Oficialmente, as razões para a recusa ao projeto são técnicas: o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) analisou o projeto e apontou diversos problemas em sua execução. O Congresso em Foco procurou então a assessoria do GDF para saber mais detalhes sobre o assunto, e foi encaminhado à Secretaria de Cultura do Distrito Federal. De acordo com o órgão, entre as causas do embargo, a principal é a de que o local não é adequado para receber o memorial.
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A Secretaria de Cultura acatou as recomendações do MPDFT e encaminhou o cancelamento do convênio que viabilizaria a obra. A assessoria de comunicação disse à reportagem que, nos próximos dias, a família de João Goulart será procurada para discutir possibilidades, ocasião em que será procurado um novo local para a construção do memorial. Por meio de nota oficial encaminhada à reportagem (leia abaixo), a Secretaria faz menção à suposta inadequação “de uso do espaço público”.
Mas as razões para o veto de Rollemberg podem ir além da mera formalidade. O espaço reservado para a construção do memorial fica próximo ao Quartel General do Exército, e ocuparia boa parte de uma vasta área gramada entre duas pistas de seis faixas cada, na avenida que liga antiga rodoviária interestadual do DF ao Congresso. A proximidade com o QG soaria como uma provocação: recentemente, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), em visita ao local com o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, ouviu da principal autoridade militar do Brasil a declaração de que o projeto é “uma afronta ao Exército”.
O episódio é descrito em artigo do jornalista Luiz Cláudio Cunha intitulado “Jango, o governador socialista e o general afrontado”. Segundo o texto, Villas Boas disse à senadora: “Este memorial não pode ser construído ao lado do Quartel-General. Isso é uma afronta ao Exército!”, reclamou o general, na visita ao espaço que fica entre a Praça do Cruzeiro, espécie de bairro brasiliense, e o Memorial JK.
Segundo Luiz Cláudio, há uma questão não declarada na decisão de Rollemberg, que passa por uma “aliança hostil formada pelos ex-governadores Joaquim Roriz e José Roberto Arruda e pelo empreiteiro Paulo Octávio Pereira [que foi vice do segundo]”. “No final de 2014, pouco antes de deixar o Ministério da Defesa, […], o então ministro Celso Amorim explicou ao perplexo filho de Jango, João Vicente Goulart, a razão da bronca militar contra o memorial: ‘Esta seta já provocou alguns problemas. Ela está apontada para o QG e seria melhor colocar do outro lado da avenida’, apontou o ministro Amorim”, registra o artigo, na menção à seta vermelha com a inscrição “1964”, ano do golpe (foto ao lado).
A reportagem questionou a Secretaria de Cultura sobre a resistência militar ao memorial e as críticas feitas ao Instituto João Goulart à recusa do governo. A assessoria não se manifestou sobre o assunto, limitando-se à recomendação do Ministério Público.“Segunda cassação”
A postura de Rollemberg desagradou a muitos de seus colegas de Senado, onde o governador exerceu mandato entre 2011 e 2015 pelo PSB – partido que apoiou Jango contra os militares à época do golpe e ao qual está filiado desde 1985. Um abaixo-assinado circula pela Casa com a adesão de 45 senadores contra o que é considerada a “segunda cassação” do ex-presidente da República.
Para o filho de Jango, João Vicente Goulart, a recusa de Rollemberg significa “uma segunda cassação que querem, 51 anos depois [do golpe], impingir novamente a Jango”. “E não são apenas as forças da reação. São, hoje, das oligarquias permanentes que se fantasiam de socialistas e querem, covardemente, amparar-se em um Ministério Público político, manipulável, sofista e com cara de direita cívica que, para esconder seus verdadeiros propósitos, tenta manter seus interesses feudalistas”, reclamou João Vicente, presidente do Instituto João Goulart, em discurso proferido em solenidade de homenagem à memória do pai no Plenário do Senado, em 4 de maio.
Confira no vídeo:
Cerca de quatro anos antes dessa polêmica, um discurso foi feito por Rollemberg como senador, em 25 de agosto de 2011, por ocasião da solenidade que marcou os 50 anos da renúncia do ex-presidente da República Jânio Quadros (1917-1992), em agosto de 1961. A fala foi, na verdade, uma homenagem a Jango. “Era difícil, quase impossível, não dar posse a João Goulart sem mergulhar o País num banho de sangue, numa guerra civil de consequências institucionais, econômicas e sociais imprevisíveis. A maioria dos partidos trabalha por uma saída institucional, o golpe perde força e surge a proposta da emenda parlamentarista. Os golpistas não conseguiram apoio suficiente para alijar João Goulart dopoder. Mas Jango e sua base não reuniram forças suficientes para assumir integralmente e com plenos poderes o governo”, diz trecho do pronunciamento.
Coube ao Instituto João Goulart reunir os recursos necessários para a execução da obra. A entidade conseguiu verbas para iniciar o cercamento do local, por meio de uma campanha realizada na internet. Segundo informação do jornal Correio Braziliense, a secretária-geral do instituto, Verônica Theml Fialho, garante que continuam os esforços para a arrecadação de R$ 18 milhões – montante necessário para erguer o memorial, um prédio anexo e o projeto paisagístico.
Leia a íntegra da nota do GDF:
“A Secretaria de Cultura do Distrito Federal informa que decidiu cancelar o convênio com o Instituto João Goulart. O acordo previa a construção do Memorial João Goulart. O cancelamento atende a uma recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que avaliou a obra como inadequada. Uma das razões está relacionada à destinação inapropriada de uso do espaço público. A Secretaria de Cultura irá retomar o diálogo com o Instituto João Goulart para discutir a possibilidade de destinar outra área – adequada – para a construção do memorial.
Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal.”