O plenário 10 da Câmara dos Deputados virou palco de uma manifestação contra a censura na tarde desta quarta-feira (18). Artistas e manifestantes se uniram a deputados da oposição, que convocaram um seminário para discutir o artigo 5º da Constituição Federal, para denunciar ataques à liberdade de expressão e pedir que o governo respeite os direitos fundamentais dos cidadãos. Uma figura, contudo, chamou a atenção dos presentes. É o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, que disse ter ido ao seminário por considerar uma prática de censura a decisão do governo federal de questionar os dados apresentados pelo Inpe sobre o avanço do desmatamento da Amazônia.
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“Eu trago um aspecto distinto de censura. A censura que estamos acostumados, desde o regime militar, que também vivi, é a pré-censura, mais voltada à área cultural. Mas hoje estamos vendo, principalmente neste governo do presidente Bolsonaro, uma censura distinta, que é o negacionismo de resultados científicos”, explicou Ricardo Galvão em entrevista ao Congresso em Foco, sendo taxativo ao dizer que a discussão que provocou a sua demissão do Inpe foi “certamente um tipo de censura”.
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Ricardo Galvão argumentou que hoje os governantes têm outros meios para censurar e questionar dados que lhe incomodam. “Em vez de proibir a publicação de resultados, eles usam fortemente as redes sociais para negar os resultados”, afirmou, dizendo que percebeu e contestou esse problema desde o início do governo Bolsonaro, muito antes da discussão que se tornou pública em torno do desmatamento na Amazônia. “Há muitos participantes do governo que têm boa formação científica e cultural e valorizam a ciência e cultura. Mas certamente há um círculo próximo do presidente da República que tem um comportamento claramente autoritário e obscurantista”, revelou o ex-diretor do Inpe.
Galvão disse ainda que, desta forma, o governo está atacando a ciência e levando o país a “uma situação que vai ser muito perigosa no futuro”. “Fui exonerado pela maneira contundente com que eu respondi o presidente da República e eu, naquela ocasião, eu teria que ter feito aquilo mesmo porque ele fez um ataque ignóbil à ciência”, afirmou com tranquilidade Ricardo Galvão, dizendo que a sociedade de fato precisa ficar alerta e cobrar soluções para o avanço das queimadas na região amazônica porque o problema é sério.
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Apesar de ter sido demitido do Inpe, Ricardo Galvão tem sido convidado para fazer muitas palestras sobre a crise ambiental na Amazônia, inclusive no exterior. No próximo mês, por exemplo, ele vai à França e aos Estados Unidos debater o tema. “Pelo menos esta ação forte que eu tive acabou rendendo bons frutos para o país, porque chamou atenção do mundo todo para a questão da Amazônia”, concluiu Galvão, dizendo que ficou muito feliz na semana passada quando uma senhora se dirigiu a ele no metrô de São Paulo, onde voltou a lecionar, para falar da Amazônia. “Ela me abraçou e disse: agradeço muito pelo que o senhor fez, porque a Amazônia para mim era um matinho muito distante da minha casa, mas agora estou ciente da importância da preservação e estou atuando fortemente no meu círculo de amizade para essa questão do meio ambiente”, relatou Galvão.
Cultura
O seminário intitulado de “Artigo 5º: censura nunca mais!” foi presidido pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e convocado a pedido de deputados da oposição dentro de uma sessão da Comissão da Cultura da Câmara dos Deputados. Além de Galvão, foram convidados para participar do debate autoridades como o ex-secretário de Cultura do Ministério da Cidadania, José Henrique Pires; o presidente da Comissão de Cultura da OAB-PE, André Mussalem; e o jornalista da EBC, Gésio Passos.
Diversos artistas também participaram do ato. Eles chegaram com as bocas fechadas por faixas e cartazes de “Censura nunca mais” – frase entoada por manifestantes, convidados e deputados durante o seminário. Em nome dos artistas, Leonardo Hernandes explicou que a extinção do Ministério da Cultura, o cancelamento do edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e a tentativa de proibir a venda do livro que tratava de LGBTs na Bienal do Rio de Janeiro são apenas alguns dos atos públicos que podem ser encarados como censura nos últimos meses. “Isso só mostra que os outros atos de censura, que são mais difusos, estão avançando para algo concreto”, alegou Hernandes, dizendo que já viu o governo pedir para peças teatrais alterarem seus roteiros ou cartazes e até retirar certas peças de exibição em espaços culturais públicos.
Diante dos protestos, a deputada Benedita Silva afirmou que a juventude está tendo que reaprender a lutar contra o fantasma da censura porque “esse governo é responsável por inúmeras ações que violam a democracia”.
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