Tatiana Damasceno
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que muda a tramitação de medidas provisórias pode abrir uma brecha para o governo continuar editando MPs que tratem de crédito para despesas previsíveis. Após ter sido analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e uma comissão especial, o texto encontra-se pronto para ser votado em plenário e pode entrar na pauta de votações desta semana.
Governo e oposição vêm travando uma disputa no Congresso desde o início do ano por conta das inúmeras medidas editadas pelo Executivo, que trancam a pauta e não permitem que nada seja votado antes delas. O fato irritou até o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e o do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), que já declararam publicamente sua insatisfação.
Mas a principal polêmica entre governistas e oposicionistas trata-se da edição de medidas provisórias para crédito extraordinário. Hoje a Constituição proíbe que uma MP trate de matéria orçamentária, salvo nos casos de guerra, calamidade pública e comoção nacional. A proibição, no entanto, sempre foi ignorada pelo Executivo, que recorre às MPs a fim de liberar créditos para ministérios, pagamento de pessoal e outras despesas previsíveis, estabelecendo um verdadeiro orçamento “paralelo”.
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O texto final da PEC relatada pelo deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) acrescenta um inciso estabelecendo que o projeto de lei relativo à liberação de crédito suplementar que não for votado em até 75 dias poderá ser tratado pelo presidente na forma de medida provisória. Na prática, caso o Congresso não decida, o governo poderá continuar editando MPs de crédito que não atendam aos requisitos estabelecidos pela Constituição.
Casos excepcionais
O relator justifica dizendo que o dispositivo é uma maneira de atender às reivindicações do Executivo e do Legislativo. Para Picciani, é possível haver casos de urgência em projetos de lei para crédito suplementar. “Isso vai fazer com que o Congresso tenha que se reunir. Se o governo não tiver esta opção, isso pode fazer com que paralisem importantes obras e programas sociais. Existem casos em que pode haver sim relevância e urgência em caso de crédito suplementar”, afirma.
O líder do PPS, Fernando Coruja (SC), acredita que a emenda, se aprovada como está, irá ampliar ainda mais as possibilidades para o presidente editar MPs de crédito extraordinário. “O texto não serve para restringir o crédito, serve para ampliar”, critica. O deputado também questiona a permissão para que o presidente possa retirar uma MP no prazo de até 15 dias após sua publicação. “Do ponto de vista jurídico, é uma insegurança”, diz.
Picciani não vê problemas nesse dispositivo, pois seria aplicado em casos excepcionais, como erros de redação. “Nos primeiros 15 dias, ela ainda está tramitando na CCJ e com o relator. Não vejo espaço para manobra política”.
Além das alterações previstas na emenda constitucional, o PT quer aproveitar o momento de debate e tentará negociar a inclusão do termo “instabilidade econômica” nos requisitos previstos para crédito extraordinário. De acordo com o deputado José Genoíno (PT-SP), a brecha seria utilizada para situações de crises na área econômica. “Como vamos aprovar uma PEC para um período longo do Brasil, entendemos que precisa dessa alteração”, afirma.
Sistema imperialista
O professor de Direito Constitucional da PUC São Paulo Pedro Estevam Serrano defende que uma mudança na tramitação das MPs não pode ampliar ainda mais as situações em que elas podem ser utilizadas. “Qualquer MP editada fora dos requisitos é inconstitucional. As situações que são passíveis de MP são situações que não podem ser atendidas por um projeto de lei. A ampliação seria uma alteração indevida de cláusula pétrea”, sustenta. Serrano afirma que dilatação das situações em que o presidente possa se valer de MPs gera instabilidade jurídica. “Insegurança jurídica é o Legislativo poder ampliar as possibilidades do governo editar MPs. Você está fortalecendo um sistema imperialista”, reitera.
A oposição, por sua vez, lembra que a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre créditos extraordinários já terá um grande impacto sobre a decisão do governo em editar crédito extraordinário. “A Adin já é um grande limitador”, avalia o líder do PSDB, José Aníbal (SP).
No dia 14 de maio o STF julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), protocolada pelo PSDB, contra a Medida Provisória 405/08, que destinava R$ 5,455 bilhões em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do Poder Executivo. A Suprema Corte compreendeu que a medida não atendia aos requisitos previstos para liberação de crédito extraordinário por MP.
Aníbal não descarta eventuais alterações no texto da proposta, mas defende que seja mantido o acordo construído quando o texto ainda era discutido nas comissões. “Se pudermos aprimorar, vamos aprimorar”.
A idéia também é compartilhada pelo relator da proposta, mas o deputado fluminense lembra que a questão dos créditos ainda não é consenso entre as siglas. “Se houver uma idéia que melhore o texto, faremos uma alteração. O único problema que eu vejo é a questão dos créditos”, alerta Picciani.
Mudança de rito
A principal mudança da proposta que está para ser votada pelos deputados diz respeito ao fim do chamado trancamento de pauta. Hoje, após 45 dias na Câmara, a MP tranca a pauta de votações e nada pode ser votado antes dela. De acordo com a PEC, no 16º dia a medida entra como primeiro item da pauta, mas existe a possibilidade de se votar outra matéria. Para isso, inverter a ordem de votações e votar outro projeto de lei, será necessário ter a concordância da maioria absoluta, que é a metade mais um dos 513 deputados.
A PEC também diz que uma MP não poderá tratar de mais de um tema, como acontece, na prática, atualmente. Além disso, as comissões de Constituição e Justiça das duas Casas serão responsáveis por analisar se a MP editada atende aos requisitos de relevância e urgência. Em outro ponto, a proposta assegura cinco dias ao relator da matéria para a apresentação do parecer.
Avanço tímido
No Senado, a posição por enquanto é de cautela. Os senadores preferem esperar a aprovação do texto da PEC na Câmara para então discutir sobre o tema.
O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), diz que a intenção é votar as alterações no rito das MPs o mais rapidamente possível. “O Senado é a maior vítima das MPs, que geralmente já chegam trancando a pauta”, explica.
O líder do DEM, José Agripino (RN), diz que a proposta é um “pequeno avanço” sobre o que se tem hoje, mas considera “precipitado” falar sobre um texto que ainda não foi aprovado. “É preferível um pequeno avanço do que nada”, diz.
Para se aprovar uma emenda à Constituição, são necessários os votos de pelo menos 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação.
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