Laura Tresca e Marcelo Blanco*
No dia 19 de julho de 2016, a juíza Daniela Barbosa de Souza, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias (RJ), determinou o bloqueio no acesso ao WhatsApp em todo o território nacional, privando milhões de brasileiros de se comunicarem pelo aplicativo de mensagens instantâneas mais popular do país. O bloqueio durou até o fim da tarde daquele dia, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a decisão.
A polêmica ordem judicial foi dada sob a justificativa de que o Facebook, empresa dona do WhatsApp, não atendeu a pedidos feitos por agentes policiais para que o conteúdo de conversas entre indivíduos que eram alvo de uma investigação criminal fosse cedido. De acordo com o Facebook, a demanda não era possível de ser atendida pelo fato de que as mensagens eram criptografadas.
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À época, a ARTIGO 19 se manifestou contrariamente à decisão, por ver na medida uma “flagrante violação aos princípios da proporcionalidade que devem nortear as decisões de magistrados”. Para a entidade, os aspectos punitivos da legislação se sobrepuseram aos pontos que visam proteger os direitos de usuários na internet.
Tratava-se, porém, da quarta decisão de natureza semelhante expedida pelo Judiciário brasileiro. Em outras três oportunidades, duas em 2015 e outra em 2016, juízes brasileiros haviam mandado bloquear o acesso ao WhatsApp por motivos similares ao alegado pela juíza Daniela Barbosa de Souza. Em um deles, o bloqueio não chegou efetivamente a ocorrer por conta de uma decisão subsequente expedida por outro tribunal suspendendo a medida.
Para além de causar fortes preocupações entre organizações da sociedade civil que atuam com o tema da liberdade de expressão, essa série de decisões judiciais também gerou movimentações no Congresso Nacional. Desde 2016, ano do último bloqueio do WhatsApp, ao menos 11 projetos de lei (PL) foram propostos tanto na Câmara quanto no Senado com o intuito de regulamentar o bloqueio a sites e aplicativos de internet.
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Não obstante, tais ações no âmbito legislativo também causaram preocupações. Isso porque a aprovação de leis dessa natureza pode suscitar restrições indevidas e graves violações de direitos. Para efeito de comparação, o bloqueio a sites e aplicativos equivale ao fechamento de veículos de imprensa, de acordo com padrões internacionais.
É justamente para refletir sobre a questão que a ARTIGO 19 lançou nessa quinta (7) a publicação “Bloqueios de sites e aplicativos no Brasil – Subsídios ao debate legislativo”. O trabalho busca apontar os principais riscos existentes para iniciativas que visam regulamentar o bloqueio de conteúdo na internet. Traz também uma análise esmiuçada de quatro dos 11 PLs atualmente em trâmite no Congresso, escolhidos por terem a maior movimentação atualmente.
Segundo a análise da publicação, dois dos quatro PLs examinados – o PL 5130/2016 e o PLS 200/2016 – são os que apresentam dispositivos mais sintonizados com os padrões internacionais de direitos humanos, enquanto os outros – o PL 3968/97 e o PL 5204/2016 – configuram sérias ameaças à liberdade de expressão online no Brasil.
Mesmo assim, a ARTIGO 19 vê com preocupação a aprovação de qualquer uma dessas leis e defende que controvérsias jurídicas nesse campo sejam guiadas pela atual legislação. Isso se deve ao fato de que qualquer imposição de bloqueio online já representa, a priori, uma interferência no direito fundamental de todo cidadão de procurar e intercambiar informações.
Dessa forma, a criação de uma lei específica para regular essa prática poderia, a despeito de qualquer boa intenção anunciada, estimular a proliferação de determinações judiciais de bloqueios a sites e aplicativos, o que poria em xeque o respeito ao direito à liberdade de expressão e informação na internet brasileira.
*Laura Tresca é coordenadora do programa de Direitos Digitais da ARTIGO 19; Marcelo Blanco é assessor de projetos no mesmo programa.
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