Lúcio Lambranho, do Farol Reportagem
Mesmo após ser condenado, em maio de 2016, pelos crimes de prevaricação e falsidade ideológica, o guarda municipal Deivid Fernandes da Rosa foi nomeado como autoridade municipal de trânsito de Florianópolis. O ato assinado pelo secretário municipal da Casa Civil, Filipe Mello, foi publicado no Diário Oficial do município no dia 5 de janeiro de 2017. Deivid e Paulo Limas da Luz Filho, também guarda municipal, foram acusados ainda pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em maio de 2015, por abuso de autoridade, mas foram absolvidos dessa denúncia. Luz Filho foi condenado por lesão corporal grave. Os dois servidores públicos, segundo a sentença judicial, praticaram uma abordagem irregular contra um jovem de 22 anos, em abril de 2014, na rua Paula Ramos, em Capoeiras, bairro da capital catarinense.
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Ao tentar imobilizar Guilherme João da Silva, que seguia para sua casa localizada na mesma rua, Luz Filho disparou sua arma a curta distância contra o jovem, causando debilidade permanente no braço e dedos da mão esquerda. Os dois guardas acusaram a vítima de ter jogado pedras na viatura da Guarda Municipal antes da abordagem, enquanto eles tentavam apreender um veículo. Guilherme foi ofendido, de acordo com o processo, pela dupla de servidores de “negro filho da puta”. Segundo a denúncia, os agentes tentaram impedi-lo de entrar em casa, mesmo com sua mãe atestando aos guardas que o rapaz morava no local. A namorada dele e parentes também presenciaram a cena, ocorrida às 23h30min do dia 11 de abril de 2014.
Mesmo acusados de omitir socorro e de saírem correndo do local após o disparo contra o rapaz, os dois funcionários foram punidos apenas com o afastamento das funções, sem direito a remuneração após processo administrativo disciplinar da prefeitura de Florianópolis, em março de 2015. Luz Filho recebeu 90 dias de punição. Deivid ficou 30 dias longe das suas funções. Na Justiça, o autor do disparo foi condenado a 2 anos e nove meses de reclusão em regime aberto, além do pagamento de multa, mas pode responder ao processo em liberdade. Nomeado para o cargo de autoridade de trânsito, Deivid Fernandes da Rosa recebeu pena um ano e cinco meses de reclusão, mas que foi substituída por um ano de restrições de direito. Ele também recebeu uma multa na sentença da juíza Ana Luísa Schmidt Ramos Morais da Rosa, da 4ª Vara Criminal de Florianópolis.
No cargo de autoridade do trânsito, Deivid deverá, entre outras competências privativas concedidas pelo artigo 24 do Código Brasileiro de Trânsito, implantar e manter o sistema de sinalização e controle viário da capital, alvo de irregularidades e fraudes apontadas pela Operação Ave de Rapina, denunciadas em ação penal pelo MPSC, que aguarda julgamento da Justiça.
A vítima disse que após ter negado autoria das pedradas e se recusado a ser abordado de forma agressiva, foi chamado de “negro desgraçado”. Guilherme declarou que tentou se desvencilhar das agressões, quando o guarda sacou a arma e efetuou disparo. “Após, o agente público desceu a rua correndo e disse para seu colega: ‘sujou, sujou’, dessa forma, ambos se retiraram do local sem prestar qualquer auxílio”, contou o rapaz em depoimento à Justiça.
O caso foi registrado pelas câmeras de segurança de uma empresa situada na rua e o vídeo foi usado para condenar os dois servidores públicos. Os guardas municipais já recorreram da decisão no final de 2016. O caso será julgado novamente pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que recebeu o processo no último dia 15 de fevereiro.
Falsidade ideológica
Para tentar encobrir o ato, segundo da denúncia, no dia seguinte e horas depois da abordagem em Capoeiras, os dois condenados deixaram de registrar na sede corporação o disparo de arma de fogo e as lesões corporais causadas em Guilherme. “Os denunciados Paulo Limas da Luz Filho e Deivid Fernandes da Rosa inseriram declarações falsas em documentos públicos, consistentes nas afirmações inverídicas de que encaminharam todas as ocorrências para a Central e que não efetuaram disparos de arma de fogo, contidas nas respostas por estes fornecidas às Comunicações Internas números 407/2014 (fl. 19) e 406/2014 (fl. 21), ambas destinadas a instruir o Processo Administrativo Disciplinar 137/SMSDC/2014, da Guarda Municipal de Florianópolis, instaurado para apurar as infrações já narradas”, completa o relato do MPSC na denúncia.
A defesa dos acusados alega falta de provas para as condenações. Segundo os advogados dos servidores, as testemunhas prestaram depoimentos diferentes e conflitantes e o laudo das imagens é “inconclusivo”. Os advogados dos guardas também afirmaram na apelação criminal que a comparação balística realizada concluiu que o projétil examinado não foi expelido pela arma de fogo do guarda Paulo Limas da Luz Filho no dia da abordagem.
Segundo o MPSC, o exame revelou apenas que o disparo não foi executado pela arma funcional, mas Luz Filho deu declarações à Justiça afirmando que possuía outra arma particular e que tinha usado a mesma “várias vezes”, em outras oportunidades no serviço. “Não se pode conjecturar, tampouco, que estivesse portando uma arma de fogo clandestina. A única certeza relacionada com isso é a de que efetivamente o acusado Paulo portava uma arma de fogo no evento e com ela disparou contra o ofendido. As imagens captadas pela câmera de gravação não mentem e são irrefutáveis”, afirma a promotora Silvana Schmidt Vieira, da 40ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, em suas contrarrazões da apelação dos advogados de defesa.
Deivid Fernandes da Rosa, segundo a promotoria, presenciou a ação mesmo tendo negado em comunicação interna. “Estava ciente da abordagem realizada em Guilherme João da Silva, com disparo de arma de fogo efetuado por seu companheiro de guarnição, haja vista ter se aproximado da cena, ter visualizado a vítima desfalecida no chão, já baleada no braço e, posteriormente, ter saído do local caminhando pela rua até a viatura pública. É o que comprovam os testemunhos e as imagens da câmera de segurança da empresa”, afirma o MPSC no documento inserido no processo no dia 10 de outubro de 2016.
Contrapontos
Questionado pela reportagem do Farol, a assessoria de comunicação da Prefeitura de Florianópolis alegou que Deivid ainda recorre da decisão e ter perfil para o cargo e qualificação profissional. Também alega que o servidor nomeado não efetuou o disparo contra a vítima, que foi presa dias depois por tráfico de drogas no mesmo local da abordagem. “Deivid provou que nada teve a ver com o disparo contra um traficante (que semanas depois foi preso pelo Bope por tráfico internacional no mesmo local onde houve o suposto incidente com os Guardas)”, diz trecho da nota oficial da Prefeitura. O site também tentou contato com os advogados dos dois funcionários citados nesta reportagem, mas não conseguiu contato até o fechamento deste edição. O Farol fica a disposição dos defensores para publicar a qualquer tempo suas alegações sobre o caso que ainda será julgado pelo TJSC.
Leia abaixo a íntegra do comunicado:
O servidor Deivid Fernandes da Rosa é Guarda Municipal de Florianópolis desde 2004, quando formou-se a primeira turma de Guardas concursados da Prefeitura . A sua experiência de 13 anos na corporação, além de formação em Administração, em Segurança no Trânsito, pós graduação em direito e gestão de trânsito, e de pós-graduação também em Segurança Pública, o qualificam para assumir a função na qual está no momento. Deivid provou que nada teve a ver com o disparo contra um traficante (que semanas depois foi preso pelo Bope por tráfico internacional no mesmo local onde houve o suposto incidente com os Guardas). Tanto que o Guarda foi absolvido do crime de abuso de autoridade. A condenação por prevaricação e falsidade ideológica por, supostamente, não ter relatado a ocorrência no papel, está sendo recorrida. O servidor municipal não tem uma condenação transitada e julgada e não existe uma formação de culpa definitiva.
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