A Lei da Ficha Limpa caminha no fio da navalha. No ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal a julgou pela primeira, a corte estava apenas com dez ministros. Um empate em cinco a cinco levou a um impasse, que fez com que as eleições do ano passado acontecessem sem uma regra definida. Mais tarde, com a entrada de Luiz Fux, o STF acabou entendendo que a lei não podia valer para as eleições de 2010. Agora, o Supremo, com a aposentadoria da ex-ministra Ellen Gracie, novamente está com dez integrantes. E, após o voto de Fux, há uma nova possibilidade de empate. Esse, porém, não é o único risco que corre a lei que proíbe candidaturas de pessoas que têm condenação na Justiça. O que não foi percebido pela maioria das pessoas é que o relatório de Fux limita a ação da Lei da Ficha Limpa. Se prevalecer seu entendimento, ainda que ela seja aprovada, a lei perderá uma parte da sua força inicial.
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A principal mudança sugerida por Fux permitiria, por exemplo, que Joaquim Roriz concorresse ao governo do Distrito Federal. O dispositivo da Lei da Ficha Limpa que inicialmente barrou sua candidatura é o que barra aqueles que renunciam aos seus mandatos para não serem cassados. Diante do impasse causado pelo empate inicial no ano passado, Roriz renunciou da sua candidatura e colocou em seu lugar na disputa sua mulher, Weslian, que acabou perdendo a eleição para o atual governador do DF, Agnelo Queiroz (PT). Pelo entendimento de Fux, Roriz poderia concorrer.
Para Fux, no ponto em que trata da renúncia, a lei é desproporcional. O texto da norma prevê que o político que renunciar ao mandato após apresentação de petição capaz de gerar um processo por quebra de decoro está inelegível por oito anos, contados a partir do fim do mandato. O relator sugeriu que a situação só deve levar à inelegibilidade se o processo de cassação já tiver sido aberto. Na prática, isso irá simplesmente anular a norma. Os regimentos da Câmara e do Senado determinam que os processos de cassação, depois de instaurados, prosseguem mesmo se o parlamentar renunciar. Ou seja: para escapar da cassação, eles têm de renunciar antes da instauração do processo. Foi o que fez Roriz.
Além disso, essa já é a situação prevista atualmente, sem ficha limpa: quando um político é cassado, ele fica inelegível. Assim, prevalecendo a posição de Fux, a Lei da Ficha Limpa apenas repetirá a regra já vigente, no caso de cassação. “O voto foi de uma belíssima fundamentação, ele mostrou que a lei da ficha limpa está certa. Mas o ministro Fux pecou na questão da renúncia”, avaliou o juiz eleitoral Marlon Reis, um dos coordenadores nacionais do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Coletivo de entidades, foi o MCCE o responsável por reunir as assinaturas que deram origem ao projeto da ficha limpa.
Na interpretação de Reis, o voto de Fux na questão da renúncia mantém a situação atual e o que já está previsto na Constituição. Caso algum político renuncie após a abertura de processo disciplinar, ele fica inelegível. Por isso, parlamentares passaram a abandonar o mandato antes de o inquérito iniciar. “Isso abre a porta para todos aqueles que renunciaram voltarem à política”, criticou Marlon.
Outro ponto que Fux limita diz respeito ao tempo em que o político condenado ficaria inelegível: oito anos a partir da condenação por órgão colegiado. Para Fux, o prazo é desproporcional. Para o ministro, esse prazo deve ser descontado do prazo entre a condenação e o trânsito em julgado.
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De qualquer modo, as ações tomadas ontem (9) pelo STF farão com que o julgamento da Lei da Ficha Limpa ainda demore para ser concluído. A sessão foi adiada após um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Ele justificou sua posição como uma forma de evitar um novo impasse pelo quorum incompleto da corte. Barbosa adiantou que levará seu voto ao plenário assim que Rosa Maria Weber for empossada no cargo. Indicada na segunda-feira (7) pela presidenta Dilma Rousseff, ela ainda vai passar por sabatina no Senado.
Ontem (8), o presidente do STF, Cezar Peluso, estimou que a posse deve ocorrer somente no próximo ano. Para o coordenador do MCCE, o pedido de vista pode causar prejuízos para a sociedade, para os futuros candidatos e para o próprio STF. “É um direito do ministro pedir vista, mas eu lamento. É o pior dos cenários caso o julgamento só seja retomado no ano que vem, um ano eleitoral”, opinou.
A atitude de Fux, no entanto, não é novidade na discussão da ficha limpa. O próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante a análise de registros de candidatura, já tinha limitado o alcance da lei. Em pelo menos três casos, a corte eleitoral definiu que, nas condenações por abuso de poder, a lei não pode retroagir para aumentar a sanção inicialmente imposta contra o político. Exemplos foram os casos dos candidatos a governador Jackson Lago (Alagoas) e Ronaldo Lessa (Alagoas) e o candidato a deputado federal Beto Mansur (PP-SP).
Os três tiveram como pena a decretação de inelegibilidade por três anos pela Justiça Eleitoral. A Lei da Ficha Limpa determina que políticos condenados por abuso de poder percam os direitos políticos por oito anos. No ano passado, o TSE entendeu que, ao aumentar o tempo, está crescendo o tempo de sanção ao político, o que é proibido pela Constituição.
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