Quarenta e nove pedidos de federalização de crimes envolvendo graves violações aos direitos humanos aguardam parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. A mais antiga dessas petições está há quase nove anos à espera de que o procurador-geral da República – chefe do Ministério Público da União (MPU) e do Ministério Público Federal (MPF) – decida se deve propor ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência do processo da Justiça estadual para a federal a fim de evitar que, por falta de interesse, condições ou competência das autoridades locais, o crime acabe não sendo esclarecido e os responsáveis fiquem impunes.
O número de pedidos de deslocamento de competência à espera de encaminhamento é 12 vezes maior que o total de casos (quatro) deslocados de varas estaduais para a Justiça Federal desde 2004, quando o chamado Incidente de Deslocamento de Competência foi incluído na Constituição Federal. O propósito é garantir que graves crimes contra os direitos humanos sejam julgados antes que o Estado brasileiro possa ser acusado de omissão ou inércia nas cortes internacionais.
As petições são feitas à PGR por entidades de defesa dos direitos humanos e organizações sociais que reclamam da demora na solução dos crimes e na punição aos envolvidos – em geral, devido ao envolvimento de agentes do Estado ou de pessoas com grande poder e influência econômica e política. Entre casos como esses está o do produtor rural Adilson Prestes, o Piá, morto a tiros em julho de 2004, na cidade de Novo Progresso (PA), dias após denunciar ao MPF a ligação de pecuaristas, madeireiros, políticos, advogados e policiais com crimes como grilagem de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento. Outro pedido trata das investigações de parte dos casos do episódio que ficou conhecido como Crimes de Maio de 2006, quando 493 civis foram mortos em São Paulo, Guarulhos e na Baixada Santista, durante os confrontos entre a polícia paulista e membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
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Embora 20 dos 49 pedidos tenham sido apresentados à PGR antes de 2013, o coordenador da equipe de assessoria jurídica responsável por analisar os pedidos de federalização, o procurador Ubiratan Cazetta, garante que a análise não está parada. “Estão todos em instrução. Tanto que esse número já foi maior”, disse ele à Agência Brasil. O procurador diz que 23 pedidos foram arquivados entre o fim de 2014 e o começo de 2015 por não atenderem aos requisitos legais.
Segundo o procurador, a demora ocorreu, em parte, por causa das dúvidas iniciais sobre a aplicação prática do deslocamento de competência. “Por falta de clareza sobre como conduzir os pedidos, eles ficaram parados durante um período. Os critérios constitucionais para decretar a federalização são muito abertos [vagos] e precisam ser regulamentados. Por exemplo, se levarmos em conta apenas a demora na conclusão do inquérito policial ou do julgamento processual, vamos concluir que grande parte das ações penais teria que ser deslocada para a esfera federal.”
De acordo com Ubiratan Cazetta, há elementos suficientes para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir ao STJ o deslocamento de pelo menos cinco dos 49 pedidos. “São casos analisados minuciosamente, que preenchem os requisitos necessários à transferência da competência e que podem vir a se transformar em pedidos de deslocamento muito em breve”, disse o procurador, evitando antecipar quais são os cinco casos. De acordo com ele, a mera proposição de federalização muitas vezes leva as autoridades estaduais a adotar providências que acelerem as investigações e o julgamento.
Já a coordenadora da organização não governamental Justiça Global, Sandra Carvalho, defende a necessidade de maior celeridade no julgamento das questões “tanto da PGR, ao analisar as petições das organizações sociais, quanto do STJ, para julgar os pedidos protocolados pelo procurador-geral”. No STJ, um pedido de federalização, relativo a crimes ocorridos em Goiás, apresentado em maio de 2013, ainda não foi julgado.
A Justiça Global é autora, com outras entidades, de ao menos dois pedidos de federalização, entre eles, o do caso do advogado Manoel Mattos, morto a tiros em janeiro de 2009, em Pitimbu (PB). Mattos denunciava a ação de um grupo de extermínio que atuava na divisa de Pernambuco com a Paraíba e ao qual são atribuídos mais de 200 homicídios. Primeiro caso federalizado no Brasil, o julgamento dos cinco acusados de matar o advogado aconteceu na semana passada, em Recife (PE). A Justiça Federal condenou dois dos réus – entre eles, o sargento reformado da Polícia Militar, Flávio Inácio Pereira – e inocentou três.
Se para Sandra, “a maior agilidade é importante para garantir que as investigações ocorram em um tempo razoável, evitando que as provas se percam”, para o procurador da República em Pernambuco, Alfredo Falcão, os processos já federalizados avançaram no tempo necessário ao cumprimento de todas as exigências legais. O procurador alerta que o deslocamento de competência empregado sem os devidos cuidados pode ferir o pacto federativo.
“A federalização não pode ser encarada como um apanágio para todas as questões. Há problemas estruturais, políticos e sociais, bem mais amplos. Além disso, há casos complexos que dependem da coleta de provas e da investigação minuciosa e, por isso, demoram a ser julgados. Embora não atendam ao tempo que a sociedade considera adequado, não necessariamente significa que as autoridades estaduais não estejam empenhadas em esclarecer o caso”, declarou o procurador, para quem, o mais importante é que o Estado brasileiro, sobretudo as autoridades locais, garantam às autoridades policiais e judiciárias estaduais condições de trabalhar sem sofrer pressões políticas ou econômicas.
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