Ao rejeitar a recondução de Bernardo Figueiredo para diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a maioria dos senadores não estava exatamente contestando a competência do nome indicado pela presidenta Dilma Rousseff para o cargo. O placar eletrônico do plenário dizia mais: os 36 que votaram contra a mensagem presidencial se valeram da votação secreta, realizada nesta quarta-feira (7), para dar um claro recado de “insatisfação” de certos partidos da base, especialmente o PMDB, quanto à conduta do Executivo. E por mais de um motivo, a começar pela “distância”, personificada no “estilo de gestão” de Dilma, imposta pelo Planalto ao Congresso e à atividade parlamentar – e mesmo política. Junte-se a isso o modo como a presidenta tem promovido as trocas de comando em ministérios, tirando espaços de aliados. A proximidade das eleições municipais intensifica os problemas.
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Não há possibilidade de veto da votação pela presidenta Dilma, que será comunicada formalmente ainda hoje da decisão do Senado. A matéria é de competência privativa da Casa, ou seja, não há hipótese de o autor da mensagem de indicação, o Executivo, rejeitar a deliberação dos senadores.
Logo após a derrtoa, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), reconheceu que o que aconteceu foi um recado dos setores insatisfeitos da base do governo. Instantes antes, as lideranças do PMDB e do PT haviam orientado expressamente o voto favorável à indicação de Bernardo Figueiredo, bem como a rejeição ao requerimento apresentado por Roberto Requião (PMDB-PR) a respeito de restrições apresentadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em relatório sobre a ANTT – 31 senadores seguiram à risca a orientação de bancada a favor da recondução. Já a questão de ordem de Requião, para adiar a votação da indicação, expôs uma derrota ainda mais expressiva ao governo – o placar foi de 37 votos 30 a favor do requerimento.
Demonstrando naturalidade ante à insurreição da base, Jucá admitiu que a rejeição à indicação presidencial trazia embutida em si um recado ao governo Dilma. “Existem insatisfação em vários partidos. Essas insatisfações foram manifestadas no voto secreto. Temos que interpretar esse recado e levar ao governo, e tentar acabar com as defecções [da base]”, resumiu o peemedebista, ressalvando que o descontentamento dos aliados tem natureza “etérea”. Ou seja, ainda não é uma ameaça fincada no terreno do Congresso.
A rejeição da indicação foi adiantada aqui neste site pelo colunista Leandro Mazzini, em 2 de março. “Em reunião da bancada na tarde de quarta, o senador Roberto Requião se rebelou. Voltou a acusar Figueiredo de ter ido à sua casa certa vez, junto com o ministro Paulo Bernardo, para fazer lobby por obra com ágio de 350%”, registrou o colunista (confira).
PublicidadeAlerta do TCU
Para Jucá, o fato de o TCU ter encaminhado relatório a comissões temáticas do Senado, em um indicativo de que a permanência de Bernardo na agência não seria recomendada, foi agregado à rebelião peemedebista iniciada há algumas semanas. Essa conjunção de fatores, considera, “deu combustível para a insatisfação”. “Alguns senadores estão desgostosos, na votação aberta [do requerimento de Requião], já vimos o aperto. Mas não tem problema específico com o PMDB”, despistou o senador, sem querer individualizar ou atribuir a hipotética falta de tato com o Parlamento à tríade feminina do Planalto – além de Dilma, as ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais).
“O governo tem que chegar junto. A culpa não é da Ideli. Os assuntos têm que ser mais equacionados, mais bem resolvidos. Dilma tem o estilo dela de gestão. Não estamos discutindo o estilo da presidenta”, ponderou o parlamentar.
A verdade, porém, é que o recado dado pela base, especialmente o PMDB, acontece em meio a vários sinais de insatisfação que vêm se repetindo desde a semana passada, desde que Dilma nomeou Crivella para ministro da Pesca. A nomeação visava diminuir as chances de formação de uma aliança do PRB, partido de Crivella, com o PMDB em torno do candidato peemedebista à prefeitura de São Paulo, deputado Gabriel Chalita. O vice-presidente Michel Temer, principal comandante do PMDB, não foi informado da nomeação de Crivella e não escondeu sua insatisfação. Logo em seguida, Dilma pretendia dar novo golpe na candidatura de Chalita nomeando o deputado Hugo Leal (PSC-RJ) para o Ministério do Trabalho. O PSC também negociava apoio a Chalita. Quando Hugo Leal estava na ante-sala de Dilma, o PMDB ensaiou uma forte rebelião. Dilma adiou o anúncio do novo ministro, pegou um avião e foi se aconselhar com Lula, que recomendou a ela suspender toda a operação.
O dia em que a base de Dilma ameaçou desmoronar
Mesmo assim, os deputados do PMDB começaram a preparar um manifesto de desagravo a Dilma, que foi entregue ontem (6) ao vice-presidente Michel Temer, que também endossou o protesto. No meio do clima incerto, o governo inclusive adiou as duas votações de maior interesse que tinha na pauta para a próxima semana: a Lei Geral da Copa e o projeto que cria a Fundação de Previdência do Servidor Público (Funpresp).
Público ou privado
Pouco depois das 17h, quando foi iniciado o debate sobre a gestão de Bernardo Figueiredo na ANTT, Roberto Requião iniciou o levante que resultou na derrota governista. Mencionando o relatório do TCU que registra os processos enfrentados pelo agora ex-diretor por supostas irregularidades, inclusive no próprio TCU, Requião disse que diversas comissões já haviam sido avisadas das “irregularidades verificadas” – o “Aviso nº 97-GP” do tribunal foi encaminhado às comissões de Assuntos Econômicos; de Serviços de Infraestrutura; de Meio Ambiente; e de Agricultura e Reforma Agrária.
“O senhor Bernardo Figueiredo é um tecnocrata híbrido, defendendo o interesse do setor privado na Associação Nacional [de Transportes Terrestres], assinando a concessão e modelando a privatização. Por muito menos, este plenário já rejeitou indicações de administradores públicos”, fustigou Requião, para quem o indicado não defende os interesses públicos. Requião chegou a ler matérias de jornal sobre irregularidades que teriam sido praticadas por Bernardo à frente da ANTT – ele é considerado o “homem do trem-bala” do governo, embora Jucá diga que este é um projeto do governo.
“O trem-bala começou com um orçamento de R$10 bilhões, que subiu para R$ 16 bilhões – mas, quando a Valec, administrada pelo senhor Bernardo Figueiredo, fez os cálculos do custo para uma PPP [parceria público-privada], avançou para R $36 bilhões. E, hoje, já falamos em R$50 bilhões. É evidente que o interesse que está sendo defendido nessa estrutura estatal não é o interesse do Brasil, mas o interesse do grupo de empresas”, pontuou.
Reforçando a grita de Requião, o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), fez referência às “graves denúncias” citadas pelo colega e disse que não haveria qualquer condição de a Casa avalizar a indicação do ex-diretor. “Não houve quem o defendesse. Nenhum senador nesta Casa fez a defesa do senhor Bernardo. Por essa razão, nós consideramos absolutamente inadequada a sua recondução”, declarou o tucano, depois de contraditado por Jucá.
“Na verdade, não há nenhuma decisão ainda do tribunal, muito menos contra o senhor Bernardo Figueiredo. Então, na verdade, na nossa visão, não há nenhum empecilho para que o nome dele seja analisado e votado nesta tarde”, argumentou Jucá, para quem não concordar com a votação do requerimento de Requião corresponderia a admitir tacitamente que algo havia de errado com a conduta do indicado.
Único senador a fazer defesa da indicação de Bernardo Figueiredo, Lindbergh Farias (PT-RJ) foi além e atribuiu a derrota governista à bancada do PMDB. “O governo foi derrotado pela base dele. Não foi um recado apenas. Foram vários recados do PMDB, centralmente”, bradou o petista, lembrando que o ex-diretor recebeu 16 votos favoráveis e apenas uma abstenção, mais cedo, na sabatina realizada pela Comissão de Infraestrutura do Senado.