Álvaro Sólon de França *
Desde que o governo brasileiro, a partir do terceiro ano do governo Lula, passou a definir a agenda do Estado com menos dependência dos credores, houve melhoria em vários indicadores sociais, principalmente no emprego e na renda.
A formalização do emprego e o aumento da renda nasceram de situações –entre as quais, o aumento do crédito e a implementação das leis do Simples Nacional – que estimularam a regularização de empresas, a redução do emprego informal e, principalmente, a redução da taxa de juros.
A redução da taxa de juros e dos spreads bancários, entre todos esses elementos, talvez tenha sido o mais estrutural, porque barateou o crédito e os custos de intermediação financeira, facilitando a geração de emprego.
Se analisarmos os últimos 20 anos, veremos que, em pelo menos 12, a equipe econômica do governo (Fazenda e Banco Central) foi pautada pelos credores, representados pelo mercado financeiro, o que impedia qualquer avanço nas relações de trabalho.
Nesse período, o alinhamento e a convergência de interesse entre o Poder Executivo e o mercado financeiro foram plenos em todo o governo FHC e nos dois primeiros anos da gestão Lula.
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Nos seis anos restantes do governo Lula, houve uma divisão na equipe econômica, cujo marco foi a saída de Antonio Palocci da Fazenda e a entrada de Guido Mantega. A partir dali (março de 2006) até o final do governo Lula, apenas o presidente do BC, Henrique Meirelles, advogou a causa dos banqueiros.
No governo Dilma, com a saída de Meirelles do BC, toda equipe econômica passou a defender o investimento produtivo em detrimento da especulação financeira. Graças a essa orientação foram criadas as condições para a redução da taxa de juros e dos spreads bancários.
Constata-se, portanto, que a mudança de alinhamento do governo, que migrou dos rentistas para o setor produtivo, teve como resultado, entre outros ganhos para o país e para o povo, a redução da relação dívida/PIB, a diminuição das despesas financeira das famílias, das empresas e do governo, o aumento do emprego e da renda e a ampliação do investimento governamental em educação, entre outros benefícios para a sociedade.
Enquanto muitos países, especialmente na Europa, estão demitindo trabalhadores e suprimindo direitos, inclusive de servidores públicos, em face da crise internacional, o Brasil, graças a essa política de valorização do setor produtivo e do trabalho, ampliou o emprego, a renda e a proteção previdenciária dos trabalhadores.
As políticas públicas de valorização do trabalho e do emprego, portanto, contribuíram enormemente para a formalização no país, a ponto de o Brasil contar atualmente com mais de 80% dos empregados com carteira assinada.
E, o mais importante, tudo isto foi possível sem flexibilização ou redução de direitos. Os trabalhadores brasileiros, mesmo nesse período de crise internacional, têm tido aumento real de salário, além de contar com todos os direitos da CLT assegurados, entre os quais:
– Primeira parcela do 13º salário paga até 30 de novembro e, segunda, até 20 de dezembro;
– Férias de 30 dias com acréscimo de 1/3 do salário;
– Licença-maternidade de 120 dias, com garantia de emprego até o quinto meses depois do parto;
– FGTS: depósito de 8% do salário em conta bancária a favor do empregado;
– Horas extras pagas com acréscimo de 50% do valor da hora normal;
– Garantia de emprego por 12 meses em casos de acidente;
– Aviso prévio proporcional ao tempo serviço, sendo o mínimo de 30 e o máximo de 90 dias, em caso de demissão;
– Seguro-desemprego.
Essas conquistas e benefícios, entretanto, estão correndo riscos. A reação dos rentistas e de parcela do mercado financeiro, com apoio de setores da mídia, tem feito uma campanha sistemática pelo aumento da taxa Selic e tem utilizado como fundamento a necessidade de combate à inflação, um patrimônio do povo brasileiro. Essa manobra, em essência, tem como objetivos aumentar o lucro desses especuladores, de um lado, e conter os ganhos reais dos salários, de outro.
O combate à inflação e a defesa de taxas de juros baixas, em patamar inferior a dois dígitos, devem ser tarefa permanente de qualquer governo. O que não pode nem deve ocorrer é, em nome do combate à inflação, se aumentar os juros apenas para satisfazer a ganância de rentistas e de setores do mercado financeiro.
Qualquer movimento no sentido de eliminar ou reduzir os efeitos positivos da política de juros baixos deve ser rechaçada e vista como ataque especulativo. A pressão, com objetivos escusos, sobre o Banco Central para aumentar a taxa de juros, ainda que invocando o combate à inflação, deve ser denunciada como crime de lesa-pátria, pois, assim como o controle da inflação e a queda da taxa de juros, é uma conquista inalienável da sociedade brasileira.
A decisão política do governo de decidir sem subordinação ao mercado financeiro trouxe muitos benefícios para o país, inclusive criou as condições para a redução da taxa de juros, dos spreads bancários e da conta de luz, além de proporcionar a zeragem dos impostos sobre a cesta básica e, sobretudo, garantir emprego e renda para os trabalhadores brasileiros.
Por tudo isso, a recuperação, pelo governo, dos instrumentos de decisão do Estado para promover política de interesse nacional e fazer política econômica e social sem estar subordinado ao mercado financeiro e aos rentistas, como se vê, é uma conquista e deve ser preservada, com apoio da sociedade.
* Álvaro Sólon de França é auditor fiscal da Receita Federal do Brasil e presidente do Conselho Executivo da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
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