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Embora a única manifestação contrária a Janot durante a sabatina tenha sido a de Collor, a assessoria da CCJ informou que foram validados os votos de todos os senadores de seu bloco, e só eles poderiam ceder lugar para que Collor votasse na sessão. Como a votação é secreta, não há informação disponível sobre quem votou contra a indicação.
Como este site mostrou mais cedo, dez senadores alvo da Lava Jato estavam aptos a participar da sabatina, mas apenas oito deles são titulares, com direito a voto. Isso permite dizer que, na hipótese de que um deles seja o responsável pelo voto contra, outros sete investigados votaram a favor de quem lhes pode, eventualmente, denunciar ao STF.
Vendeta
Em sua inquirição, Collor acusou Janot de omitir em seu currículo o fato de ter advogado quando era subprocurador da República, de contratar sem licitação uma empresa de comunicação na Procuradoria-Geral da República (PGR) e de ter alugado indevidamente, como estrutura à disposição da PGR, uma casa de 1.226 metros em área nobre de Brasília. Os ataques foram adiante. Collor afirmou ainda que Janot abrigou em sua casa, em Angra dos Reis (RJ), em 1995, um irmão contraventor procurado pela Interpol.
O procurador não se acuou e partir para o contra-ataque, demonstrando irritação com a última questão apresentada pelo desafeto. “Quanto à questão levantada de uma pessoa que seria um contraventor, essa pessoa a que o senador se refere é meu irmão. Enquanto membro do MPF [Ministério Público Federal], tenho impedimento legal de atuar em casos de parentes”, afirmou Janot.
Em seguida, explicou que seu irmão faleceu há cinco anos e foi acusado de ter cometido um crime na Bélgica. “Eu não vou me referir a esse episódio em respeito aos mortos. Não participarei dessa exumação pública que se quer fazer de um homem quem nem sequer pode se defender”, retrucou o procurador-geral – a certa altura exasperando-se com o interlocutor, que fazia colocações em cima da fala do sabatinado. “Eu queria meu direito à manifestação. Vossa excelência não me interrompa, então!”
Em seguida, Rodrigo Janot rebateu as demais acusações feitas por Collor. Primeiro, negou ser um “vazador contumaz”. “Eu sou discreto, não tenho atuação midiática”, afirmou. “Não foi vazamento. O que houve foi uma especulação enorme. Alguns meios de comunicação deram a chamada ‘lista do Janot’. Alguns acertaram nomes, outros erraram nomes. Não se vaza nome errado. A lista não é do Janot, é dos colaboradores [delatores]”, respondeu.
O procurador admitiu ter advogado para uma empresa chamada Orteng, mas disse não haver qualquer ilegalidade no exercício dessa função. Ele ressaltou que a Constituição de 1988 considerava compatível, àquela época, que promotores e procuradores com funções no Ministério Público atuem ainda hoje como advogados, nas esferas pública ou privada.
Domínio do fato
Como é praxe, o sabatinado falou sobre diversos assuntos ensejados pelos senadores, desde o modelo de escolha do indicado à PGR, por meio de lista tríplice do próprio Ministério Público, até sobre a natureza legal das delações premiadas. Mas o tema que norteou a maior parte da sessão foi mesmo a Operação Lava Jato, em que petistas e tucanos se revezaram em acusações mútuas.
No começo da sessão, Alvaro Dias (PSDB-PR), o segundo senador a questionar Janot, cogitou a possibilidade de estar em curso um “acórdão” entre lideranças políticas investigadas na Lava Jato e a Presidência da República, com o aval da PGR. Mesmo com a ressalva de que não acredita na hipótese, o tucano quis ouvir Janot sobre o assunto. Para o procurador, trata-se de “ilação impossível”.
“Não há qualquer possibilidade de acordão. Todo material colhido nas investigações é aberto a qualquer cidadão e pode ser escrutinado pela sociedade. Ainda que eu quisesse, tenho 20 colegas que trabalham nessa questão e um grupo de delegados muito preparados. Eu teria que ‘combinar com os russos’. É uma ilação impossível”, ponderou.
Nesse sentido, o senador Aloysio Nunes (PSDB-PR) também provocou Janot a esse respeito, e recorreu à teoria do domínio do fato para mencionar o ex-presidente Lula. Segundo essa tese, o acusado por eventual crime pode não ter praticado a infração penal diretamente, mas delegou a tarefa a subordinado, passando à condição de autor. Para Janot, seja qual for a natureza do comando dos ilícitos na Lava Jato, ela não dispensa provas de seu cometimento, e o líder do esquema ainda é procurado na investigação.
“Quem deu poder a Dirceu foi Lula. Quadrilha sem chefe não existe. Quem empoderou essa gente está ileso”, discursou Aloysio, referindo-se ao ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, condenado no mensalão com base na tese do domínio do fato.
Guerra declarada
Único senador denunciado até o momento depois de investigação da Lava Jato, Collor é o maior desafeto de Janot entre os alvos da operação. Como demonstração dessa animosidade, o ex-presidente chegou ao ponto de manobrar para participar da sabatina. Como líder do partido, ele chegou a anunciar que, como líder, destituiu Douglas Cintra (PTB-PE) da suplência da Comissão de Constituição e Justiça para ocupar a vaga do colega de partido, na semana passada. No entanto, o voto de Collor não foi considerado no resultado final.
Collor é acusado de ter recebido R$ 26 milhões de corrupção por contratos na BR Distribuidora, uma das subsidiárias da Petrobras. Pedro Paulo Leoni Ramos, que foi ministro do ex-presidente, e outros três funcionários do senador também foram denunciados. Caberá aos ministros do Supremo Tribunal Federal decidir se aceitam a denúncia. Caso o pedido de Janot seja acolhido pelo ministro relator, Teori Zavascki, eles começarão a responder a ação penal, ou seja, passarão à condição de réus e serão julgados.
Na última segunda-feira (24), o senador chamou Janot de “sujeitinho à toa” e “fascista”. O petebista já xingou Janot de “filho da puta” em plenário. Hoje (quarta, 26), Collor foi flagrado proferindo novos xingamentos ao procurador-geral. Com recomendação positiva ou negativa, o parecer da CCJ será encaminhado à tribuna do Senado para apreciação dos senadores.
Quem é
Rodrigo Janot tem 58 anos, é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Direito pela mesma instituição e especialista em Direito do Consumidor e Meio Ambiente pela Escola Superior de Estudos Universitários de S. Anna, na Itália. Foi secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça durante o governo Itamar Franco (1930-2011). O procurador-geral também dirigiu a Escola Superior do Ministério Público da União e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
“O indicado é autor de artigos intitulados ‘Le point de vue Du Ministère Public: les particularités du Ministère Public brésilien’,publicado no volume 395, de 2006, da Revista Petites Affiches, na França; e ‘O Caso Embraer’, publicado no volume 3, de 1993, da Revista Atualidades Jurídicas, em Belo Horizonte”, registra trecho do parecer do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).