Um dos principais líderes do PMDB nos últimos anos, o senador Renan Calheiro (PMDB-AL) acaba de anunciar sua saída da liderança do PMDB no Senado (leia abaixo a íntegra do pronunciamento). Reiterando as firmes críticas que tem feito, nos últimos meses, à gestão de Michel Temer na Presidência da República, Renan disse que o governo do colega de partido se transformou em um ambiente de chantagens, “perseguindo parlamentares que não rezam a cartilha governamental”. E foi além: disse que o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comanda o país com Temer, mesmo preso e condenado por envolvimento na Operação Lava Jato.
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“Como mudar o pensamento de um governo comandado por Eduardo Cunha, que, mesmo na prisão, seguia influenciando e – os fatos demonstram – até recebendo dinheiro? Até recebendo dinheiro!”, fustigou Renan, referindo-se à acusação de que Temer atuou para comprar o silêncio de Cunha, segundo denúncia em curso no Supremo Tribunal Federal com base na delação premiada do Grupo JBS. O ex-deputado do PMDB foi um dos principais aliados de Temer até ser preso, em outubro passado. Cunha foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão, na primeira das ações a que responde na Justiça.
“Estou me libertando de uma âncora pesada e injusta. Não trairei os trabalhadores e os aposentados, encalçados por uma agenda única, que transfere a carga para os mais pobres porque para isso não fui eleito”, reclamou o senador, aproveitando para reforçar os protestos contra as reformas trabalhista e previdenciária, duas das principais apostas de Temer para tentar superar a mais grave crise de sua gestão.
Publicidade“Não tenho a menor vocação para marionete. O governo não tem credibilidade para conduzir essas reformas exageradas, desproporcionais, que antes de resolver o problema agravam a questão social”, acrescentou, passando a se referir ao próprio Temer e sua “postura covarde”. “Sinceramente, não detesto Michel Temer. Não é verdade o que dizem, longe disso. Longe disso. Não tolero é a sua postura covarde diante do desmonte da consolidação do trabalho. A situação econômica e política do país é gravíssima. Todos os dias vemos o aprofundamento do caos”, vociferou.
Tendência
Renan se antecipou a uma possível mudança de decisão da bancada de seu partido, optando por destituí-lo. Ontem (terça, 27), o Senado presenciou mais uma rodada de troca de farpas contra e pró-Temer entre os peemedebistas Renan e o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), um dos principais fiadores da gestão Temer. Após ameaçar usar a posição de líder do partido para trocar membros da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que vota hoje (28) a reforma trabalhista, Jucá citou acordo feito durante reunião da bancada. Renan, contudo, não alterou nenhum membro do colegiado.
Na sessão plenária de ontem (terça, 27), o senador alagoano não poupou críticas ao governo, como tem feito a meses, e o acusou de ser “influenciado por um presidiário de Curitiba”, referência clara ao ex-deputado Eduardo Cunha. Era a tréplica do alagoano, que rebatia a manifestação de Romero Jucá.
O líder do governo no Senado fez a defesa das reformas do governo após Renan usar seu tempo de fala para criticar a reforma trabalhista, pedindo que o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), tomasse alguma providência em relação à reforma, ou o Senado teria de ver “essa gente fingindo que está governando o país”. Afirmou ainda que Temer, primeiro presidente formalmente denunciado por crime comum no exercício do mandato, não tem legitimidade para governar o país.
Depois que Renan ameaçou fazer trocas de membro da CCJ, que vota hoje (quarta, 28) relatório da reforma trabalhista de autoria do próprio Jucá, o líder do governo não deixou a ameaça por menos. “Estranho essa posição de ele dizer que vai mudar os membros [CCJ], porque nós fizemos uma reunião de bancada e, por 17 a 5, definimos que apoiaríamos a reforma e que as coisas ficariam como estão. Se vossa excelência muda de posição, isso nos dá a condição de mudar também [o comando partidário], porque nós fizemos um pacto, demos a palavra. E a minha palavra vale! Quando eu dou, eu cumpro. Pode chover canivete”, declarou Jucá.
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Leia a íntegra do pronunciamento de Renan:
O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixo a Liderança do PMDB.
Devolvo, agradecido, aos meus pares o honroso encargo que me confiaram e que procurei exercer com a dignidade merecida, sempre orientado pelos objetivos mais permanentes do País.
Ontem mesmo, Sr. Presidente, fiz questão de reiterar o que já havia dito em outro momento. Não seria, jamais, líder de papel, nem estou disposto a liderar o PMDB atuando contra os trabalhadores e os Estados mais pobres da Federação.
Ao povo de Alagoas, tenho uma palavra especial. Estou me libertando de uma âncora pesada e injusta. Não trairei os trabalhadores e os aposentados, encalçados por uma agenda única, que transfere a carga para os mais pobres porque para isso não fui eleito, Sr. Presidente.
Permanecer na função significaria ceder às exigências de um Governo que trata o partido como um departamento do Poder Executivo e optou por massacrar trabalhadores e aposentados, desviando-se do próprio programa partidário.
No Programa do PMDB está o compromisso de que o partido “permanecerá ao lado dos trabalhadores para tornar realidade todas as propostas que impliquem melhoria efetiva do salário real, com aumento de seu poder aquisitivo, independentemente dos benefícios indiretos que possam decorrer da implementação das políticas sociais”.
Quando coloquei o protagonismo do Senado Federal para estender os direitos trabalhistas aos empregados domésticos, o fiz, Sr. Presidente e Srs. Senadores, na linha programática do PMDB, que reconhece “a importância de uma atividade que enlace o partido às bases sociais e aos movimentos populares” e declara que o Partido deseja organizar e representar a grande massa de trabalhadores.
A Constituição Federal, Sr. Presidente, Srs. Senadores, proclama, em seu pórtico, que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e que esses princípios devem pautar a atividade legislativa. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro, até os dias atuais, convivia pacificamente com correntes ideológicas díspares, em seus quadros, e exatamente por isso essa saudável diversidade se tornou a maior agremiação partidária do Brasil.
Os tempos mudaram, Sr. Presidente, Srs. Senadores, e ingressamos num ambiente de intrigas, provocações, ameaças e retaliações impostas por um Governo, suprimindo o debate de ideias e perseguindo Parlamentares que não rezam na cartilha governamental, chegando ao ponto de tentar impedir a discussão e a alteração, aqui no Senado Federal, da chamada reforma trabalhista, enviada pelo Governo para a Câmara dos Deputados e pela Câmara dos Deputados para esta outra Casa do Congresso Nacional.
Estamos diante da degradação do bicameralismo, com a imposição da vontade de uma Casa à outra, sobretudo quando essa vontade é contrária aos direitos das pessoas mais pobres. Cabe-nos aceitar a situação ou reagir a ela.
De minha parte, Sr. Presidente, Srs. Senadores, não tenho a menor vocação para marionete. O Governo não tem credibilidade para conduzir essas reformas exageradas, desproporcionais, que antes de resolver o problema agravam a questão social. Na contraposição entre sociedade civil e Governo desacreditado e contraditório que sacrifica os mais pobres e discrimina regiões, fico com a sociedade civil, que está do lado mais frágil e não pode ser vítima do abuso do poder estatal que já nem pode tanto.
República sem povo, Sr. Presidente, não é república. Governo fundado no embuste, sem compromisso com os problemas sociais, não é governo, não merece esse nome, não pode ser tratado como tal. Reconheço a necessidade de medidas para debelar a maior crise da nossa história. Precisamos, claro, de um plano econômico de emergência.
Ontem, novamente, o Ministro do Planejamento chamou a atenção de todos para a gravíssima crise fiscal que o País atravessa. Defendo reformas, como todos sabem, mas não as reformas encomendadas e destinadas a abolir direitos trabalhistas conquistados a duras penas. Com isso Com isso, não compactuarei, Srs. Senadores. O Brasil – já disse outras vezes – precisa atualizar a legislação trabalhista e a legislação previdenciária, é verdade, mas deve se afastar de reformas sem critérios que atendam apenas ao sistema financeiro e parte do empresariado, ampliando desigualdades e ampliando sofrimentos. Não vejo apenas erros. Não vejo apenas erros, mas, convenhamos, votar a terceirização ampla, geral e irrestrita sem passar pelo Senado Federal, fazer reforma trabalhista sem que o Senado possa alterar uma linha sequer e fazer reforma da previdência para agradar o sistema financeiro, em detrimento das camadas mais pobres da população, é demais, Sr. Presidente, Srs. Senadores. Até o Papa se posicionou contra soluções amargas que punem o trabalhador e acentuam as desigualdades. Mas como mudar o pensamento de um Governo comandado por Eduardo Cunha, que, mesmo na prisão, seguia influenciando e – os fatos demonstram – até recebendo dinheiro? Até recebendo dinheiro!
Entrego a Liderança do PMDB, Sr. Presidente e Srs. Senadores, embora, como Líder, senti-me na obrigação de fazer sugestões, recomendar caminhos e fazer até críticas. Sempre compreendi – e já disse aqui, outras vezes, desta tribuna – que mais ajuda os governantes quem faz críticas – críticas responsáveis, como fiz em algumas oportunidades. Convencido de que o problema para o Governo é o Líder do PMDB, convencido de que o problema para o Governo sou eu, me afasto da Liderança para expressar meu pensamento e exercer minha função com total independência.
Tal qual em 1954, o entorno do Presidente da República apodreceu. Isso é muito ruim, Sr. Presidente, porque contamina a representação popular, medida indistintamente pela mesma régua, reforçando a equivocada e descabida tese de que a corrupção sistêmica atinge a todos os políticos e partidos políticos, indistintamente. Não é verdade! Isso é um exagero, uma mentira! Você tem, na representação política, representantes de todos os lados, mas nós temos também – é preciso que se diga – bons representantes. É por isso que nós devemos proteger esta Casa e as instituições.
No meio daquela canalhice promovida por Sérgio Machado, ex-Senador Sérgio Machado, surgiu uma frase dita pelo Senador Romero Jucá, também ilegalmente gravado.
O ilustre Senador, hoje Líder do Governo no Senado e Presidente interino do PMDB, afirmou ao seu interlocutor que o impeachment não saía porque eu, Senador Renan, tinha certeza de que o Eduardo Cunha mandaria no Governo Michel Temer.
Naquela oportunidade, Sr. Presidente, o meu querido Romero Jucá afirmou ao seu interlocutor que Eduardo Cunha estaria politicamente morto, politicamente morto.
Melhor se fosse assim. Melhor se fosse assim. Ledo engano, Sr. Presidente e Srs. Senadores. Os últimos acontecimentos comprovam a sua total influência no Governo, recompondo lideranças no recesso do Carnaval, nomeando Ministros, dando as ordens diretamente do presídio e apequenando o Presidente, cuja República periclita nas suas mãos.
A propósito dessa influência perniciosa, observo: na última semana, o Governo de Michel Temer foi obrigado, por força de outra atitude atabalhoada, a recuar na iminência da decisão de substituir a Advogada-Geral da União por um nome indicado por Eduardo Cunha, que continua a ter seus olhos e ouvidos no Palácio do Planalto.
Sinceramente, não detesto Michel Temer. Não é verdade o que dizem, longe disso. Longe disso. Não tolero é a sua postura covarde diante do desmonte da consolidação do trabalho.
A situação econômica e política do País é gravíssima. Todos os dias vemos o aprofundamento do caos e começamos a trilhar um preocupante caminho que ao longo da história do Brasil nunca acabou bem, nunca acabou bem. Para construir saídas, a serenidade e a liderança são indispensáveis. A ferocidade destrói pontes e não ajuda a construir caminhos. Desse caldo não surge luz, podando ainda mais a esperança e o futuro.
Ao Parlamento, cabe a missão de defender os interesses do País. E, nesses momentos, é fundamental ter grandeza, não ficar apegado a cargos e a situações ilusórias e passageiras de poder. É indispensável ter um projeto de nação apto a debelar o quadro recessivo, retomando investimentos e restabelecendo a credibilidade do Brasil no mercado interno e no mercado internacional.
Estou convencido de que devemos direcionar nossos esforços para construir um novo consenso com uma agenda alternativa que verdadeiramente possa reverter as expectativas negativas tanto na economia quanto na própria política.
No meio daquela canalhice promovida por Sérgio Machado, ex-Senador Sérgio Machado, surgiu uma frase dita pelo Senador Romero Jucá, também ilegalmente gravado.
O ilustre Senador, hoje Líder do Governo no Senado e Presidente interino do PMDB, afirmou ao seu interlocutor que o impeachment não saía porque eu, Senador Renan, tinha certeza de que o Eduardo Cunha mandaria no Governo Michel Temer.
Naquela oportunidade, Sr. Presidente, o meu querido Romero Jucá afirmou ao seu interlocutor que Eduardo Cunha estaria politicamente morto, politicamente morto.
Melhor se fosse assim. Melhor se fosse assim. Ledo engano, Sr. Presidente e Srs. Senadores. Os últimos acontecimentos comprovam a sua total influência no Governo, recompondo lideranças no recesso do Carnaval, nomeando Ministros, dando as ordens diretamente do presídio e apequenando o Presidente, cuja República periclita nas suas mãos.
A propósito dessa influência perniciosa, observo: na última semana, o Governo de Michel Temer foi obrigado, por força de outra atitude atabalhoada, a recuar na iminência da decisão de substituir a Advogada-Geral da União por um nome indicado por Eduardo Cunha, que continua a ter seus olhos e ouvidos no Palácio do Planalto.
Sinceramente, não detesto Michel Temer. Não é verdade o que dizem, longe disso. Longe disso. Não tolero é a sua postura covarde diante do desmonte da consolidação do trabalho.
A situação econômica e política do País é gravíssima. Todos os dias vemos o aprofundamento do caos e começamos a trilhar um preocupante caminho, que, ao longo da história do Brasil, nunca acabou bem, nunca acabou bem. Para construir saídas, a serenidade e a liderança são indispensáveis. A ferocidade destrói pontes e não ajuda a construir caminhos. Desse caldo não surge luz, toldando ainda mais a esperança e o futuro.
Ao Parlamento cabe a missão de defender os interesses do País e, nesses momentos, é fundamental ter grandeza, não ficar apegado a cargos e a situações ilusórias e passageiras de poder. É indispensável ter um projeto de Nação apto a debelar o quadro recessivo, retomando investimentos e restabelecendo a credibilidade do Brasil no mercado interno e no mercado internacional.
Estou convencido de que devemos direcionar nossos esforços para construir um novo consenso, com uma agenda alternativa que verdadeiramente possa reverter as expectativas negativas tanto na economia quanto na própria política.
Agradeço, Sr. Presidente, sinceramente, aos meus companheiros de Partido, Senadoras e Senadores, pelo apoio e pela confiança. Sou verdadeiramente grato pelos inúmeros gestos de amizade que recebi.
Devolver a Liderança do Partido no Senado e aos meus pares, neste momento, não carrega nem sequer um milímetro de ressentimento. É decorrência da dinâmica política e da minha percepção do momento de passar o bastão para outra companheira ou outro companheiro, que, no que for possível, terá a minha total colaboração.
Reafirmando, Sr. Presidente, meus compromissos com o Brasil e com Alagoas, eu agradeço a todos pela atenção dispensada no momento em que exerci a Liderança do PMDB nesta Casa e no momento também em que assistem ao pronunciamento, escutam, ouvem estas breves palavras.
Eu, mais uma vez, agradeço a todos, especialmente a gentileza de V. Exª.
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