Ao justificar a devolução da medida provisória, Renan apontou a “inconstitucionalidade” do texto e fez duras críticas ao que classificou como imposição do Executivo ao Parlamento. “O Poder Executivo, no entanto, ao abusar das medidas provisórias, que deveriam ser medida excepcional, deturpa o conceito mesmo de separação dos Poderes, invertendo os papéis constitucionalmente talhados a cada um dos Poderes da República. Assim, o excesso de medidas provisórias configura desrespeito à prerrogativa principal deste Senado Federal”, argumentou o senador, para quem não há urgência ou relevância a justificar a matéria.
Renan reforçou seu discurso com menção a recentes decisões do governo avalizadas pelo Parlamento. “A inconstitucionalidade dessa Medida Provisória 669 também se revela pela afronta ao princípio da segurança jurídica. Não podemos nos olvidar que, há poucos meses, aprovamos neste Congresso Nacional a Medida Provisória 651, de 2014, que foi sancionada como Lei 13.043, de 13 de novembro de 2014. Essa lei possibilitou a desoneração da folha de pagamento de cerca de sessenta setores da nossa economia. Agora, somos surpreendidos por nova mudança nas regras da desoneração, com o aumento de alíquotas anteriormente diminuídas”, apontou.
Além de contestar questões de mérito da MP, o senador disse ainda que a matéria reúne assuntos estranhos ao seu objeto central – as desonerações na folha –, o que também ensejaria a “injuridicidade” da proposição. “Não fosse apenas isso, a referida medida, ao tratar de temas diversos, tais como aumento de carga tributária sobre as empresas (na forma da mencionada alteração nas alíquotas de contribuição previdenciária sobre a receita bruta), alteração nas normas sobre tributação de bebidas frias e alteração das medidas tributárias referentes à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, padece de injuridicidade, pois desrespeita o disposto na Lei Complementar n° 95, de 1998, especialmente a previsão do artigo 7º, inciso II, que determina que a lei não conterá matéria estranha a seu objeto”, acrescentou.
As regras da MP 669/2015 obedeceriam a fator da “noventena”, prazo de 90 dias entre a edição do texto e sua entrada em vigência, e passariam a valer apenas a partir de junho. Entre outras disposições, a medida aumenta de 1% para 2,5% a alíquota de contribuição previdenciária sobre receita bruta para setores diversos, principalmente o industrial. Empresas prestadoras de serviços terão esse percentual elevado de 2% para 4,5%. O texto também altera legislação para reajustar a tributação de bebidas frias e promover “medidas tributárias” relativas à realização dos Jogos Olímpicos e dos Jogos Paraolímpicos, ambos em 2016. Sete emendas haviam sido apresentadas ao texto principal.
Reação
A decisão de Renan foi anunciada depois de reunião de líderes partidários no Senado, na tarde desta terça-feira (3), e foi vista como mais uma demonstração da aliança “capenga”, nas palavras do próprio senador, que reúne PT e PMDB. Ontem (segunda, 2), o presidente do Senado recusou convite para jantar com a presidenta Dilma Rousseff e a cúpula do PMDB no Palácio da Alvorada, em encontro destinado a aparar as arestas da coalizão. Ao final do anúncio da devolução da MP, o peemedebista passou a receber em plenário diversos apartes sobre sua decisão – obviamente favoráveis, por parte da oposição, e contrários por meio de senadores petistas.
Sem manifestar apoio ou contrariedade, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) lembrou que a devolução da medida vai causar ao governo perdas de cerca de R$ 27 bilhões em perspectiva de receita. “O governo não consegue formular propostas claras, a não ser remendos”, ressalvou o pedetista, apontando as consequências da decisão do colega do PMDB.
Antes, Aécio Neves (PSDB-MG), depois de dizer que Renan “apequena esta Casa” há algumas semanas, pediu a palavra para elogiar a decisão do peemedebista. “Aumentar impostos através de medida provisória talvez seja, do ponto de vista simbólico, a mais grave interferência de um Poder sobre o outro”, fustigou o tucano, antes de ouvir as desculpas públicas de Renan pelo desentendimento de 4 de fevereiro, quando da eleição da Mesa Diretora.
“Dever institucional”
Líder do PT no Senado, Humberto Costa discordou de Aécio e Renan. Para o petista, as medidas são necessárias e vão ter o apoio de sua bancada. “Esta é a Casa em que o debate das medidas provisórias deve-se dar. E aqui quero lembrar algumas que vieram a esta Casa e foram modificadas, com as quais tínhamos divergências em relação ao texto inicial, como o Mais Médicos, a MP dos Portos, a MP do Setor Elétrico. Mas, ao final, não só a base do governo, mas também especialmente o Partido dos Trabalhadores, votou fechado naquilo que foi devidamente acordado”, observou o parlamentar.
Mas foi o primeiro aparte, do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que contestou a decisão de Renan como algo incomum – e, de quebra, escancarou o agravamento do racha entre PT e PMDB. O congressista ironizou o argumento de Renan, que presidiu o Senado nos últimos dois anos, sobre o prazo de vigência da MP (90 dias após edição), que poderia ser substituída por projeto de lei em regime de urgência. Renan alegou ainda ser seu “dever institucional” contestar medidas do Executivo.
“Vossa excelência descobriu isso agora, depois de aceitar todas as medidas provisórias?”, disse o petista, dando do tom da relação entre os partidos. “Se há um problema na relação de um partido com a Presidência da República, devemos discutir esse assunto politicamente, e ter cuidado e responsabilidade com a economia.”