Dizendo-se contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar do mandato o senador Aécio Neves (PSDB-MG), a bancada do PT no Senado resolveu, por outro lado, protocolar mais uma representação (íntegra abaixo) contra o tucano com o objetivo de por fim à sua trajetória na Casa. Afastado da presidência do PSDB depois de ter sido gravado por Joesley Batista, delator da Operação Lava Jato preso desde 11 de setembro, pedindo-lhe R$ 2 milhões em linguagem chula que incluiu até xingamento a autoridades, Aécio pode ser salvo no Senado com a participação do próprio PT, em uma operação no estilo “eu sou você amanhã”.
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Para a maioria dos petistas, como o senador Jorge Viana (AC), o Senado deve reagir à decisão do Supremo, sem que isso signifique apoio a Aécio. Em discursos feitos nesta quinta-feira (28), o parlamentar acriano fez questão de repetir que não estava a defender o tucano, mas as prerrogativas institucionais do Congresso. Viana disse ainda que o entendimento do STF não tem amparo constitucional. “Estamos vivendo períodos tão difíceis, estamos vendo tanta arbitrariedade e abuso de poder”, criticou o ex-vice-presidente do Senado.
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Segundo a representação do PT, protocolada nesta quinta-feira (28), o ato protagonizado por Aécio configura lavagem de dinheiro, embora o senador diga ter se tratado de um empréstimo para pagar sua defesa na Lava Jato – o tucano é um dos campeões de inquéritos relativos ao petrolão –, sem qualquer viés de irregularidade. Depois da conversa com Joesley Batista, para quem o dinheiro era pagamento de propina, Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio, foi filmado ao receber uma mala com R$ 500 mil. Frederico e a irmã do senador, Andrea Neves, chegaram a ser presos e foram soltos dias depois, ela acusada de participação em outros esquemas ilícitos envolvendo o irmão.
“Não se olvide que o recebimento e o ocultamento de dinheiro em espécie, em mala de dinheiro, em quantia não declarada e decorrente de favorecimento, benefício indevido a um Senador da República indica o ímpeto criminoso do representado que teria praticado o crime de lavagem de dinheiro se valendo de empresa de colega senador para o ocultamento de bem, tentando disfarça-lo para seu usufruto. Saliente-se que o recebimento do valor indevido foi justificado ao empresário delator como necessário para o pagamento de serviços advocatícios, o que sequer foi demonstrado”, diz trecho da peça assinada pelo advogado Breno Bergson Santos, em nome do PT.
O partido lista como testemunhas, além do próprio Frederico, o procurador-geral da República “ao tempo dos fatos”, Rodrigo Janot; os delegados da Operação Patmos Thiago Machado Delabary e Marlon Oliveira Cajado dos Santos; e Mendherson Souza Lima, ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG), um de seus principais aliados políticos em Minas Gerais.
A decisão do STF provoca controvérsia, uma vez que nega a prisão de Aécio e, por outro lado, impõe restrição de liberdade à noite, com o recolhimento noturno à sua residência. Além disso, o parlamentar está impedido de entrar no prédio do Congresso, proibido de viajar ao exterior e conversar com outros investigados. No entanto, ontem (terça, 26) mesmo senadores tucanos como Cássio Cunha Lima (PB) e Antonio Anastasia (MG) foram à casa do tucano no Lago Sul, bairro de elite em Brasília. Ambos têm pendências no Supremo, segundo lista de parlamentares processados elaborada com exclusividade pelo Congresso em Foco.
Em nota (veja íntegra abaixo), o senador nega ter cometido crime e diz que a decisão do Supremo é inconstitucional. “[…] a decisão exarada pela maioria da 1ª Turma assenta-se numa inconstitucional e perigosíssima presunção de culpa. Não há como reputar que os fatos estão provados quando sequer há denúncia recebida contra o Senador Aécio que, até agora, não teve o direito e a oportunidade de se defender e de demonstrar que os recursos recebidos eram um empréstimo pessoal, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, como restará provado”, argumenta Aécio, que em junho já foi alvo de um pedido de cassação, este sumariamente arquivado pelo presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA), por “por falta de provas”.
Leia a íntegra da representação:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DO SENADO FEDERAL
O PARTIDO DOS TRABALHADORES, partido político com representação no Congresso Nacional, CNPJ/MF 00.676.262/0001-70, com sede no Setor Comercial Sul Quadra 02 Bloco C nº 256, Edifício Toufic, 1º andar, CEP 70302-000, Brasília –DF, nesse ato representado por seu procurador que a esta subscreve, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 55, II e § 2º, da Constituição Federal e art. 13 e seguintes do Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal apresentar a presente
REPRESENTAÇÃO
Para instauração do competente Procedimento Disciplinar para verificação de quebra de decoro parlamentar em desfavor do senador Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG), com endereço no Senado Federal, Anexo I, doravante denominado REPRESENTADO, diante dos fatos e razões a segui expendidas.
- DOS FATOS
Nos autos de Inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal ((4483/4506) consta, como é fato público e notório, gravação obtida por meio de processo de Ação Controlada no curso da Operação Patmos, do âmbito da Operação Lava Jato, em que o Senador Aécio Neves da Cunha aparece em áudio solicitando vantagem financeira para si ao Sr. Joesley Mendonça Batista, ora preso preventivamente no curso de investigação, no valor de 2 milhões de Reais.
No referido áudio, com cerca de duração de 30 minutos, o Representado justifica seu pedido alegando que o valor solicitado se destinara ao pagamento de sua defesa técnica na operação Lava Jato.
Na oportunidade, o Representado indicou o Sr. Frederico Pacheco de Medeiros, seu primo legítimo, ex-diretor da Cemig no governo do Senador Aécio Neves em Minas Gerais e um dos coordenadores de sua campanha em 2014 à presidência da República, como receptor da quantia.
O entregador da quantia foi o diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud, posteriormente preso por suspeita de omissão no acordo de colaboração premiada.
Consta no Inquérito que foram feitas quatro entregas de R$ 500 mil cada uma. As filmagens da Polícia Federal mostram que, após receber o dinheiro, Frederico Pacheco de Medeiros repassou, ainda em São Paulo, as malas para Mendherson Souza Lima, secretário parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). Mendherson levou de carro o valor para Belo Horizonte. Fez três viagens — sempre seguido pela PF.
A transação de fato aconteceu e foi registrada por gravação audiovisual, no curso da ação controlada, pela Polícia Federal. As cédulas do valor de 2 milhões possuíam numeração controlada. Seu rastreamento foi devidamente monitorado, tendo sido depositado na conta da empresa Tapera Participações Empreendimentos Agropecuários, pertencente a Gustavo Henrique Perrella Amaral Costa, filho do Senador José Perrela de Oliveira Costa, também parlamentar.
O Sr. Frederico Pacheco de Medeiros, primo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi alvo de mandado de prisão no dia 18 de maio de 2017. No dia 13 de junho de 2017, sua defesa esteve em uma agência da Caixa Econômica Federal no bairro Luxemburgo, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde fez um depósito judicial no valor de cerca de R$ 1.520.100,00 referente ao valor objeto do litígio.
No curso da mesma investigação a irmã do Representado, a Sra. Andrea Neves da Cunha, já havia abordado o Sr. Joesley Mendonça Batista, por ligação telefônica e por meio do aplicativo de mensagens instantâneas – WhatsApp – a propósito da referida solicitação indevida de vantagem. As mensagens se encontram devidamente acauteladas no bojo dos anexos à colaboração premiada respectiva. Por esta razão, a Sr. Andrea Neves da Cunha foi detida cautelarmente por agentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, na manhã deste dia 18 de maio de 2017, estando, desde o dia 20 de junho, por decisão do STF, na mesma situação de Frederico Pacheco, em prisão domiciliar, com monitoramento com tornozeleira eletrônica.
Por estas razões fáticas, o Eminente Procurador-Geral da República requereu ao Eminente Ministro Relator Edson Fachin a decretação da prisão do Representado, em razão da flagrância em delito continuado de tendo em vista a prática de embaraço a investigação de infração penal que envolva organização criminosa do qual é membro, na linha da estrita dicção do §2°, do art. 2°, da Lei de Organizações Criminosas (Lei n° 12.850, de 2013), que tipifica o embaraçamento da atividade persecutória jurisdicional do Estado.
Na manhã do dia 18 de maio de 2017, o Ministro Relator Edson Fachin decretou o afastamento cautelar do Representado, fazendo remessa do pedido de prisão ao Plenário da Corte, para que sobre ele decidisse colegiadamente. No dia 30 de junho de 2017 o Ministro Marco Aurélio determinou o retorno do Representado às suas funções de parlamentar.
No dia 26 de setembro de 2017, os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal negaram por 5 votos a 0 pedido de prisão formulado pela Procuradoria Geral da República, mas por 3 votos a 2, determinaram o afastamento do mandato e o recolhimento noturno do senador em casa.
Comunicado da decisão, o Senado aprovou nesta manhã de 28 de setembro requerimento de urgência para apreciar a decisão do Supremo Tribunal Federal, o que deverá ocorrer na próxima terça-feira (03/10)
- DO DIREITO
2.1 Da legitimidade ativa ad causam
O art. 55, §2°, da Carta Magna incumbe aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, como é caso do Representante, para oferecer Representação por quebra de decoro parlamentar.
“Art. 55……………………………………………………….
§ 2° Nos casos dos incisos I, 11 e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa . (Redação dada pela Emenda Constitucional no 76, de 2013)”
2.2 Do mérito
As condutas narradas na síntese fática amoldam-se, no campo da legislação processual penal aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A independência das instâncias de responsabilização não afastam desta Casa a possibilidade de análise das condutas, haja visa que possam as ações constituírem, também, violação ao decoro parlamentar, a teor da redação do art. 55, II, da Carta Magna.
Por seu turno, e para corroborar o comando constitucional, a Resolução do Senado n° 20, de 1993, (Código de Ética e Decoro Parlamentar) igualmente tipifica as violações especificamente perpetradas pelo Representado, que, no entender do Representante, amolda-se com perfeição às condutas descritas no levantamento fático, em seus art.5°, incisos I e II, in verbis:
“Art. 5° Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar:
I – a percepção de vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, § 1°), tais como doações, ressalvados brindes sem valor econômico;
II – a prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes.”
Primeiramente o fato comprovado e não contestado de ter recebido o valor de 2 milhões de Reais de empresário, conforme narrado na síntese fática indica o cometimento do crime de corrupção passiva pelo senador Aécio Neves, qual seja o ilícito criminal cometido por funcionário público que, em razão de sua função, ainda que fora dela ou antes de assumi-la, solicita ou recebe, para si ou para outrem, vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem. No que se refere à finalidade de “obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza”, os propósitos de obter vantagens ilícitas, beneficiar-se de tráfico de influência para lograr vantagem empresarial ou exigir ou receber vantagens ilícitas idôneas à configuração do elemento normativo do tipo em questão.
Noutro giro, o Representado tratou com empresário investigado, em operação específica deflagrada pela Polícia Federal, com autorização do Supremo Tribunal Federal, na época dos fatos, o recebimento de valores para favorecimento pessoal, sendo o valor de 2 milhões de Reais entregue em espécie, sem a devida notificação da autoridade financeira, com o valor transportado por automóvel e depositado em contas de sociedade empresária não pertinente ao Representado. Não se olvide que o recebimento e o ocultamento de dinheiro em espécie, em mala de dinheiro, em quantia não declarada e decorrente de favorecimento, benefício indevido a um Senador da República indica o ímpeto criminoso do representado que teria praticado o crime de lavagem de dinheiro se valendo de empresa de colega senador para o ocultamento de bem, tentando disfarça-lo para seu usufruto.
Saliente-se que o recebimento do valor indevido foi justificado ao empresário delator como necessário para o pagamento de serviços advocatícios, o que sequer foi demonstrado. Configura-se o fato, a toda evidência, indícios de cometimento do crime de lavagem de dinheiro, contido no art. 1º da Lei 9.613 de 1998.
Importa explicar que aqui não se está a tentar fazer o enquadramento da responsabilização criminal, haja vista não ser este o foro adequado, mas de compreender que as condutas se amoldam ao descumprimento do comportamento ético exigido de um parlamentar, emoldurado nas vedações da Resolução nº 20, de 2003 (Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal) em seu art.5°, incisos II e III.
Desse modo, entendemos que a conduta do Representado o enquadra na hipótese de quebra de decoro de que trata o Código de Ética e Decoro Parlamentar como passível da aplicação da penalidade de perda de mandato, consoante dispõe o art. 7º, III e IV, da Resolução nº 20, de 2003.
Diante do exposto, requer:
a) O Recebimento e a instauração de Procedimento Disciplinar no âmbito deste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, com a finalidade de apurar a violação disciplinar deflagrada por parte do Representado, com vistas à cassação do seu mandato, nos termos do art. 7, “d”, do Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução no 20, de 1993);
b) Que proceda a notificação do Representado para apresentar sua defesa nos prazos regimentais, nos termos que dispõe o art. 15, II, e art. 16, ambos do Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução n° 20, de 1993);
c) O compartilhamento de provas produzidas no âmbito dos Inquéritos 4483 e 4506 em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, figurando como indiciado o Representado, anexados por mídia digital;
d) Por fim, requer a juntada oportuna da procuração do representante legal do partido requerente, na forma da lei processual aplicável.
Pugna-se pela produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente a prova testemunhal consistente na oitiva das pessoas abaixo indicadas, as quais deverão ser intimadas para tal finalidade, nos termos do art. 15, 11, “a”, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, bem como anexa os documentos que instruem essa Representação.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Brasília, 28 de setembro de 2017.
BRENO BERGSON SANTOS
OAB/SE 4403
ROL DE TESTEMUNHAS:
1) Rodrigo Janot Monteiro de Barros – Procurador-Geral da República ao tempo dos fatos;
2) Frederico Pacheco de Medeiros – primo do Representado;
3) Thiago Machado Delabary – Delegado da operação Patmos;
4) Marlon Oliveria Cajado dos Santos – Delegado da operação Patmos;
5) Mendherson Souza Lima – ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella.
Leia a nota da defesa de Aécio:
A decisão dividida da 1ª Turma do STF, que impôs medidas cautelares contra o Senador Aécio Neves, além de ser manifestamente contrária à Constituição Federal, desconsidera o contexto absolutamente obscuro e ilegal no qual as delações envolvendo os executivos da J&F se deram. Mais, a decisão ignora os fatos novos, revelados por gravações que haviam sido escondidas e omitidas pelos delatores, que desacreditam as provas anteriormente utilizadas contra o Senador Aécio.
Ainda, depoimentos prestados pelos próprios delatores indicam a prévia atuação e conhecimento de membros do MP quanto à gravação espúria envolvendo o Senador Aécio.
Assim, as pretensas provas apresentadas contra o Senador são mais do que duvidosas: são fabricadas e ilegais.
Por outro lado, a decisão exarada pela maioria da 1ª Turma assenta-se numa inconstitucional e perigosíssima presunção de culpa. Não há como reputar que os fatos estão provados quando sequer há denúncia recebida contra o Senador Aécio que, até agora, não teve o direito e a oportunidade de se defender e de demonstrar que os recursos recebidos eram um empréstimo pessoal, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, como restará provado.
Ainda, digno de nota que, afora a inexistência de crime e a ilicitude das provas envolvidas no caso, a aplicação das chamadas “cautelares diversas da prisão preventiva” são incabíveis a um Senador da República, justamente porque a Constituição Federal, como proteção à função legislativa, proíbe a prisão preventiva de congressistas e, por uma razão lógica, a aplicação de medidas que lhe são alternativas.
Por fim, o afastamento de um parlamentar legitimamente eleito pelo povo de seu cargo é medida que não está autorizada pela Constituição, pois implica em desequilíbrio entre os Poderes da República e o agigantamento do Judiciário, como reconheceram o Ministro decano da Turma, Marco Aurélio e do Ministro Alexandre de Moraes, constitucionalista e autor de denso estudo sobre o tema.
A Defesa aguarda que a decisão seja publicada para que possa adotar todas medidas judiciais cabíveis para sua reversão.
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