Carlos Santos *
Há muita gente estupefata, Brasil afora, com a posição do Partido dos Trabalhadores (PT) e do seu líder, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de enfrentarem a Justiça e suas decisões que contrariam os interesses políticos da legenda e dele próprio.
“Este cidadão simpático que está falando para vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão de ontem”, discursou Lula em São Paulo-SP. Foi um dia após ser condenado em segunda instância, em um dos processos a que responde na Operação Lava Jato.
De verdade, não há motivo para que alguém fique perplexo com o verbo provocativo. O ex-presidente parece esgrimir com o que conhece bem. A postura do partido e de Lula é razoavelmente compreensível. Não se trata de algo isolado ou extraordinário, no ambiente político e judicial brasileiro.
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Lições de Renan Calheiros
Vale exumar lições do senador Renan Calheiros (MDB-AL), na sua relação com a toga.
PublicidadeTratou o magistrado Waldemar Carvalho da 14ª da Justiça Federal (Brasília) por “juizeco”, depois que ele o condenou à perda do mandato e suspensão de direitos políticos por oito anos, em novembro de 2016; ignorou decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que no dia 5 de dezembro de 2016 determinou seu afastamento da Presidência do Senado. Simplesmente, não recebeu a notificação.
O que prevaleceu, ao final, foi sua vontade, lógico.
Renan Calheiros não foi ejetado do Senado porque carregava o trunfo de botar (ou não) em votação projeto sobre abuso de autoridade, que causava calafrios no Ministério Público e no Judiciário. Ainda gracejou depois, ao analisar que a posição do pleno do STF de mantê-lo no cargo fora uma postura “patriótica”.
No dia 8 de dezembro, ainda de 2016, o prefeito de Barreiras (BA), Antônio Henrique de Souza Moreira (PP), desafiou a Justiça baiana ao se recusar cumprir uma liminar. Arrimou seu ponto de vista no exemplo de Calheiros.
No Rio Grande do Norte, no último dia de 2017, o desembargador Cláudio Santos determinou a prisão de líderes de organizações sindicais de policiais que fomentassem “greve”. O que ocorreu? Nada. As lideranças dos denominados movimentos “Segurança com Segurança” e “Operação padrão” impuseram suas exigências ao Executivo e ao Judiciário.
O próprio Tribunal de Justiça do RN (TJRN) acabou arquivando a demanda referente ao episódio, como se fosse regra o descumprimento de ordem judicial. Certa ou errada, era uma determinação judicial.
Política, marketing e medo
O PT e Lula sabem onde pisam. Caminham com um projeto de sobrevivência política em constante revisão e adequação. Provocar o Judiciário faz parte do enredo, que também tem muito de marketing.
Quem estranhar, que procure ativar a memória, que logo encontrará outros fatos similares.
Os petistas não fazem qualquer movimento inconsequente. Tudo é medido, milimetricamente calculado. Estão conscientes de que lidam com uma instituição bastante desgastada e com interesses que muitas vezes se fundem aos seus.
Em 4 de março de 2016, em conversa gravada com Dilma Rousseff (PT), Lula já tratava o STF com menoscabo: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada”.
O senador alagoano, amigo e parceiro político de Lula, que o diga. Ensinou depois como lidar com esse tipo de pressão extrema: Após vitória, Renan desiste de projeto sobre abuso de autoridade.
* Carlos Santos é jornalista e blogueiro no Rio Grande do Norte.
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