Mário Coelho
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, relator do recurso extraordinário apresentado por Leonídio Bouças (PMDB), votou contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) nas eleições de 2010. A posição do ministro já era esperada, já que ele se posicionou da mesma forma na análise de outros casos envolvendo as novas regras de inelegibilidade na corte. Na leitura do seu voto, ele não entrou em detalhes sobre a violação do artigo 5o, parágrafo 57 da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
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Antes de entrar no mérito do recurso, Mendes sugeriu que a corte aplicasse o princípio da repercussão geral para todos os demais casos de ficha limpa na questão da anualidade. Os demais integrantes do Supremo concordaram. Desta maneira, o resultado de hoje será replicado nos demais recursos que vão entrar na pauta de julgamento. Ou seja, se os ministros decidirem que a lei não altera o processo eleitoral, ela vale para as eleições de 2010 e mantém o indeferimento dos candidatos barrados. Se o entendimento for o contrário, as regras de inelegibilidade só valem para 2012.
Mendes fez um longo relato da jurisprudência do Supremo em casos que, de alguma maneira, tinham a ver com o artigo 16 de Constituição. Para ele, o trecho da Carta Magna é uma garantia para o cidadão eleitor, para o cidadão candidato e para os partidos políticos. “É garantia de um devido processo legal eleitoral”, afirmou. Ele ressaltou que a aplicação da Lei da Ficha Limpa interferiu na fase pré-eleitoral. Na visão do ministro, o processo começa um ano antes, com a filiação partidária. “Se a alteração ocorrer em menos de um ano, pode prejudicar os próprios candidatos e a filiação partidária”, disse.
Durante seu voto, o relator disse que o Supremo tem uma “sólida jurisprudência” sobre a aplicação do artigo 16 da Constituição. Ele prevê que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. No entanto, ele ressaltou que somente em um caso foi analisada a questão da inelegibilidade. Foi em 1990, quando a corte julgou um recurso contra a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90).
Na época, os ministros, por seis votos a cinco, garantiram a aplicação da norma naquele ano. “[Isso aconteceria porque] deixaria um vácuo que não seria permitido pela Constituição”, disse Mendes. Para ele, a tentativa de aplicar a Lei da Ficha Limpa com o mesmo argumento levaria a uma “conclusão oposta”. Mendes opinou no sentido que a interpretação dada pela corrente favorável à aplicação imediata das regras é “totalmente equivocada”.
“Ditadura da maioria não é menos perigosa para a paz social que ditadura da minoria”, disse, citando Hans Kelsen, jurista austríaco. Ele citou a pressão popular para que a matéria tenha sua aplicação imediata validada para o STF. “A corte tem que defender o cidadão contra sua própria sanha, contra seus próprios instintos”, disparou.
Sem recursos
“Ela tem uma conotação que talvez tenha escapado a muitos ditadores”, disse, em referência à alínea L da Lei da Ficha Limpa. A regra prevê que os condenados por improbidade administrativa por órgãos colegiados ficarão inelegíveis por oito anos. Mendes disse não saber se os autores da lei tiveram a intencionalidade de, em alguns casos, passar o limite de 30 anos determinado pelo Código Penal. “Em alguns casos, teremos uma pena perpétua”, analisou. “Não consigo imaginar a intenção. Já é um tema para psiquiatria.”
Argumentos
Para o advogado do peemedebista, Rodrigo Ricardo Pereira, a lei tem objetivos claros e, por conta dela, os direitos constitucionais do seu cliente foram fulminados. “A primeira violação foi do artigo 16”, disse. Pereira afirmou que o processo eleitoral começa um ano antes das eleições, prazo para as filiações partidárias. No TSE, os ministros entendem de forma diferente. Os integrantes da corte superior decidiram que o processo eleitoral começa com as convenções partidárias.
Pereira lembrou que a Lei da Ficha Limpa foi publicada no Diário Oficial da União de 7 de junho de 2010, “três dias antes das coligações”. “Como negar que uma norma publicada três dias antes das convenções altera o processo eleitoral”, questionou. Além disso, ele ressaltou que, no caso do peemedebista, a maior violação é não respeitar o parágrafo 57 do artigo 5o da lei. O advogado criticou as novas regras, classificando-as como “próprias de regime de exceção”. “A lei viola os princípios da Constituição”, finalizou.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, rebateu os argumentos da defesa. No início da sua intervenção, ele disse que a decisão de hoje do STF “trará inevitáveis reflexos na forma com que a sociedade vê o político”. Para ele, as novas regras de inelegibilidade não quebram a igualdade entre as candidaturas, não tendo distinção ente partidos ou viés político. E a sua aplicação em 2010 foi acertada. Ele citou também julgamento feito em 1990 pelo Supremo. A corrente majoritária entendeu que a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90) não altera o processo eleitoral.
Além de ressaltar que as normas, na visão da PGR, estão de acordo com o artigo 16 da Constituição Federal, Gurgel atacou o outro argumento da defesa. Ele afirmou que o princípio da inocência dirige-se a proteção na esfera penal. “A Lei Complementar 135 estabeleceu um critério, como um edital de concurso, e não uma pena”, disse o procurador-geral. Para ele, a moralidade administrativa não pode ser comprometida por “interesses individuais”. No fim, comentou que o MP tem, neste momento, o melhor instrumento em defesa do regime democrático.
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