur (PRB-SP), 1º secretário; Felipe Bornier (PSD-RJ), 2º secretário; Mara Gabrilli (PSDB-SP), 3ª secretária; Alex Canziani (PTB-PR), 4º secretário; Mandetta (DEM-MS), 1º suplente; Gilberto Nascimento (PSC-SP), 2º suplente; Luiza Erundina (PSB-SP), 3ª suplente; e Ricardo Izar (PSD-SP), 4º suplente. Segundo relatos, as decisões sobre temas referentes à comunicação institucional não ficam restritas a esse grupo de 11 deputados.
Revolta
Também insistindo na preservação de sua identidade, um dos profissionais mais antigos da Rádio Câmara disse à reportagem que a postura do novo comando da Casa é “uma irresponsabilidade”. Para ele, a solução para o problema depende do voto dos próprios deputados. Enquanto isso, resigna-se, os trabalhos de natureza técnica continuarão a receber interferência de quem não entende do riscado.
“Isso é uma ‘porralouquice’!”, vociferou o especialista, caprichando no neologismo. “Isso só terá solução quando a Câmara mudar de direção. Trata-se de uma ingerência indevida no trabalho das pessoas. Infelizmente, aqui as coisas são assim”, lamentou.
Quanto à troca de samba e chorinho por jazz e rhythm and blues, o especialista diz que não só eles, os profissionais do rádio, ressentem-se das mudanças. “Isso tem reflexo nos ouvintes. Eles estão acostumados a uma linha de programas devidamente explicada e justificada há anos e anos. Eu acho um absurdo, por exemplo, preencher-se espaços vazios com jazz. A programação é uma coisa artística, tudo tem um critério”, explica.
Quem também lamentou a ingerência dos deputados foi o produtor cultural, compositor e instrumentista Henrique Lima Santos Filho, o Reco do Bandolim. Referência internacional quando o assunto é chorinho, Reco recebeu a informação da reportagem com “espanto e surpresa”. Citando a legislação – e o consequente desrespeito – sobre as emissoras públicas (“São concessões; ninguém é dono delas!”, reclamou), ele diz ver no movimento ameaça ao patrimônio nacional.
Para o artista, a interferência parlamentar na programação cultural é ainda mais greve devido à substituição de estilos tipicamente brasileiros – e logo na Rádio Câmara – por gêneros musicais surgidos no exterior. “Temos que delimitar nosso território cultural, e a música é um instrumento fundamental para isso. Não tem cabimento…”, protestou Reco, presidente do Clube do Choro de Brasília, grupo que reúne a nata do estilo na capital federal desde 1977. “Como é que se pode impedir a divulgação dos nossos músicos?! A sociedade deve reagir veementemente contra tentativas dessa natureza. Não se pode restringir o que, creio, temos de melhor no Brasil, que é o cancioneiro popular.”
Complexidade
Diante das queixas de servidores do setor, a reportagem consultou o diretor-executivo da Secom, Sérgio Chacon, e dele ouviu que, “nessa área, as coisas são muito complexas”. Para Chacon, há algum tempo a discussão sobre o conteúdo da grade de programação evidencia, na Rádio Câmara, a disputa entre música e notícia por espaço nas transmissões.
“Essa história de colocar notícia no lugar de música vem de muito tempo atrás. Isso já foi feito na administração anterior [da Secom], quando a rádio passou a retransmitir vários programas jornalísticos, de debate, que são da TV”, comentou o diretor, referindo-se ao processo de integração dos canais comunicativos da Câmara. “Quando houve essa integração, tirou-se muita música da programação para incluir telejornais, por exemplo, até com inadequação de linguagem.”
Chacon disse desconhecer a informação sobre a interferência de deputados, mas admite que, à medida que o noticiário sobre política avança sobre a programação musical, o público-alvo pode ser afugentado. “Aí não há audiência que aguente. Mas esse negócio de mudar estilo de música eu desconheço. Se está havendo, não chegou aos meus ouvidos. Vou até perguntar”, acrescentou o secretário, lembrando que a maioria dos programadores está há “muito tempo” em suas funções. “Eu ouço a rádio, e não achei que a Rádio Câmara tenha mudado seu estilo. Mas, enfim, se estão lhe dizendo isso…”
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