A imprensa noticia a prisão de 19 cidadãos brasileiros não em função de contravenções ou crimes cometidos, mas apenas porque, supostamente, estariam pretendendo melar o encerramento do megaevento da Fifa. A aberrante lista inclui até uma advogada que não participa de atos públicos, apenas defende manifestantes.
A Folha de S. Paulo apurou que “a série de prisões temporárias foi uma medida preventiva por causa de protestos marcados para a final da Copa, neste domingo, no Maracanã”, conforme se depreende da declaração do chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Fernando Veloso: “temos informações de que essas pessoas planejavam provocar torcedores argentinos para gerar confronto”.
Ou seja, como em ditaduras ou nas democracias autoritárias do tempo do Onça, inventaram-se pretextos para encarcerar quem nada havia feito realmente de errado, numa evidente afronta ao artigo 5, inciso XVI, da Constituição Federal, que garante o direito de manifestação: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
Leia também
Mais: as otoridade afirmam possuir “quadro probatório robusto”, mas não o mostram aos advogados e à imprensa, alegando que o caso corre em segredo de Justiça. Por qual motivo? O que tornaria determinante o sigilo em algo tão ínfimo? Grande mesmo é o arbítrio, o abuso de poder, o sequestro de brasileiros por mero receio de que viessem a arrombar a festa dos poderosos.
Antonio Sanzi, pai da ativista conhecida como Sininho, desmonta a farsa: “O mandado de prisão é temporário e por conta de um inquérito em uma delegacia de crimes de informática. A prisão é absolutamente ilegal, ilegítima e desnecessária; porque a justificativa da prisão é, em tese, para facilitar as investigações; ora, ela nunca se recusou a prestar depoimento, portanto as prisões são somente para intimidar os que estão sendo presos. Os 19 presos aparecem, colocam armas, máscaras, fazem uma espécie de museu dos horrores e concomitantemente informam a prisão de supostos membros de traficantes de quadrilhas de São Paulo para dar a impressão de que tudo é a mesma coisa. Interessa à mídia desse país, e não só à Globo, a criminalização de qualquer possibilidade de negação do estado de desigualdade e exceção em que nós vivemos… um estado judicial de exceção. As medidas que estão sendo adotadas em função da Copa são absolutamente criminosas”.
Marcelo Chalreo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, faz a mesma avaliação: as prisões temporárias “são um absurdo” e visam apenas à intimidação dos ativistas.
PublicidadeA Anistia Internacional considerou o episódio “preocupante por parecer repetir um padrão de intimidação que já havia sido identificado pela organização antes do início do Mundial”.
A ONG Justiça Global avalia que o propósito único é o de “neutralizar, reprimir e amedrontar aqueles e aquelas que têm feito da presença na rua uma das suas formas de expressão e luta por justiça social”.
O Instituto de Defesa dos Direitos Humanos não deixa por menos: qualificou, em nota, a decisão do poder Judiciário do RJ de “antidemocrática e arbitrária”, pois “nítida é a intenção política de inibir protestos no último dia do evento”.
Teremos recuado quatro décadas, voltando à era Médici? Para adquirirmos o direito de sediar a Copa, assumimos algum compromisso de obedecer ao padrão Fifa de direitos humanos? Foi para isto que tantos companheiros valorosos morreram na resistência à ditadura militar e os sobreviventes dela saímos mais mortos do que vivos?
Estou profundamente decepcionado. Deixo registrado meu mais veemente protesto contra este ignóbil retrocesso.
* Celso Lungaretti é jornalista e blogueiro.
Outros textos de Celso Lungaretti
Assine a Revista Congresso em Foco na versão impressa ou digital
Deixe um comentário