A entrega do principal prêmio literário da língua portuguesa, o Camões, foi marcada por críticas ao governo Michel Temer e vaias ao ministro da Cultura, Roberto Freire, que respondeu com ataques ao agraciado, o escritor paulista Raduan Nassar. A cerimônia foi realizada nesta manhã, no Museu Lasar Segall, em São Paulo. Autor de obras como Lavoura arcaica e Um copo de cólera, Raduan foi o 12º brasileiro a receber o prêmio, no valor de 100 mil euros, concedido pelos governos do Brasil e de Portugal.
Em seu discurso, Raduan Nassar não poupou críticas ao governo Temer, ao ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, ao Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público. O escritor disse que o país sofreu um golpe e que não é possível ficar calado. E citou uma série de fatos que, segundo ele, “configuram por extensão todo um governo repressor”. Roberto Freire não gostou das críticas e sugeriu que Raduan devolvesse o prêmio por não considerar legítimo o atual governo. Aos gritos de “fora, Temer”, o ministro foi vaiado e bateu boca com manifestantes.
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Sob vaias da plateia, Freire afirmou: “É um adversário recebendo um prêmio de um governo que ele considera ilegítimo. Quem dá prêmio a adversário político não é a ditadura! Permitimos que o agraciado dissesse o que quisesse e imaginasse. Lamentavelmente, o Brasil assiste hoje a pessoas da nossa geração, que podiam dar testemunhos da sua experiência, que viveram um golpe verdadeiro, dando o inverso de todo esse testemunho”, disse o ministro.
Em vídeo, o discurso de Raduan:
Em vídeo, o discurso de Roberto Freire
Abaixo, a íntegra do discurso de Raduan:
“Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.
Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.
Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado!
Não há como ficar calado.
Obrigado”
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