O Brasil vive um momento político inédito, totalmente diferente de tantos outros que também despertaram o efervescer da sociedade. Em meio às crises econômica, política, institucional e ética por que passa o país, surge também a oportunidade de superar os obstáculos e avançar na direção correta. A esperança que resta ao brasileiro é de uma nova política, na qual não haverá mais espaço para o discurso meramente fisiológico que, aparentemente sob a luz da mudança, negligencia os problemas mais profundos a fim de preservar interesses absolutamente distantes dos republicanos, daquilo que a sociedade almeja e necessita para progredir.
O atual nível de descrença da sociedade nas instituições democráticas e nos seus representantes veio decretar aquilo que já há algum tempo estava escancarado, a falência do nosso sistema político. Apenas uma “reestruturação política” − haja vista que as reformas nessa área são sempre casuais − envolvendo os sistemas eleitoral e partidário será capaz de devolver ao país as condições de retomada do desenvolvimento de forma sustentável e, primordialmente, sem brechas legais que estimulem a corrupção. Ela deve aproximar o cidadão dos governantes, estimular a participação política, ampliar a transparência das ações, gastos e recursos públicos e, essencialmente, fechar o cerco à corrupção.
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Após os sonhos proporcionados pelo desenvolvimento econômico das últimas duas décadas, vemos hoje a dor de uma sociedade que se iludiu com os rumos desse progresso que parecia sólido e duradouro, mas escondia os bastidores das decisões políticas e econômicas que o assumiram como meio de financiar seus projetos de poder. Apesar dessa expectativa momentânea, há muito a sociedade não acredita na política como meio de promoção e regulação do convívio e do desenvolvimento social e econômico.
Enquanto a população assiste aterrorizada aos rumos da Operação Lava Jato, que a cada dia revela ao país um novo escândalo de corrupção, avança no Congresso Nacional, de forma quase silenciosa, uma nova reforma política, feita sem o debate aberto e franco com a sociedade e conduzida por aqueles que desejam manter privilégios e o controle dos partidos políticos. É inadmissível que seja feita de forma a atender interesses individuais daqueles que sempre utilizaram a política como trampolim para o enriquecimento ilícito, fortalecendo os tradicionais partidos e seus caciques, em detrimento dos anseios da população.
A temática não é nova. O debate sobre a reforma política na Nova República sempre esteve na agenda do Congresso. Desde 1985, as mudanças nos sistemas político e eleitoral são debatidas, tomando corpo na Constituição Federal de 1988. Desde então, vêm ganhando capítulos casuais, aqui e acolá, que nada mais são que remendos para tapar os buracos do tabuleiro eleitoral.
O que há de novo é o momento político que se formou com os desdobramentos da Lava Jato e, como ele, duas questões vitalícias para manutenção das oligarquias político-partidárias que dominam as arenas decisórias: suprir o vácuo deixado pelas empresas privadas para o financiamento das campanhas eleitorais e criar condições de elegibilidade dos velhos caciques, hoje réus em decorrência da operação.
Essas duas premissas servem como pano de fundo para as propostas que avançam no Congresso Nacional promovendo mudanças pontuais no sistema eleitoral. Não obstante, uma das razões para a anomalia do nosso sistema são essas alterações fatiadas, as chamadas “Minirreformas”, que atendem a interesses específicos sem olhar o conjunto, deixando de observar os efeitos devastadores que esses retalhos promovem no sistema e consequentemente na organização do Estado.Precisamos de uma reforma que aproxime o cidadão da política, priorizando a participação popular, restringindo as brechas legais que estimulam a corrupção, e não de mais um retalho mantenedor do status quo dos velhos caciques populistas e usurpadores dos cofres públicos.
Os principais pontos debatidos em algumas Propostas de Emenda à Constituição (PEC’s) que avançam no Congresso são: o voto em lista fechada para eleições legislativas, pelo qual o eleitor vota no partido e a sigla escolhe os nomes dos candidatos que a encabeçarão; o financiamento misto das campanhas, permitindo doações de pessoas físicas e recursos públicos do fundo partidário; a cláusula de barreira ou de desempenho; a vedação às coligações nas eleições legislativas; a possibilidade de formação de federações eleitorais aos partidos que não atingirem a cláusula de barreira; o fim da reeleição para cargos executivos e a unificação dos mandatos de cinco anos com coincidência das eleições; a veiculação de propaganda eleitoral paga na internet, dentre outros pontos.
A proposta com tramitação mais avançada adota o voto em lista fechada, ou seja, com o eleitor votando no partido e elegendo os primeiros nomes da lista definida anteriormente pelas legendas, que seria válida apenas nas eleições legislativas de 2018 e 2022. A partir de 2026, valeria o sistema distrital misto, em que a metade das vagas é preenchida por lista fechada e a outra, pelo voto direto nos candidatos distribuídos em distritos.
A lista fechada é o meio que os políticos que hoje estão sendo investigados, processados e até condenados em primeira instância possuem para não só poderem participar das próximas eleições diretas mas, fundamentalmente, para terem condições de se reelegerem. Por isso a proposta avançou rapidamente e, caso aprovada, deve ampliar ainda mais o vácuo existente entre representantes e representados no Brasil.
Uma reforma política que atenda a esses interesses só corrobora o enfraquecimento da nossa democracia e expõe o país a uma nova desconfiança global nas nossas instituições, afastando investidores e prejudicando a retomada do crescimento.
Dados do Instituto Latinobarômetro, que mede o nível de confiança na democracia em 18 países, apontou uma queda de 22%, entre 2015 e 2016, no apoio dos brasileiros a essa forma de governo. Por esse levantamento, apenas 32% da população apoiam a democracia. O resultado é o Brasil na penúltima colocação, à frente apenas da Guatemala (31%).
Outro estudo importante para medirmos o grau de confiança em nossas instituições é o índice de “fragilidade” global do Fundo para a Paz (FfP), que mede a estabilidade política de 178 países. Por ele, a estabilidade do Brasil (embora de uma base muito maior) se deteriorou duas vezes mais rápido que a da Venezuela em 2016, no rol dos países mais instáveis politicamente.
Por mais distantes que os brasileiros estejam da política neste momento de falta de credibilidade, o maior atentado que se pode fazer à nossa jovem e instável democracia é o afastamento das pessoas de bem da política. É chegada a hora de o amor ao Brasil falar mais alto do que os interesses individuais e corporativos, e que o clamor de um povo soberano ganhe voz em uma verdadeira reestruturação do sistema político brasileiro.
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