Luiz G. Motta*
Uma experiência pedagógica inovadora que acaba com as tradicionais salas de aula, elimina o ensino fragmentado em disciplinas, e exclui as temíveis provas, será implantada experimentalmente na cidade do Paranoá, a 25 km de Brasília, no início do próximo semestre letivo. O projeto, significativamente intitulado ‘Comunidade de Aprendizagem Paranoá’ (CAP), é um empreendimento pedagógico comunitário que pretende envolver toda a população do bairro nos processos escolares, substituindo as disciplinas compartimentadas por conteúdos gerados pelos próprios alunos.
Os assuntos trazidos pelos estudantes transformam-se em projetos individuais ou coletivos, nos quais cada aluno se aprofunda e consolida seu próprio processo de aprendizagem acompanhado de perto pelos tutores.
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O projeto parte da constatação, pelos educadores, que o atual sistema de conteúdos transmitidos de maneira impositiva pelos professores está superado. Os estudantes não têm interesse nos temas, não veem nenhuma relação nem importância dos assuntos transmitidos a eles com a sua própria vida cotidiana, não se motivam nem estudam com alegria. O resultado é um grande desinteresse, evasão escolar, perda de crianças e adolescentes para o sub-emprego, tráfico ou a gravidez precoce.
O projeto da CAP pretende reverter essa tendência, fazendo com que o estudante se aproprie e desenvolva temas que ele mesmo traz de sua vida cotidiana e de seu bairro para o ambiente pedagógico. A partir das demandas, criam-se projetos individuais ou coletivos de interesse dos alunos Os temas da comunidade são transformados em projetos, acompanhados pelos professores-monitores. O coletivo de alunos e professores cria então um roteiro de atividades, oficinas, discussões coletivas e saídas de campo. Fundamentalmente, o que muda é a metodologia de acesso aos conteúdos.
A ideia surgiu do sonho de um grupo de seis indignadas professoras do ensino fundamental do Paranoá. Elas queriam motivar seus alunos para os processos de aprendizagem, queriam vê-los felizes no ambiente de ensino, encontrando na escola um sentido novo que os atraia e motive. O grupo gradualmente se ampliou: hoje, elas já são 20 professoras inquietas. Todas elas serão alocadas na nova escola e se engajarão no projeto. Há muito, elas fazem visitas voluntárias aos pais de alunos e entidades comunitárias para constatar os problemas dos moradores. Dessa forma, conhecer de perto o território onde trabalham, familiarizando-se com as demandas e compreendendo melhor os interesses dos estudantes.
PublicidadeO local de aprendizagem não será um prédio escolar tradicional, com turmas e salas de aulas separadas, mas um grande espaço contínuo comum, onde todos convivem diariamente. Para isso, a Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal arrendou um galpão interligado internamente, que antes era alugado para festas particulares. O projeto está integrado formal e legalmente à política pedagógica da Secretaria de Educação do DF e não abandona os conteúdos, apenas muda a metodologia de acesso e de apropriação deles pelos alunos.
A inspiração para a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá veio da Escola da Ponte, liderada pelo educador português José Pacheco. A Escola da Ponte, uma experiência pedagógica radical em Portugal, advoga que o ensino deve ser um empreendimento comunitário, uma expressão de solidariedade. Pacheco está em Brasília participando da preparação das professoras do Paranoá para a nova experiência. Para ele, ao invés de disciplinas, a escola deve utilizar dimensões existenciais como a linguística, a ética, a lógico-matemática, a físico-química, a identitária, a artística, além das dimensões pessoal e social.
A nova proposta encontrou ressonância na Secretaria de Educação do Distrito Federal. Havia já uma consciência que a escola tradicional não atendia mais ao anseio dos estudantes. Recentemente, um projeto havia instituído os ciclos semestrais no ensino básico. Com a proposta em implantação, o Secretário de Educação do GDF, prof. Julio Gregório, abriu uma oportunidade à nova pedagogia. O Coordenador Regional de Ensino do Paranoá, Prof. Isac Aguiar de Castro, está ultimando medidas para a inclusão inicial de 540 alunos de ensino fundamental que irão colocar em prática a radical inovação, com a assistência das professoras. Professores da Universidade de Brasília estão dando apoio pedagógico e logístico.
Mas o mérito maior da inovação é do grupo das inquietas professoras, que não se conformavam em ver seus alunos desinteressados no repasse automático de conteúdos. Há anos elas brigam por uma educação integral. Agora, com o Comunidade de Aprendizagem do Paranoá, elas terão a oportunidade de colocar em prática uma experiência inovadora e fazer a diferença. Além disso, terão de convencer a comunidade que ela precisa ser parceira. Sem o apoio decisivo dos pais e da comunidade, o revolucionário projeto correrá riscos. Não será fácil, pois a tradição pedagógica vigente é conservadora, estranha inovações radicais. Críticos não faltarão. Disposição e apoio, entretanto, também não faltam. É torcer para que a experiência se consolide e retire a nossa escola da mediocridade que persiste há anos.
* Luiz G. Motta é jornalista e professor-titular da Universidade de Brasilia (UnB)
<< Mãos sujas – o grito dos estudantes na nova ordem educacional
O grande Paulo Freire vive!
Seria uma introdução ao modelo da Finlândia? Lá deu certo, mas a formação dos pais e a cultura do país é muito diferente da daqui. Entendo que para haver evolução tem que experimentar-de mudanças.
Não exatamente, Regina. Na Finlândia tem prova, por exemplo.
Escolas sem salas e sem aulas já são a realidade do Brasil, mas essa abordagem não parece ser a resposta adequada. Este tipo de experimento tem sido feito com estudantes que não se adaptam muito bem ao sistema tradicional escolar, mas duvido que possa ser generalizado. O país precisa de gente alfabetizada, com domínio básico de lógica/matemática e cultura elementar. Os problemas da região e do bairro podem ser incorporados ao eixo curricular mas não constituírem o próprio eixo, a menos que estejam se formando tribos e não cidadãos.
Precisamos apenas de Escola sem Partido para formar uma geração de vitoriosos, ao contrário do que se tem feito em que transformamos uma geração inteira em futuros criminosos. Comecemos pelo começo e então evoluamos conforme a necessidade, mas segundo o ditado inglês: first things first.
Isso vai na contramão daquilo que se adota nos sistemas educacionais mais avançados do mundo. Como isso se compatibiliza com o currículo mínimo nacional, por exemplo? E por qual motivo se considera que as crianças têm capacidade de estabelecer aquilo que devem aprender, tema tormentoso que divide até mesmo especialistas?
É certo que deve haver incentivo a uma educação que gere mais engajamento, mas não ao ponto de a educação ser ditada pelas próprias crianças, apenas com uma orientação cômoda, distanciada e irresponsável dos professores, e sem qualquer critério de avaliação do conhecimento. Por acaso na Finlândia (melhor educação do mundo) não existem provas? Não existe um currículo a ser seguido? Espero que as autoridades responsáveis barrem essa insanidade.
Coitadas dessas crianças que terão a própria educação submetida a um experimento temerário. E não se pode falar em mérito do projeto, já que sequer foi implantado e não mostrou nenhum resultado positivo para que se possa chegar a essa conclusão.
Você já leu algo sobre a educação na Finlândia? Parece que não. Lá eles passam menos tempo nas escolas, as férias duram mais, poucos deveres de casa e não há provas. Sem contar que recentemente ele vêm trabalhando com o método de aprendizado focado em projetos. Vá estudar seus argumentos antes de bostejar sobre um projeto tão maravilhoso a ser implantado por aqui. Todo apoio ao CAP, que consigam destruir os preconceitos e colocar uma educação mais crítica em pauta!
Não sei que tipo de frustração pessoal desconta aqui, para ser grosseiro desse jeito.
Sugiro exatamente o mesmo que me propôs: estude o tema, antes de aderir cegamente a qualquer promessa utópica.
A propósito: na Finlândia tem prova sim, de onde tirou que não?
Isso mesmo, nos padrões da Finlândia onde o adolescente fala ao menos 3 idiomas antes dos 15 anos de idade! Bem lembrado!